No governo Mauro Borges, o Poder Legislativo estadual ganhou uma nova sede, depois de passar por outros endereços após sua reabertura, em 1947, fruto da transferência da cidade de Goiás. Ela foi erguida no coração do Bosque dos Buritis, um edifício com traços arrojados, exemplar da arquitetura moderna da nova capital. Esse prédio, projetado por dois nomes de referência da arquitetura em Goiás – Eurico Calixto de Godói e Élder Rocha Lima –, deixará, no início do ano que vem, após 60 anos, de ser o espaço de trabalho dos deputados estaduais e sua destinação vem sendo, há mais de um ano, objeto de disputas.O imóvel pertence à Prefeitura de Goiânia e estava cedido ao Legislativo estadual. Em nota enviada ao POPULAR, o prefeito Rogério Cruz afirma que nenhuma decisão foi tomada até agora. “O prefeito tem recebido e avaliado sugestões para a utilização do local; no entanto, a destinação do prédio ainda não foi definida, o que deverá ocorrer quando o espaço estiver à disposição do município.” Esse momento está cada vez mais próximo. Segundo a assessoria de imprensa da Assembleia, isso pode ocorrer já em fevereiro, quando está marcada a primeira sessão na nova sede, no Park Lozandes, perto do Paço Municipal.Um endereço tão nobre, evidentemente, tem causado disputas. A Agência Municipal de Meio Ambiente já anunciou que gostaria de ser transferida para o local. Outros órgãos públicos também se movimentam no mesmo sentido. Ainda em 2017, a Secretaria Municipal de Cultura ventilou a proposta de transformar o espaço em um centro cultural, ideia que foi abraçada por outros setores, como a Associação dos Protetores do Bosque dos Buritis (APBB) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU). Em fevereiro, foi publicado um parecer defendendo o uso cultural do edifício, que tem valor arquitetônico.Conselheira do CAU, Celina Manso trabalhou nesse tema e ressalta a importância do Palácio Alfredo Nasser, nome oficial do prédio. “Sua arquitetura com feições modernistas assume um caráter emblemático para a cidade e merece cuidado e atenção especial. Alinhada a uma finalidade cultural, como um museu, por exemplo, permite reconhecer na prática a importância do papel dos museus na sociedade contemporânea em representar o desenvolvimento e o conhecimento, trazendo o passado para o presente.” O próprio Élder Rocha Lima é favorável a criar um espaço cultural no prédio que ajudou a projetar.“Eu gostaria que aquele conjunto de edifícios, incluindo o que foi primitivamente projetado por mim, fosse destinado a funções culturais, principalmente na parte de artes visuais. Seria um local excelente e o ambiente físico ali é muito agradável. Tudo indica que seria uma boa solução criar um Palácio da Cultura”, sugere. A arquiteta Simone Borges de Camargo, pesquisadora do trabalho do autor do projeto, Eurico Calixto, considera que não há saída melhor para o que considera “o principal prédio de arquitetura moderna em Goiânia”. “Se estivesse em qualquer outro lugar, ele já teria sido tombado pelo Patrimônio Histórico”, diz.Em sua dissertação sobre os projetos de Eurico, Simone descreve as características centrais do edifício. “A planta livre apresenta malha estrutural com pilares e vigas independentes, o que proporciona ambientes flexíveis para usos e funções”, escreveu. “Na verdade, são dois prédios. O primeiro a ser construído foi o do plenário. E como o prédio foi concebido, com um grande vão livre, isso permite que sejam instalados o que se desejar ali”, complementa. Ela propõe um “Museu da Cidade” para o espaço, dedicado a abrigar a história da construção de Goiânia e seus principais personagens.Uma ideia é a fundação do Museu AA, em homenagem aos dois arquitetos e urbanistas pioneiros da capital: Attílio Corrêa Lima e Armando de Godoy. “A proposta de criação do Museu AA é uma oportunidade para refletir sobre os museus em Goiânia, enquanto espaço social do saber e do fazer, o locus do conhecimento, das histórias, das identidades”, argumenta o parecer emitido pelo CAU, em fevereiro. Segundo o documento, a implantação desse espaço cultural poderia contribuir para uma política setorial na área de museus na cidade, integrando-se em ações com outras unidades do gênero que existem no Centro.Controvérsia ambientalQuando foi inaugurado em 1962, o prédio da Assembleia Legislativa tornou-se um edifício erguido em área de preservação ambiental. No centro do Bosque dos Buritis, bem próximo ao lago, ele não obteria licenciamento ambiental nos dias de hoje. “Mas é preciso lembrar que ele não é o grande problema nesse sentido”, afirma a arquiteta Simone Borges. “As ortofotos (imagens áreas) da época mostram que ele ocupou uma área pequena do bosque. O Colégio Ateneu Dom Bosco já ocupava um terreno muito mais amplo e a maior parte da área do projeto original do bosque foi tomada pela expansão do Setor Oeste”, aponta.Ela destaca, em seu trabalho sobre Eurico Calixto, que o projeto está integrado ao bosque. “É notável a referência à Villa Savoye, de Le Corbusier, considerando os elementos da liberação de parte do térreo por meio de pilotis para uso de área como circulação e sua integração com os jardins e com o bosque e janelas horizontais”, detalha. “Entendemos ser fundamental e necessária a implementação de ações educativas que visem valorizar as lembranças perdidas na memória do goianiense e a consequente apropriação de seu patrimônio cultural, ambiental e arquitetônico”, reforça a conselheira do CAU, Celina Manso.Com o tempo, anexos foram acrescentados, desvirtuando o desenho inicial e ampliando o impacto ambiental. “Eles mutilaram o projeto original”, reclama Élder Rocha Lima, um de seus autores. “Coisas feitas afoitamente sem que eu tivesse sido consultado em época nenhuma. Não importa o valor em si de cada anexo, eles não foram bem conduzidos sob o ponto de vista de arquitetura. Mas foram construídos. Não tem mais o que se discutir”, resigna-se. “Essa questão só será conciliada com uma consciência histórico-cultural e de conservação do Palácio Alfredo Nasser e do Bosque dos Buritis”, opina a arquiteta Celina.Para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, são necessárias ações do poder público. “Como bem patrimonial edificado localizado no Bosque dos Buritis, reconhecido como bem patrimonial ambiental de Goiânia, o entorno do Palácio Alfredo Nasser deve ser tratado com base nos critérios a serem estabelecidos para que se valorize as características originais do edifício, permitindo maior legibilidade, versatilidade e permeabilidade”, pede Celina. “Preservar a obra também é preservar a memória de Eurico Calixto, autor de tantos trabalhos pioneiros em Goiás”, acrescenta a arquiteta e professora Simone Borges.