No dia 29 de dezembro de 1992, o Brasil não acreditava no que assistia na TV. O motivo poderia ser o desenlace da mais grave crise política após a redemocratização do País. Afinal, naquele dia o presidente Fernando Collor, afastado do cargo por um processo de impeachment em setembro, apresentou sua renúncia definitiva durante seu julgamento no Senado. Mas não foi o epílogo de uma das mais desastrosas gestões da história da República e que levou tanta gente às ruas que fez com que a nação visse as capas dos jornais e os telejornais completamente incrédula. O motivo era bem mais trágico.Na manhã daquele dia, os plantões jornalísticos anunciavam que o corpo da atriz Daniella Perez, uma das estrelas da novela das 8 da Globo, havia sido achado num matagal no Rio de Janeiro. Ela tinha sido brutalmente assassinada com 18 perfurações pelo corpo, tendo a vida interrompida aos 22 anos de idade, quando sua carreira começava a despontar. Filha de Glória Perez, autora do folhetim em que atuava, de Corpo e Alma, Daniella vivia Yasmin, um dos personagens mais carismáticos da trama. E o mais inacreditável: o suspeito era o ator Guilherme de Pádua, par romântico da atriz na novela. Parecia uma mórbida ficção.Quase 30 anos depois daquele dia de comoção nacional, o caso volta à tona com a série documental Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez, produção em cinco episódios dirigida por Tatiana Isso e Guto Barra e cujos capítulos acabam de estrear na plataforma de streaming HBO Max. Nele, há depoimentos inéditos de familiares, amigos e pessoas envolvidas na investigação que chegou aos culpados do crime: além de Guilherme de Pádua, também participou do assassinato sua mulher na ocasião, Paula Thomaz. Ambos foram julgados e condenados pelo homicídio, mas ficaram poucos anos em regime fechado.Esse gosto amargo de injustiça ainda marca as pessoas mais próximas de Daniella. Na série, o ator Raul Gazolla, viúvo da atriz, se emociona e diz que, mesmo após 30 anos, ele não consegue entender os motivos de tamanha brutalidade. Já Glória Perez, que liderou uma cruzada para condenar os assassinos e ainda hoje luta para que a memória de sua filha não seja envolvida em boatos e que os homicidas não ganhem notoriedade, revela frustração pelas muitas versões que foram criadas em torno do assassinato. Guilherme chegou a alegar que ele era assediado por Daniella nos bastidores da Globo.O que se comprovou foi o contrário. Seu personagem na novela, o bronco Bira, era possessivo e ele a elegeu como alvo, também por ela ser filha da autora da novela em que estava estreando. Até que ponto Paula Thomaz sabia dessas intenções do marido nunca foi algo totalmente esclarecido, mas o fato é que ambos prepararam uma emboscada para a atriz na noite de 28 de dezembro de 1992. As investigações mostraram que Daniella saiu das gravações de um estúdio usado pela Globo rumo ao ensaio de uma peça. Nesse momento, Guilherme e Paula passaram a segui-la de carro, por volta das 21 horas.Quando Daniella parou em um posto de gasolina, Guilherme chegou e começou a discutir com a vítima. Logo, ele e a esposa, que estava escondida no banco de trás do veículo, começaram uma luta corporal com a atriz, até que ele a agrediu com um soco e a deixou desacordada. Eles a colocaram no banco de trás do carro do casal, que foi dirigido por Paula Thomaz, enquanto Guilherme, guiando o veículo de Daniella, os acompanhou. Alguns minutos depois eles pararam em um matagal na Barra da Tijuca. Lá, os dois desferiram 18 tesouradas no corpo de Daniella, perfurando seu pulmão, atingindo o coração e o pescoço.No momento do crime, um advogado, que passava em uma estrada próxima, viu os dois carros parados no matagal e achou estranho. Naquele instante, eles haviam deixado o veículo e estavam assassinando