Quem profetizou que o cinema não sobreviveria à pandemia errou feio depois do sucesso de bilheteria de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021) e Top Gun: Maverick (2022). Por outro lado, quem apostou que o céu era o limite das plataformas de streaming não tem muito o que comemorar. Desde que a Netflix, líder desse mercado, anunciou queda no número de assinantes com expectativa de perder mais 2 milhões nos próximos meses, um sinal de alerta foi ligado em todas as outras concorrentes. Cortes no orçamento, demissões e novas estratégias são palavras de ordem no segmento atualmente.A HBO Max, por exemplo, lançada no Brasil no final de junho de 2021, divulgou que não fará mais produções originais nos países nórdicos (Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia), Europa Central (Holanda e Turquia) e removerá conteúdos da plataforma para liberar acordos de licenciamentos. A ideia é enxugar nos próximos dois anos cerca de US$ 3 bilhões depois da fusão com Warner e Discovery. O orçamento também foi congelado e produtos acima de US$ 35 milhões estão proibidos. Super Gêmeos, série baseada nos heróis da DC, foi cancelada porque estava orçada mais de duas vezes do teto.A Disney também planeja fechar a torneira e cortar U$ 1 bilhão de investimentos em conteúdos na plataforma Disney+, no Brasil desde novembro de 2020. Segundo a Nasdaq, a empresa teve um prejuízo operacional de R$ 4,2 bilhões no primeiro trimestre do ano. O reflexo disso já pode ser percebido nas novas produções dos estúdios Marvel, que vêm sendo criticadas pela baixa qualidade dos efeitos especiais, caso do trailer da série da Mulher-Hulk, com previsão de estreia em agosto. O vídeo de lançamento foi refeito porque os fãs estavam comparando a heroína com a Princesa Fiona, da franquia Shrek.Com a perda dos assinantes, até abril de 2022 as ações da Netflix caíram mais de 40%, o que levou a cortes, como a demissão de mais de 150 funcionários. Diante dessa situação, a plataforma mudou o seu planejamento de produção de filmes originais. Se antes a programação era disponibilizar um por semana, agora haverá um espaçamento maior de um para o outro, garantindo uma qualidade superior, do nível de casos de sucesso como Não Olhe para Cima, Alerta Vermelho e Projeto Adam. Os longas pequenos não vão desaparecer, mas vão ser cada vez mais raros dentro do catálogo.A Netflix tem pouco mais de 220 milhões de assinantes e aprovou mais um pacotão de mudanças, como a implementação de publicidade na plataforma - algo que sempre evitou - a partir do primeiro semestre de 2023. Ainda não se sabe como será o formato das propagandas, nem a frequência de exibição dos anúncios durante filmes ou séries. A empresa também começou a cobrar um valor adicional dos usuários que quiserem que seu login e senha possam ser utilizados fora do endereço do titular da conta em países da América Latina, como Chile, Costa Rica, República Dominicana, Peru e Argentina.GuerraQuando a Netflix lançou o serviço de streaming nos EUA, em 2007, oferecendo acesso a filmes e séries, licenciados de outros criadores, ela criou uma cultura que libertaria os espectadores do formato atual da televisão comercial. Em setembro de 2011, o catálogo entrou no mercado brasileiro e com preço mensal de R$ 15 – hoje são três opções, o básico, o padrão e o premium, com valores de R$ 25,90, R$ 39,90 e R$ 55,90, respectivamente. Na busca eterna por mais assinantes, a empresa começou a desenvolver conteúdo próprio, como House of Cards, lançando todos os episódios de uma vez.O sucesso da Netflix motivou uma corrida por esse território e inspirou muitos dos maiores conglomerados de mídia americanos a lançar ou adquirir plataformas digitais, o que acrescentou ainda mais a oferta por produtos inéditos e por preços. Outros grupos até então sem know-how no segmento, como a Amazon e Apple, também criaram suas plataformas e acirraram ainda mais a disputa. Essa movimentação provocou uma guerra de investimentos pesados para consolidar