De longe, a cena é impactante, assustadora e parece filme de terror, mas de perto, depedendo do olhar, até parece festa. Manequins, 365 no total, homens e mulheres, de variados tamanhos, com trajes coloridos, estão suspensos a seis metros do chão por cabos de aço e todos estão com rostos cobertos por um capuz. A morte e a vida estão lado a lado na instalação Renascimento do artista plástico goiano Siron Franco. O trabalho, que presta uma homenagem às vítimas da pandemia e aos profissionais da saúde, entra em cartaz a partir deste sábado, no jardim do museu Casa das Rosas, na Avenida Paulista, em São Paulo.“É uma obra bastante dramática e que tem todo o tipo de expressão. Quando você olha de baixo para cima ela se assemelha a uma festa ou a um desfile de moda, com as mulheres com os seus vestidos coloridos. Agora, quando é observada de cima, pode lembrar vários momentos tristes da humanidade, como o Holocausto”, conta Siron. “É um terror. Infelizmente, o momento é de muita dor com mais de 620 mil mortes por conta da pandemia. O capuz simboliza a nossa insegurança quanto ao nosso destino”, comenta Siron, que já tem vários convites para levar a instalação para fora do País.A mostra, em cartaz até 20 de março, foi criada de maneira bastante casual. Em seu ateliê em Aparecida de Goiânia, Siron retirou um manequim e pendurou em um varal. Ao ver a cena e o efeito daquela representação humana em forma de boneco, surgiu a ideia de criar uma população que “flutua”. “Eu queria fazer um trabalho que fosse uma celebração, com muitas pessoas quase que caminhando nas nuvens”, conta. A exposição é resultado de uma parceria entre o Museu da Imagem e do Som (MIS) e a Casa das Rosas, ambas gerenciadas pela Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa de São Paulo.Siron iniciou a montagem na segunda-feira e terminou na véspera da abertura da mostra. Ele conta que durante todo esse tempo, a obra vem atraindo muita gente na Avenida Paulista. A maioria, segundo ele, parava para fotografar. Já outras, desaprovavam e questionavam “porque ele estava fazendo isso”. “A arte é isso aí, ela mais pergunta do que responde”, reflete. Isso sempre foi comum na trajetória do goiano. Ao levar, em 1990, antas gigantes de gesso para a Esplanada dos Ministérios, o artista chamou a atenção do mundo para os maus-tratos aos bichos, mas os políticos achavam que era uma ofensa.A instalação é considerada por Siron uma obra que também traduz reflexões geradas pelo distanciamento social, como a importância do contato físico e da celebração da vida. Nesse contexto, são homenageados os profissionais da saúde e os cientistas que fizeram “ressurgir a esperança na vida das pessoas com a criação da vacina”. O artista diz que o trabalho tem caráter de pintura suspensa porque ao escolher as roupas dos manequins foi como se ele estivesse selecionando tubos de tintas. “Não é apenas uma visão da pandemia, mas do ser humano, com sua complexidade e beleza”.LivroHá pouco mais de um ano, a instalação dos manequins de Siron Franco foi o ponto de partida na produção do livro Antes de Tocar o Céu, com organização da curadora Cláudia Ahimsa, viúva do poeta maranhense Ferreira Gullar, e edição da designer Lucia Bertazzo. Foram selecionadas 11 fotografias das sombras dos bonecos projetadas no chão e nas paredes do seu ateliê e que ganharam um diálogo com o poeta pré-modernista Augusto dos Anjos (1884-1914). O título foi produzido em Lisboa, Portugal, pela editora Urucum, com uma tiragem de apenas 47 exemplares assinados pelo artista.A ideia do livro surgiu da mesma forma da instalação, ao acaso. Depois que fez as fotos das sombras dos manequins, mais de 300 registros, intrigado, Siron enviou o material para a editora Lucia Bertazzo, que mora em Portugal e que trabalhou cinco anos com o goiano no seu ateliê (2005-2010). Ela lembrou do poema Monólogo de uma Sombra, de Augusto dos Anjos, publicado em 1912, e o projeto ganhou corpo. Em seguida, ela convidou a poetisa gaúcha Cláudia Ahimsa para fazer o texto de abertura. Ahimsa é uma estudiosa de Augusto dos Anjos e já fez várias curadorias de Siron.Siron na PinacotecaAlém da instalação na Avenida Paulista, Siron Franco tem 15 trabalhos, entre desenhos e pinturas, da série do Césio-137, que integram a exposição coletiva A Máquina do Mundo: Arte e Indústria no Brasil 1901 – 2021, em cartaz até 22 de fevereiro, na Pinacoteca de São Paulo. Os trabalhos, uma das coleções mais aplaudidas pela crítica, rememoram a tragédia radiológica em Goiânia, em 1987. A curadoria é de José Augusto Ribeiro, que reuniu cerca de 250 obras de mais de 100 nomes, vindas de diferentes acervos e coleções. A produção do Césio engloba cerca de 110 pinturas sobre papel, desenhos e objetos, como camas hospitalares feitas de ferro oxidado. Uma parte da série também pode ser conhecida no acervo do Museu de Arte de Goiânia (MAG), para onde foi doada em setembro de 2013. Cinco anos depois, um conjunto dessa produção histórica foi selecionado na Bienal de São Paulo, marcando a sexta participação de Siron Franco na mais importante mostra do País. A crítica de arte Dawn Ades, que escreveu um livro sobre o pintor, considera a coleção a “Guernica Brasileira”, por registrar o acontecimento com maestria.Adiada algumas vezesA instalação Renascimento, que quando foi criada foi batizada por Siron Franco de Ressurreição, estava programada para estrear no circuito nacional no dia 24 de janeiro de 2021 no Memorial da América Latina, em São Paulo. Simultaneamente, seria aberta a exposição Leonardo da Vinci, 500 Anos de um Gênio. Em seguida, a mostra foi reagendada para março e novamente cancelada por conta do vaivém das restrições impostas pelo governo de São Paulo em relação à pandemia. Os espaços culturais na capital paulista só reabriram suas portas no final do mês de abril, com limite de público de 25% e o horário restrito entre 11 e 19 horas. Na Casa das Rosas, a primeira data foi em 7 de dezembro, mas acabou sofrendo uma alteração no calendário para o início de janeiro.