Daniella Perez em um ponto mais afastado do mato. O motorista, porém, tomou o cuidado de anotar a placa dos veículos e avisou a polícia da movimentação suspeita. Ao chegarem ao lugar, os policiais encontraram o carro de Daniella, abandonado. Não demorou muito para que as buscas achassem o cadáver. Por ter faltado ao ensaio da peça, amigos e parentes da atriz já estavam a sua procura.Num primeiro momento, não havia suspeitos óbvios. Daniella não tinha inimigos, não havia relatado ameaças, nada levava a crer que fosse um latrocínio. Guilherme de Pádua chegou a ir à delegacia para consolar Glória Perez e Raul Gazolla. No documentário, a atriz Cláudia Raia, que estava no local e que estrelava a peça em que Daniella também atuaria, achou o comportamento do ator suspeito. “Ele ficou um tempo chorando, dizendo: ‘Que loucura isso’. Parecia muito indignado com tudo”, recorda. “Não sei porque eu olhei no braço do Guilherme. Tinha no antebraço um arranhão de unha de mulher. Me chamou a atenção.”Já na manhã seguinte, porém, todos sabiam que Guilherme estava envolvido. A placa do segundo veículo anotada pelo advogado era do carro do ator e sua esposa. Exames comprovaram que ambos haviam participado do assassinato. Foi quando eles lançaram mão da estratégia de tentar vilipendiar a memória da vítima, acusando-a de ser amante de seu próprio algoz e que a motivação do crime seria esse adultério. Versão que foi muito explorada por revistas de fofocas, jornais e programas de TV sensacionalistas. Na série, Gazolla lamenta que a família precisou lutar para inocentar Daniella após sua morte.Em um dos trechos, Glória Perez, com várias revistas sobre a mesa, critica a postura de parte da imprensa no episódio. Nas capas das publicações, editadas após a tragédia, aparecem Daniella e Guilherme abraçados, em fotos de divulgação de seus personagens na novela. “Isso é muito mais agressivo do que as fotos dela no local. Porque isso aqui é continuar matando a pessoa”, considera a mãe da atriz. Ela se refere às fotos do cadáver da atriz no matagal, publicadas na época sem o menor cuidado, com closes do semblante jovem, com os olhos semicerrados e o corpo mostrando os ferimentos que a mataram.Detalhes macabrosA morte brutal de uma pessoa é sempre chocante, mas no caso de Daniella Perez houve detalhes que deram outra dimensão à tragédia, na esfera pública e privada. Pouco antes de sair dos estúdios usados pela Globo e ser seguida pelos assassinos, Daniella e Guilherme se encontraram no estacionamento do local, com ele já esperando a chance de matar a colega. Esse encontro, que poderia ser meramente casual, teve testemunhas. Um grupo de fãs da novela De Corpo e Alma abordou os dois e estas pessoas fizeram, sem saber, o último registro em vida da atriz. E também tiraram fotos do assassino.Calcula-se que as fotos tenham sido tiradas apenas uma hora antes do assassinato. Daniella aparece de blusa preta e calça jeans, a mesma roupa com que foi encontrada morta. Já Guilherme trajava uma camisa vermelha e também uma calça jeans. As imagens, tiradas tão pouco tempo antes do crime, possibilitaram que os investigadores confiscassem as roupas do ator e fizessem nelas exames minuciosos que comprovaram sua culpa. O que também chama a atenção são os semblantes que elas revelam. Daniella parece triste, como se algo a incomodasse naquele momento. Já Guilherme ostenta um sorriso largo.Este homem sorridente, poucos minutos depois, emboscaria Daniella num posto de gasolina, a agrediria violentamente e a mataria a sangue frio com a ajuda da mulher. Tamanha frieza faz com que no documentário Pacto de Sangue, da HBO, ele seja descrito como um psicopata. As fotos também comprovavam que Guilherme havia sido o último colega de elenco a vê-la com vida. Essa situação o colocou, inicialmente, como