Um dia após o desastre aéreo que tirou a vida da cantora Marília Mendonça e mais quatro pessoas, na sexta-feira (5), as músicas dela dominaram a parada brasileira de mais ouvidas no serviço de música Spotify. Entre as 200 músicas mais ouvidas pelos brasileiros na plataforma ontem, 74 contavam com vocais da Rainha da Sofrência. Mas, muito além do desempenho causado pela comoção, o que a goiana de apenas 26 anos deixa é o legado do movimento musical que recebeu o nome de Feminejo.De repente, em um espaço até então dominado pelo olhar masculino, como é o da música sertaneja, Marília colocou o ponto de vista das mulheres. Juntamente com os versos em uma voz potente, a cantora, em seus shows e entrevistas, sempre transmitia mensagens de empoderamento feminino.“Ela captou o espírito da época. Percebeu esse momento histórico e trouxe para as letras das músicas que ela escrevia. Isso traz muita força e verdade às suas composições”, disse o produtor musical João Marcello Bôscoli, em entrevista à rádio CBN Goiânia.Para Bôscoli, após a lamentável tragédia, Marília não ficará ausente desse movimento musical, mas irá mudar de patamar. “Ela será sempre uma referência, uma unidade de medida. O grande legado dela é ser uma referência”, diz.A opinião é compartilhada pelo diretor artístico Anselmo Trancoso, que trabalhou com Marília (além de Maiara e Maraisa) no projeto Patroas 2020, indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música Sertaneja. “Querendo ou não, a morte da Marília potencializa a importância desse movimento. Talvez, tome mais força ainda.”Anselmo destaca que a chegada de Marília aos palcos abriu portas para outras vozes femininas como Naiara Azevedo, Maiara e Maraisa, Simone e Simaria, Lauana Prado e Paula Matos. Popularizou o termo Feminejo, que ela tanto gostava de usar. A partir daí, elas passaram a dominar as paradas de sucesso.“O mercado começa a entender a inserção da mulher na música sertaneja com grande volume. Se não houvesse ela para abrir a porta, talvez não tivesse esse espaço. É uma importância gigantesca em uma área que lá atrás era dominado pelos homens”, explica o diretor artístico.O álbum Patroas foi gravado em Goiânia no dia 14 de junho de 2020, durante uma live. O trabalho, com 19 músicas, trouxe canções inédita como Quero Você do Jeito que Quiser, 10 de Setembro, Você Nem é Tudo Isso, Assunto Delicado e Uma Vida a Mais. O resultado da disputa será divulgado no dia 18 de novembro.ComposiçõesMuito antes de ser a patroa superpoderosa com a voz que arrebatou o Brasil, Marília Mendonça era compositora requisitada por diversos tipos de artista. A menina nascida em Cristianópolis e criada em Aparecida de Goiânia começou a compor aos 12 anos e, ao longo da carreira, emprestou sua evolução pessoal às letras das músicas que escrevia.“Se ela fosse exclusivamente uma compositora e não fizesse mais nada, já seria um expoente, com a importância que ela tem dentro desse campo. Mas com todo o carisma, magnetismo e potência vocal, tudo isso se amplia”, argumenta João Marcello Bôscoli.O produtor aponta que, como compositora, Marília era livre. “Ela fazia para diferentes gêneros, diferentes assuntos, diferentes sujeitos, diferentes pontos de vista. Uma inteligência emocional que criou pontes musicais”, explica, destacando que no dia da morte da cantora, figuras distintas que vão de Caetano Veloso a Mano Brown ficaram consternadas.