Anualmente, a campanha Agosto Dourado intensifica as ações de promoção, proteção e apoio à amamentação — e a conscientização da população tem trazido indicadores positivos, de acordo com o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), do Ministério da Saúde, que analisa a tendência do aleitamento materno no Brasil. Os resultados preliminares divulgados em 2020, que comparam os dados com outras pesquisas realizadas nos últimos 34 anos, mostram que a prevalência do aleitamento materno exclusivo entre os menores de 6 meses aumentou 42,8 pontos porcentuais entre 1986 e 2020, saindo de 2,9% para 45,7%.“O aleitamento materno oferece diversos benefícios para o bebê e, por isso, é recomendado o aleitamento materno exclusivo até 6 meses de vida e complementado até pelo menos 2 anos de vida”, observa a pediatra Ludmilla Watanabe Branquinho. O Ministério da Saúde aponta que o leite materno é a melhor fonte de nutrição e forma de proteção mais eficiente para diminuir as taxas de mortalidade infantil, sendo capaz de reduzir em até 13% os índices de mortes de crianças menores de 5 anos.“Quanto mais tempo a criança é amamentada pela mãe, mais saudável ela vai ser para o resto da vida”, diz a pediatra. “O leite materno reduz a probabilidade de obesidade e diabetes, promove o desenvolvimento orofacial e neurocognitivo, além de auxiliar na microbiota intestinal, refletindo em vários órgãos, inclusive o cérebro”, comenta. A especialista também cita que existem benefícios comprovados para a saúde da lactante. “Quanto mais tempo ela amamenta, menor chance tem de ter câncer de mama, câncer de ovário e diabetes. E, claro, não posso deixar de citar: o aleitamento promove o vínculo afetivo mãe-bebê”, diz.Covid-19 e imunizaçãoEm tempos de pandemia de Covid-19 e aumento de casos de outros tipos de infecções, como o recente surto de gripe em crianças no País, outro ponto é reiterado: a amamentação adequada está relacionada à imunidade e prevenção de infecções e alergias. Mas, mesmo cercadas de informações, campanhas, dicas e consultorias, muitas mães enfrentam uma série de dificuldades e dúvidas durante a amamentação. A pandemia trouxe ainda uma nova leva de desafios e diretrizes para esse momento. A médica Marcella Mendonça, de 30 anos, teve a sua primeira filha, a pequena Elis, há apenas 47 dias. “Amamento em livre demanda desde o nascimento dela e não precisei complementar com fórmula em nenhum momento. Mas é uma realidade que demanda muita dedicação”, observa.Apesar de considerar cansativo e desgastante, principalmente pela privação de sono, ela frisa que vale a pena. “Eu já tinha uma bagagem sobre amamentação, mas na prática é muito diferente”, comenta. Ela teve algumas dificuldades nos primeiros dias e contou com a ajuda de uma consultora de amamentação para corrigir alguns detalhes para conseguir seguir com o processo sem dor. “A pandemia dificultou o acesso a profissionais em alguns momentos, mas agora o cenário melhorou com as vacinas”, comemora.O medo de contrair Covid permeou a gravidez e o pós. “Tomei uma dose da vacina gestante e uma dose amamentando. Vamos dizer, então, que a Elis recebeu duas doses pela transferência de anticorpos. Isso me deixa muito tranquila”, comenta. A limitação de visitas, no entanto, segue sendo uma prioridade na casa. “A amamentação exclusiva e em livre demanda também está mantida, porque sabemos que isso ajuda muito no fortalecimento do sistema imunológico”, diz.“Não temos dúvidas: o bebê que mama o leite de uma mãe vacinada contra Covid recebe anticorpos contra a doença. Só não sabemos ainda por quanto tempo exatamente essa proteção permanece”, observa a pediatra Ludmilla Watanabe Branquinho. Ou seja, se a mãe acabou de se vacinar, deve seguir amamentando normalmente.Mas e se ela for infectada pelo vírus Sars-CoV-2? “A amamentação deve ser mantida, mesmo com a mãe positiva para a doença. Se necessário e possível, podemos intensificar os cuidados de higiene e uso de máscaras, mas não contraindicar a amamentação”, responde Ludmilla. A pediatra, imunologista e alergista Germana Pimentel Stefani destaca, ainda, outro aspecto. “A mãe que teve infecção também passa anticorpos para o bebê. Não é possível quantificar nem saber o grau de proteção exato que é oferecido para a criança, porque o sistema imunológico é muito complexo e não depende de um tipo apenas de anticorpos. Mas tanto a infecção natural, quanto a imunidade materna adquirida pela vacinação, levam algum grau de proteção para o bebê”, diz.Sistema imunológico"O leite materno é chamado de líquido de ouro, por isso a campanha leva o nome de Agosto Dourado. Mas ele não é só um alimento ou uma forma de se dar afeto para uma criança. O leite materno tem entre as propriedades funcionais a estimulação do sistema imunológico, que se dá pela presença de várias substâncias como, por exemplo, os anticorpos”, explica Germana. O principal anticorpo é chamado IgA secretora, que passa da mãe para o filho durante todo o período que a criança for amamentada. "A mãe também libera substâncias como a lactoferrina, que inibe o crescimento de bactérias”, diz.O leite materno cumpre papel fundamental na saúde do bebê desde o momento que ele sai da barriga da mãe. O colostro é o primeiro leite que a mulher produz para amamentar o bebê durante os primeiros dias após o parto. "O colostro é um leite extremamente rico em substâncias que favorecem a proteção intestinal do bebê, tanto do ponto de vista de imunidade, quanto de favorecer uma flora intestinal que seja saudável a longo prazo", explica a especialista.Além disso, o leite materno é uma forma da criança receber probióticos, as bactérias "do bem", que exercem papel importante no sistema imunológico e podem impactar a saúde futura do indivíduo. “Sabemos que os probióticos na constituição de uma flora intestinal adequada vai organizar o sistema imunológico para o resto da vida. E essa colonização pelas bactérias ‘do bem’ acontece até os 3 anos de vida”, aponta. Por todos esses motivos, a amamentação está relacionada à prevenção de infecções e alergias. “Um dado bastante relevante é que um dos grandes fatores de risco para a ocorrência da alergia à proteína do leite de vaca é o consumo dessa proteína ou de fórmula infantil nos primeiros 3 dias de vida. Aquela primeira mamadeira dada na maternidade, muitas vezes em momentos de desespero, é chamada hoje de 'mamadeira assassina' por ser um gatilho para a ocorrência da alergia, especialmente naquelas crianças que já tem uma suscetibilidade genética”, observa Germana. Leia também:- Leite Materno: com baixo estoque, hospital de Goiânia busca doadoras- Banco de leite em Anápolis faz apelo por doações; veja como ajudar