Entre a música e a literatura, o compositor e escritor Paulo Guicheney vê o seu trabalho como uma sublimação dos traumas que vivenciou. É esse o ponto de partida para o Tempo de Atirar Pedras e Dançar (Martelo Casa Editorial), livro de estreia do autor que é também professor de Composição na Escola de Música e Artes Cênicas (Emac) da UFG.Um único e longo poema compõe o livro, que tem como referência o trecho contido em Eclesiastes que diz que há “tempo de atirar pedras, e tempo de as recolher”. “Existe essa referência forte a ele, só que eu faço uma deturpação disso. É um livro sobre angústia; uma maneira de lidar com o trauma, uma espécie de criação a partir dele”, comenta o autor.A angústia é reflexo das situações que experimentou e das coisas que viveu e que, afinal, são inerentes a todos. “Por isso acho que existe essa característica de universalidade no que eu escrevo. São experiências que todos nós temos na infância, as separações”, aponta. Os muitos anos que tratou desses traumas nas sessões de psicanálise, segundo ele, foram importantes para a escrita do livro. “Mas não é um livro de autoajuda. É um livro de autoangústia”, brinca.E está longe de ser um texto de autoajuda porque a maneira de tratar o tema, aqui, é com uma escrita que exprime os sentimentos urgentes de quem o vive – descrito na sinopse como o reflexo de um surto social. A angústia que permeia o livro-poema é tão atual quanto natural do ser humano e, apesar de muito falada no último ano e meio, a obra não foi escrita recentemente.Tempo de Atirar Pedras e Dançar é um poema criado no início de 2014, e estava no prelo desde então. A atualidade da temática é apenas coincidência. “É muito atual, apesar de ter sido escrito há muitos anos, porque trata de questões que são essenciais a nós. Acredito que essas coisas nunca ficam desatualizadas”, comenta.Texto e imagemAs ilustrações presentes na capa e no interior do livro são da artista plástica e designer goiana Fabiana Queiroga. A técnica da colagem, em ideias gerais, permite a reorganização de imagens por meio de camadas, resultando em novas compreensões sobre os elementos que foram selecionados para compor a arte final.Para a parte visual de Tempo de Atirar Pedras e Dançar, foram criados cenários absurdos através de ligações entre elementos que são reconhecíveis de forma isolada e presentes nos versos de Paulo, como facas, rosas e porcos – descrita como as ligações de um tempo de surtos, entrelaçados como em uma constante naturalizada.O visual, no entanto, vai além das ilustrações. Ao longo do livro, o poema ganha diferentes estruturas, ora com períodos longos, ora com versos e estrofes que se deslocam (e, quem sabe, dançam) pelas páginas. A diagramação do texto desenha tanto quanto as imagens e ilustra o caos cuidadosamente pensado para exprimir o “surto” que permeia o que o autor escreve.Na orelha do livro, a poeta, crítica literária e professora Diana Junkes escreve que “Tempo de Atirar Pedras e Dançar aponta para a emergência de uma voz bastante original no cenário da poesia brasileira contemporânea; voz que não teme o grito, a estranheza, o desencapsulamento da experiência que reverbera em imagens barroquizantes ao longo de todo o poema”. Música e textoMesmo que agora oficialmente publicado, Paulo Guicheney se considera um músico que escreve. “Se bem que agora eu sou escritor, né? Publiquei um livro, não tem o que fazer mais”, brinca. Ele já havia escrito poemas antes, que musicou, como se fossem letras. “Antes desse livro eu já tinha escrito outro, mas não sei se vou publicar. Há algum tempo venho escrevendo de forma séria e regular”, comenta.Atualmente, está de licença do ofício de professor para trabalhar na tese do doutorado em Ciências Musicais pela Universidade de Lisboa. “Volto a dar aula agora, no próximo semestre, então eu nem sei o que é dar aula em sistema remoto”, reflete. Quando terminar a tese, o autor diz ter outro livro na manga para publicação. “Ele está pronto. É um romance, mas também bem lírico e estranho”, diz. PerfilNatural de Goiânia, Paulo Guicheney é compositor, escritor e professor de Composição da Escola de Música e Artes Cênicas (Emac) da UFG desde 2008. Fez sua formação musical na sua cidade natal com o compositor Estércio Marquez Cunha, mas a sua obra já foi além das fronteiras de Goiás com execuções em países como Argentina, Canadá, Chile, Estados Unidos, Espanha, México, Inglaterra, Irlanda e Uruguai.Recebeu o Prêmio Funarte na 17ª Bienal de Música do Rio de Janeiro com a obra Anjos são Mulheres que Escolheram a Noite. No ano passado, lançou de forma on-line o disco Mer (Redshift Records), que nasceu a partir do encontro com a pianista brasileiro-canadense Luciane Cardassi. Atualmente, Guicheney cursa o doutorado em ciências musicais na Universidade Nova de Lisboa.