Dificilmente alguém está preparado para a morte de um ente querido, não importa a idade. Quando a questão é como contar para uma criança que o avô, a tia, o pai ou a mãe não irá mais fazer parte do seu cotidiano, muitos podem recorrer a uma história que não é verdadeira, fantasiosa. “Caso o adulto e o núcleo familiar consigam sustentar a história inventada, o inventar histórias ainda faria sentido. Mas, normalmente, não conseguem”, diz a psicóloga e psicanalista Patrícia Gramacho. “Lembro-me de um casal que recorreu ao Google para falar ao neto sobre a morte da mãe e chegaram à conclusão de que falariam que a mãe dele tinha ido para o céu. A criança de três anos pediu, então, uma escada, pois queria ir se encontrar com a mãe”.O exemplo dado pela especialista reitera que existem maneiras de abordar o tema de forma lúdica, sensível, mas que não se torne insustentável ao longo do tempo. “O que eu quero dizer com isto é que a falta vai se fazer presente. E que caso estes avós realmente acreditavam no céu, essa era a hora de partilhar com o neto este conhecimento”, explica.Leia tambémProjeto PsiQUÊ?: Como as crianças enfrentam o lutoCuidar da saúde mental pode e deve acontecer independentemente do rendimento no trabalho“A família deve, sim, recorrer às suas tradições para tentar explicar o inexplicável da morte e, talvez, aproveitar o momento para o fortalecimento de suas crenças constitutivas. Mas é importante utilizar a palavra ‘morte’, possibilitando a criança contar algo sobre o que já ouviu sobre isto. Assim, ficamos sabendo o que a criança pensa e qual a forma de cuidado e amparo mais adequados para cada situação”, continua.A situação pode se transformar em um excesso de não ditos que acabam se prolongando, explica Patrícia. “Eles se prolongam não apenas no momento da morte em si, mas em um continuum de situações não explicadas no depois, do tipo: se meu avô virou estrelinha, então ele vai aparecer quando anoitecer?”, diz. “A criança com uma curiosidade saudável provavelmente irá perguntar até conseguir fazer uma construção significativa sobre aquilo que lhe foi dito”.Quando a conversa franca com a criança não acontece, ocorre uma privação da expressão da saudade desse indivíduo. “Falar de morte também é falar de vida. Caso esta comunicação não esteja acontecendo, parte deste processo de vida está sendo silenciado, sem possibilidade de ser renomeado e, principalmente, de se integrar a outras vivências nesta mesma vida que ainda continua”, aponta.Há também os casos em que, mesmo contando os fatos como realmente são, os adultos não dão margem para a expressão dos sentimentos da criança. “Contam rapidamente a notícia de morte e se afastam, evitando o acompanhar da expressão emocional. Nestes casos, a morte de alguém se transforma em um acontecimento que parece sempre deixar mais marcas na criança, pois não é partilhado”, comenta. “O não falar sobre morte, portanto, pode ser muito mais traumático do que partilhar a perda, buscando a construção de significações conjuntas, tanto para o adulto, como para a criança”, aponta.Essa forma de abordar o assunto é, inclusive, aprendido pelo adulto ao longo da vida e repassado posteriormente. “Na nossa cultura ocidental, não há vivências sobre o falar da morte que possam funcionar como modelos significativos ou internalizados. Notícias de morte ou finitude próxima são passadas ao adulto também de forma súbita, sem nenhuma adequação ao local ou espaço para integração ou questionamentos”, observa.Nos últimos dois anos, com a pandemia, o tema da morte esteve em maior evidência nas conversas, no dia a dia, nos jornais. “Inevitavelmente, uma criança vai ter um colega na escola que perdeu alguém por Covid, sendo o momento ideal para conversações sobre morte e explicações sobre as redes de apoio existentes, ou seja, com quem cada criança pode contar na ausência das figuras cuidadoras significativas”, comenta Patrícia. “São conversas fáceis? Não. Mas apenas a disponibilidade para ouvir o que a criança tem a falar sobre o tema já é um bom começo”, finaliza.