a audiência e aumentar a base de assinantes, oferecendo grandes produções, reality shows e campeonatos de futebol ao vivo.Mesmo passando por esse momento de instabilidade, a Netflix segue apostando alto na tentativa de expandir a presença em cinemas com a produção do filme Agente Oculto, que entrou no catálogo na sexta-feira. O longa custou US$ 200 milhões, o mais caro do serviço de streaming, e é dirigido e roteirizado pelos irmãos Anthony e Joe Russo, dos sucessos de bilheteria mundial nos dois últimos títulos da saga dos Vingadores. O projeto, com Ryan Gosling e Chris Evans, é audacioso na tentativa de criar uma franquia de espionagem aos moldes de James Bond ou de Missão Impossível, de Tom Cruise.Sem intenção de conter gastos, a Amazon Prime também não está de brincadeira para atrair mais assinantes e investiu pesado na produção de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, com estreia prevista para 2 de setembro. Cada temporada custará US$ 465 milhões (R$ 2,5 bilhões), maior valor em uma produção cinematográfica. Para se ter uma ideia, Game of Thrones, da HBO, desembolsou cerca US$ 100 milhões por ano produzido. O drama épico filmado na Nova Zelândia se passa antes dos eventos de O Hobbit e O Senhor dos Anéis, dos livros de J.R.R. Tolkien. A guerra do streaming está só começando.Cinema em altaNa contramão da guerra das plataformas de streaming, o cinema voltou a sorrir. Quando a pandemia estourou em março de 2020, a indústria cinematográfica foi uma das primeiras a sofrer seus impactos: com salas fechadas, exibições limitadas e estreias adiadas, bilheteria baixíssima, o que resultou em prejuízos bilionários. Muitas produções fracassaram, como Viúva Negra e Duna - que podia ter um resultado melhor. No entanto, a resposta foi dada com o lançamento de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa em dezembro de 2021, ainda com ameaça de paralisação. O longa da Sony/Marvel arrecadou US$ 1,8 bilhão, se tornando a sexta maior da história. Muitos outros lançamentos pegaram carona, como Top Gun: Maverick (2022), que ultrapassou US$ 1 bilhão de faturamento. A expectativa deve melhorar ainda mais no final do ano com o lançamento da continuidade da franquia Avatar. Estratégias de milhõesAs plataformas de streaming investiram em estratégias diferentes para consolidar os hábitos e a audiência formados na pandemia. Além das grandes produções, a Netflix continua apostando alto em séries de outros idiomas e não poderia ser diferente depois do sucesso da sul-coreana Round 6, que demorou 12 anos para ficar pronta e se tornou a mais popular do catálogo em apenas 12 dias. A trama foi vista por 100 milhões de perfis de assinantes e sintonizada por 111 milhões de lares em todo o mundo. A empresa confirmou a segunda temporada em junho, mas ainda não divulgou uma data de estreia.O drama criado por Hwang Dong-Hyuk se tornou o maior fenômeno pop da cultura em 2021, estimulando memes no TikTok, personagens dentro de jogos eletrônicos como Fortnite a fantasias de Halloween, assim como aconteceu com a série La Casa de Papel (Espanha). O macacão vermelho e a máscara do pintor Salvador Dalí viraram febre. Outra tática da Netflix nos últimos anos foi não disponibilizar todos os episódios de uma vez. A quarta temporada de Stranger Things, outro fenômeno, por exemplo, foi dividida em partes, o que aumenta bastante a expectativa dos fãs pela liberação do conteúdo.O Senhor dos Anéis não é o único gol de placa da Amazon Prime. A plataforma ampliou o seu catálogo com a aquisição dos estúdios MGM por mais de US$ 8,45 bilhões. Com a fusão, a plataforma passou a ter acesso a uma biblioteca com mais de quatro mil filmes, de Rocky a Creed e uma das franquias mais populares do mundo, com a qual a Netflix sonharia contar: 007. Também passaram a fazer parte O Conto da Aia e clássicos como Thelma & Louise (1991) e O Silêncio dos Inocentes (1991). A empresa também começou a investir pesado no esporte com a transmissão de diversas modalidades ao