testemunha chave. Sabendo dessa informação, de que eles haviam deixado os estúdios mais ou menos na mesma hora, Glória Perez chegou a ligar para o ator em busca de notícias da filha.Naquela noite, Raul Gazolla, marido da atriz, estanhou não encontrar a esposa em casa no horário habitual e ficou ainda mais preocupado quando recebeu a ligação de colegas da peça que Daniella ensaiava. Eles queriam saber a razão de ela não ter aparecido. Com sua moto, ele percorreu a orla entre o caminho dos estúdios e a casa deles, achando que ela poderia ter se envolvido num acidente ou tido um contratempo com o carro. Com a polícia acionada, Gazolla foi para o 16º DP, na região oeste do Rio, onde já havia outros colegas de elenco da novela. O delegado, naquele momento, já havia localizado o corpo de Daniella.Curiosamente, o policial confundiu a atriz Marilu Bueno – que faleceu recentemente – como a mãe verdadeira de Daniella, quando ela interpretava sua mãe na novela. Foi a ela que ele deu a notícia da morte da atriz e coube a Marilu repassar a trágica informação ao marido da vítima. Glória foi ao local do crime e viu o corpo da filha, que estava sendo periciado. Sua expressão é de puro desespero. “A vida parecia uma estrada linda, aberta. A gente só via coisas boas no horizonte. De repente, tudo isso explodiu”, diz a autora na série documental. “Eu estreava minha primeira novela solo no horário das 8, a Dani estava bem na carreira.”Uma das possibilidades para o crime teria sido o descontentamento de Guilherme de Pádua com os rumos de seu personagem. Na trama, ele vinha perdendo espaço, uma vez que o público dava sinais de que preferia que Yasmin, personagem de Daniella, ficasse com outro galã da trama, Fábio Assunção. Na série, o ator revela que, assim que o assassino foi preso, ainda no momento em que o velório da atriz era realizado, ele foi ao DP e perguntou ao delegado se ele tinha certeza do culpado. O policial confirmou que Guilherme havia confessado e perguntou se Fábio queria falar com ele. Os dois tiveram um breve diálogo.Fábio se lembra que ficou chocado com a postura de Guilherme, que não demonstrava arrependimento pelo assassinato e sim com o fato de que o crime havia acabado com sua carreira. Quando a informação da confissão e da prisão do culpado chegou ao cemitério onde Daniella era velada, Raul Gazolla teve um acesso de fúria e quebrou uma capela. Guilherme foi detido em flagrante, mas obteve um relaxamento da prisão e depois ficou foragido, até ser recapturado. Quando ele chegou à delegacia, uma multidão queria linchá-lo. Os atores Maurício Mattar e Alexandre Frota conseguiram acalmar os fãs.Mesmo após a morte, a memória de Daniella Perez continuou a ser desrespeitada. Além das histórias inverídicas que cogitavam que o assassinato fosse “um crime passional” – designação que sequer deve ser usada –, o próprio túmulo da atriz passou por tentativas de violação em 1999. Isso fez com que a família transferisse seus restos mortais, antes inumados no Cemitério São João Batista, para um local ignorado. Glória Perez ajudou a elucidar o caso, derrubando teses da defesa dos culpados, encontrando testemunhas e evidências e lutou para mudar a lei, imputando penas mais duras em casos semelhantes.Tragédias famosasA morte de Daniella Perez é uma das mais dramáticas e trágicas envolvendo celebridades, mas está longe de ser a única. Outros crimes violentos chocaram o público no mundo todo.Elizabeth Short – Jovem atriz que buscava a fama no cinema norte-americano, Elizabeth Short teve um final trágico em 1947, quando foi assassinada e esquartejada em Los Angeles. Os culpados nunca foram encontrados e este mistério que permanece ainda hoje já rendeu um livro de James Ellroy, chamado Dália Negra (apelido da atriz) e filmes.Ramón Navarro – Em 30 de outubro de 1968, o antigo astro do cinema mudo Ramón Navarro foi encontrado morto em sua casa, em Hollywood, após ser torturado e trucidado por dois garotos de programa,que ele havia contratado. Mexicano, Ramón chegou a ser considerado um modelo de latin lover e considerado um substituto de Rodolfo Valentino.Sharon Tate – Num dos assassinatos mais famosos de Hollywood, a atriz Sharon Tate, então uma estrela em ascensão e esposa do diretor Roman Polanski, foi morta brutalmente em sua casa, ao lado de amigos, por seguidores de uma seita comandada pelo serial killer Charles Manson. Quando foi esfaqueada várias vezes, Tate estava grávida de 8 meses.Pier Paolo Pasolini – A madrugada de 2 de novembro de 1975 foi sangrenta em Óstia, balneário litorâneo perto de Roma. O polêmico diretor italiano teria pego dois garotos de programa perto do terminal central de Roma, que o mataram em seguida, mas muitos acreditam que tudo foi um complô de fascistas, que queriam eliminar o cineasta.Bob Crane – Astro da série Hogan´s Heroes e protagonista de filmes como Super Pai, ele foi encontrado morto em sua casa, no estado do Arizona, em 1978. Um amigo próximo foi julgado e absolvido pelo crime e um outro suspeito nunca foi apontado, fazendo com que o crime permaneça sob o véu do mistério até hoje, gerando filmes a respeito do caso.John Lennon – Um dos crimes mais famosos do século 20, a morte do ex-beatle John Lennon em frente ao prédio onde morava, em Nova York, chocou o mundo. Poucos minutos antes, Lennon havia dado seu autógrafo ao assassino, Mark Chapman, e há uma foto em que ambos aparecem. Ele deu cinco tiros no músico e cumpre prisão perpétua até hoje. Natalie Wood – A morte da talentosa e belíssima Natalie Wood, em 1981, ainda é cercada de contradições e suspeitas. Ela se afogou depois de cair de um barco próximo à Ilha de Santa Catalina, na Califórnia, durante um passeio com amigos e o marido, o ator Robert Wagner. Ele era suspeito de matar a mulher, jogando-a na água, mas isso não foi provado.Peter Arne – O ator britânico foi morto em 1983 por espancamento em sua casa, na região de Knightsbridge, pelo italiano Giuseppe Perusi, que cometeu suicídio e cujo corpo foi encontrado no Rio Tâmisa, em Londres, alguns dias depois. Arne fez filmes importantes, como Sob o Sol da África, A Volta da Pantera Cor-de-Rosa e O Segredo de Monte Cristo.Judith Barsi – Ela tinha apenas 10 anos de idade, mas sua carreira já lhe colocava como uma das principais atrizes-mirins de seu tempo. Depois de participar de Tubarão 4: A Vingança, Para Lembrar um Grande Amor e Todos os Cães Merecem o Céu, ela foi vítima de uma tragédia familiar em 1988, quando seu pai assassinou filha, esposa e se matou.Selena – Rainha de um estilo musical muito popular entre a comunidade latina nos EUA, chamado de Tex-Mex, a cantora mexicana Selena Quintanilla-Pérez estava no auge da carreira. Mas uma discussão com membros de seu fã clube acabou em sua execução com tiros pelas costas, na recepção de um hotel na cidade texana de Corpus Christi, em 1995.Tupac Shakur – Ao sair de uma luta de boxe entre Mike Tyson e Bruce Seldon, em 1996, o ator e rapper foi baleado, em Las Vegas. Ele era uma referência para sua geração e morreu com apenas 25 anos de idade. Entre os filmes de que participou estão Bullet, O Lance do Crime e Sem Medo no Coração. Um homem confessou, em 2018, ter participado do crime.Gianni Versace – Dono de uma das grifes de alta costura mais famosas do mundo e estilista queridinho de celebridades, como a Princesa Diana, Gianni Versace foi assassinado a tiros por um psicopata, Andrew Cunanan, na porta de sua casa em Miami, em 1997. A história já rendeu séries de TV e telefilmes, como um episódio de American Crime Story.-Imagem (Image_1.2500570)-Imagem (Image_1.2500569)