“Nós somos as cantoras do rádio, levamos a vida a cantar. De noite embalamos teu sono, de manhã nós vamos te acordar.” A marchinha de Braguinha, Lamartine Babo e Alberto Ribeiro, entoada há décadas pelos mais variados artistas – destaque para a performance das irmãs Aurora e Carmen Miranda –, é uma excelente tradução daquele que é, há um século, um dos veículos de comunicação mais populares e resilientes que existem. Ele já foi o eletrodoméstico mais presente nos lares brasileiros – nos anos 1990, segundo o IBGE, mais de 90% das casas tinham ao menos um aparelho – e hoje passa por reinvenções.No Brasil, a primeira transmissão oficial ocorreu em 7 de setembro de 1922, como parte das comemorações do centenário da Independência do Brasil. Uma antena instalada no Morro do Corcovado – antes da construção do Cristo Redentor no local – transmitiu o discurso do então presidente Epitácio Pessoa, sendo ouvido por alguns poucos receptores distribuídos nas cidades do Rio de Janeiro, Niterói, Petrópolis e São Paulo. A iniciativa partiu do intelectual Edgard Roquette-Pinto, criador da Rádio Sociedade do Rio Janeiro, a emissora pioneira no País. Ele projetou usar o veículo para difundir conteúdos educacionais.A partir daquele dia estava lançada no Brasil uma poderosa ferramenta que ajudaria a criar redes nacionais de informação e entretenimento, influindo decisivamente na cultura e nos gostos estéticos da população, além de conectar o País com o restante do mundo, sobretudo em momentos dramáticos da História. Também ali se iniciava uma jornada que teria fortes impactos em diversas áreas, como a política, o esporte, o comportamento e que seria a base para o advento de outros veículos de comunicação, como a TV. O Brasil viveria sua Era do Rádio e, mesmo quando o período áureo passou, ele continuaria onipresente.Uma pesquisa realizada em 2021 pelo Instituto Kantar Ibope mostra que hoje, mesmo com tantas possibilidades de comunicação e novos meios de se obter informações e distrações, o rádio continua poderoso. O levantamento constatou que 80% da população das 13 maiores regiões metropolitanas do País consomem rádio, nas mais diferentes plataformas. Nada menos que 60% das pessoas ouvidas declararam que escutam rádio todos os dias e a média de tempo nesse hábito chega a quase 4h30 diariamente. 71% ouvem rádio em suas próprias casas e 24% o escutam dentro de carros.Ao chegar ao seu centenário no Brasil, o rádio mostra imensa versatilidade. Quem ouve rádio em plataformas on-line dedica, em média, 2h44 por dia nessa prática. As emissoras de rádio que estão na internet têm renovado o público do veículo e reforça algumas de suas características básicas, como portabilidade e agilidade. Segundo a mesma pesquisa da Kantar Ibope, 66% do público que consome conteúdos radiofônicos nos ambientes digitais o fazem por meio de smartphones. Dos conteúdos acessados, 59% são áudios de programas no YouTube, 37% de plataformas de música e 31% de podcasts.“O rádio se expande por meio de sua capacidade de unir o melhor dos dois mundos: a credibilidade, o companheirismo do dial com o dinamismo do on-line”, avalia, na pesquisa, Giovana Alcântara, diretora de Desenvolvimento de Negócios Regionais do Kantar Ibope. Nessa sondagem, o Centro-Oeste aparece na média nacional com 80% de sua população ouvindo rádio com frequência. O celular é hoje um dos principais meios de se acessar tais programações, substituindo os antigos radinhos de pilha, as velhas vitrolas, os rádios em carros e os aparelhos mais modernos que chegaram ao público a partir dos anos 1970.Essas alterações, na verdade, fazem parte do DNA do rádio em todo o mundo. As ondas sonoras que pareciam mágicas e espantavam os primeiros ouvintes foram ganhando potência e qualidade, transformando seu lugar na sociedade, registrando a História e sendo cúmplice de momentos emocionantes e tristes nas trajetórias de milhões de pessoas de várias gerações. A música de um amor perdido, a notícia bombástica, a narração de um gol com toda sua carga de emoção, as cartinhas com detalhes de uma vida, a imaginação das radionovelas formam um mosaico centenário, plural e em movimento.Ouviu isso?No livro O Rádio na Era da Informação, o pesquisador e professor Eduardo Meditsch traz várias curiosidades sobre os primórdios deste veículo de comunicação centenário.– A primeira música transmitida pelo rádio brasileiro foi a marcha Fala Baixo, de Sinhô, que foi ao ar naquela emissão pioneira, em 7 de setembro de 1922.– Há a versão de que o padre brasileiro Roberto Landell de Moura tenha feito uma emissão pioneira ainda em 1893, em São Paulo, transmitindo mensagens a 8 km de distância.– Naquele mesmo ano de 1893, o engenheiro Nikola Tesla, que foi o inventor do controle remoto, conseguiu realizar uma transmissão com sinal sonoro. A invenção reconhecida postumamente, numa decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos.– Na Europa, o pioneiro do rádio foi o engenheiro italiano Guglielmo Marconi, que fez a primeira demonstração de uma emissão sonora sem fio em 1894. Já em 1901, morando nos EUA, ele realizou a primeira transmissão reconhecida a navios na costa americana.– A primeira emissora de rádio profissional foi criada nos EUA em 1920, na cidade de Pittsburgh, inaugurando com uma transmissão ininterrupta de oito horas durante a apuração dos votos das eleições presidenciais norte-americanas daquele ano.– Em 1938, o diretor de cinema Orson Welles levou ao ar pela CBS um conteúdo baseado no livro de H.G.Wells, A Guerra dos Mundos, causando pânico nos ouvintes, que de fato acreditaram que a Terra estava sendo invadida por extraterrestres.Leia também:- Centenário do rádio: rainhas, novelas e plantões- Do rádio a pilha ao podcast, profissionais avaliam a evolução de veículo