vivo. A Disney+ possui um catálogo generoso, com todos os filmes do universo cinematográfico da Marvel, com a poderosa franquia Star Wars, animação para toda a família, como Meu Malvado Favorito, Toy Story, Frozen e Encanto. O conglomerado deve aumentar entre 35% a 40% o investimento em conteúdo em 2022. Uma das estratégias adotadas em 2021 foi lançar simultaneamente filmes nos cinemas e no streaming, o que acabou não dando muito certo e foi cancelado. A empresa também aposta no esporte com o streaming Star+, com os direitos da NBA, NFL e vários campeonatos de futebol.Cautela de sucesso Enquanto Disney, Netflix, Amazon e HBO investiram bilhões,outras plataformas que foram lançadas mais tarde adotaram um tom mais cauteloso no mercado e deu muito certo. Talvez o melhor exemplo seja o da Apple TV+, que quando foi lançada em 2019, muita gente pensou que fosse apenas uma distração da gigante Apple. Com um catálogo mais enxuto, a empresa apostou na qualidade e não na quantidade e o resultado foi a conquista do Oscar de melhor filme neste ano com Coda, estatueta de grande desejo da Netflix. No geral, já são mais de 250 vitórias em premiações e quase 1 mil indicações.A Paramount entrou nessa guerra do streaming em 2019 sem fazer tanto barulho e rapidamente foi caindo no gosto do público com produções como Star Trek: Strange New Worlds, Halo e The Offer. Os fãs de esporte também encontraram na plataforma uma casa para jogos de futebol, incluindo torneios da Uefa, Concacaf (como Eliminatórias da Copa do Mundo masculina e feminina), além dos campeonatos italiano, argentino e feminino norte-americano. Em 2023, a empresa passará a transmitir a Libertadores e a Sul-Americana no Brasil, o que deve facilitar o crescimento no País.Novelas inéditas no streamingA crise na Netflix não chegou ao Globoplay, da Globo. A plataforma brilhou na internet com crescimento na base de assinantes e uma arrecadação financeira em quase 50%, em relação ao mesmo período de 2021. O resultado tem colaboração das duas últimas edições do Big Brother Brasil e a produção de conteúdos inéditos, caso de Verdades Secretas 2, que se tornou um dos temas mais comentados nas redes sociais, e da queridinha série médica Sob Pressão. O catálogo também contará com novelas exclusivas, caso de Todas as Flores, escrita por João Emanuel Carneiro (Avenida Brasil), com estreia prevista para outubro. O elenco é de peso com nomes como Regina Casé, Letícia Colin, Fábio Assunção, Humberto Carrão, Sophie Charlotte e Caio Castro. A ideia da emissora é lançar uma trama por ano no catálogo. O QUE VEM POR AÍConfira os lançamentos programados de cada plataformaDisneyI Am Groot (10 de agosto)Mulher-Hulk (17 de agosto)Andor (31 de agosto)What If...? - segunda temporada - (final de 2022) HBOPretty Little Liars: Original Sin (28 de julho)House of the Dragon (A Casa do Dragão), derivada de Game of thrones (21 de agosto)The Last of Us (entre o final de 2022 e início de 2023)His Dark Materials (final de 2022)Prime VideoO Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder (2 de setembro)NetflixLocke and Key - 3ª Temporada (10 de agosto)Cobra Kai - 3ª temporada (9 de setembro)The Crown - 5ª temporada (novembro)The Witcher: Blood Origin (outubro) HuluThe Handmaid’s Tale - 5ª Temporada (14 de setembro) PONTOS FORTES E FRACOS DE CADA PLATAFORMANetflixPontos fortes- Plataforma intuitiva- Catálogo diversificado- Produtos originaisPontos fracos- Preço da assinatura- Falta de aviso da retirada de produtos Prime VideoPontos fortes- Preço- Tecnologia X-ray que nomeia os atores em cena- Catálogo extenso- Produtos originaisPontos fracos- Função de pesquisa na plataforma- Design pouco atrativo HBO MaxPonto fortes- Programação variada- Produções originais- Jogos de futebolPontos fracos- Legendas- Volume menor de lançamentosDisney+Pontos fortes- Conteúdo diversificado- Produções originais- Plataforma bem dividida- Esportes Pontos fracos- Volume menor de lançamentos- Falta de mais produtos para o público adulto