O Ministério da Justiça e Segurança Pública determinou que as plataformas de streaming suspendam a exibição do filme "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola", com Danilo Gentili e Fábio Porchat. A comédia, lançada originalmente em 2017 que agora é acusada de pedofila pelo secretário especial da Cultura, Mario Frias, e pelo deputado André Fernandes. A ação, entretanto, é questionada por advogados. O ator e comediante Danilo Gentili chama de "censura" as declarações de membros da base do governo Bolsonaro contra o filme. A Globo já avisou que não removerá a obra do Telecine nem do Globoplay. A Netflix não se manifestou.O longa é baseado no livro homônimo escrito por Gentili em 2009. Mostra dois garotos executando as lições presentes no tal livro, que na adaptação para as telas é um caderno escrito anos atrás e escondido em um banheiro. Eles têm a ajuda do próprio autor das "maldades" do caderno, interpretado por Gentili.Há uma cena na qual o personagem interpretado por Fábio Porchat pede que dois garotos o masturbem. Os meninos reagem com surpresa e negam o pedido. Este trecho, cortado do filme e lançado no Twitter no domingo (13) por aliados do presidente, foi o estopim da polêmica que agora cerca a obra.Advogados rebatem decisão "É o fim do mundo o ministro da Justiça [Anderson Torres] editar este ato. Isso é barbárie. É um expediente típico da ditadura contra o qual a Constituição de 1988 foi escrita. Se isso for levado ao Judiciário, não dura segundos", afirma Daniel Sarmento, professor de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.Segundo Sarmento, dada a inconstitucionalidade da decisão desta terça (15), tomada pelo Ministério da Justiça e publicada no Diário Oficial, nada vai acontecer com as plataformas de streaming caso elas não cumpram a ordem do governo. Conforme decisão da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), se a medida não for cumprida, uma multa diária de R$ 50 mil será aplicada às empresas que exibirem o filme. Os especialistas defendem, entretanto, que o Ministério não pode impedir a circulação de uma obra. Daniel Sarmento diz que a Carta proíbe a censura em diversos trechos, chegando a ser redundante, e que o Supremo Tribunal Federal também tem decisões proibindo a censura, especialmente quando vinda da administração. Alguma controvérsia poderia existir no caso de uma decisão judicial proibir a exibição de um produto audiovisual em nome da proteção de direitos de crianças e adolescentes, ele acrescenta, mas mesmo assim o banimento poderia cair se contestado.O filme segue as normas do próprio Ministério da Justiça, que deu à obra a classificação indicativa de 14 anos em 2017. "Caçar essa decisão agora pode criar um precedente muito perigoso", diz Aline Akemi, sócia do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados e autora do livro "Direito à Cultura e Terceiro Setor". Akemi lembra que a remoção de posts em redes sociais, por exemplo, só se dá com decisão judicial, e diz que o governo poderia rever a classificação indicativa do filme, se for o caso.Ainda de acordo com ela, a classificação indicativa é um mecanismo importante do regime democrático para evitar a censura. "Por meio dela é possível que os responsáveis tenham conhecimento antecipado do conteúdo da obra para decidir se é adequado ou não ao consumo das crianças e adolescentes que estejam sob seu cuidado."Entrevista com Danilo Gentili Pergunta: Como o senhor vê a determinação do governo de que o filme seja retirado das plataformas de streaming?Danilo Gentili: Não me parece a atitude de um governo que foi eleito dizendo que defenderia a liberdade de expressão, não? Se pessoas morrendo de Covid são chamadas pelo governo de "mimimi", como deveriam chamar pessoas que querem censurar um filme de cinco anos atrás? P.: Pretende tomar alguma ação legal para tentar reverter a decisão do governo?DG: Na real, eu só quero continuar fazendo humor. Esse aspecto judicial deixo para a área competente. P.: O filme foi acusado de ser pedófilo e de fazer apologia ao abuso sexual infantil, pelo secretário especial da Cultura, Mario Frias. Como responde a tais acusações?DG: Talvez o próximo passo desse secretário seja tentar prender Anthony Hopkins [ator do longa de suspense "O Silêncio dos Inocentes"] por homicídio e canibalismo. P.: O governo Bolsonaro instaurou um clima de perseguição aos artistas. Acredita que as declarações do secretário Frias e do deputado André Fernandes contra o filme se inserem nesta guerra cultural?DG: A censura nunca acaba. Apenas muda de agenda. P.: "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola" foi lançado em 2017. Como você via a cena em questão, do personagem de Porchat pedindo para ser masturbado, e como vê esta mesma cena hoje? Sua opinião mudou?DG: A cena vilaniza pessoas hipócritas que se escondem atrás de um discurso moralista e polticamente correto para praticarem absurdos escondidas. Ela continua vilanizando a pedofilia e a hipocrisia. P.: Na entrevista ao jornal O Globo, o senhor fala que há uma ordem dos apoiadores do atual governo de assassinar a sua reputação. Por quê?DG: Basta ver como tudo é coordenado. Inclusive com fakes disparando dizeres em massa nos grupos de WhatsApp e tuítes. P.: O pastor Marco Feliciano elogiou o filme à época do lançamento, mas agora voltou atrás e reviu sua opinião. Como o senhor vê isso e por que acha que ele agiu assim?DG: Aí é melhor ver com ele. P.: Quais as vantagens e desvantagens de ser um comediante independente?DG: A vantagem é que você pode fazer piada com tudo. A desvantagem é que você está sempre no paredão com duas armas apontadas para você.