Selecionada por um edital do Banco da Amazônia, a exposição Suaves Brutalidades, de Henrique Montagne Figueira, tinha um vernissage virtual previsto para ocorrer na noite desta quinta, no espaço cultural da instituição. Depois disso, seguiria aberta para visitação presencial e em realidade virtual. A exposição, porém, foi cancelada quando estava prestes a ser montada. Suaves Brutalidades contém uma série de obras com temática LGBT e seu cancelamento faz ecoar uma série de outros episódios ocorridos nos últimos anos, em que eventos e editais artísticos foram barrados de alguma forma, como a Queermuseu, cancelada pelo Santander Cultural em Porto Alegre após protestos em redes sociais, ou a Bienal do Livro do Rio de Janeiro de 2019, na qual o ex-prefeito Marcelo Crivella mandou censurar HQs que continham beijo gay.Segundo o texto de divulgação do projeto, a exposição Suaves Brutalidades “traz à tona o universo afetivo masculino, os prazeres e as violências experienciadas na relação entre homens”. O projeto de Montagne foi aprovado no Prêmio Banco da Amazônia de Artes Visuais - Edital de Pautas do Espaço Cultural 2021, num valor de R$ 25 mil para execução. Em conversa com a reportagem, o artista afirma que não recebeu nenhum parcela da verba. Ainda assim, teve de gastar dinheiro, com recursos do próprio bolso, para arcar com despesas de curadoria, impressão fine art, assessoria de imprensa, mediação, entre outros, num total de R$ 14 mil. “Agora estou cheio de dívidas, meus cartões de credito estão estourados.”Segundo Montagne, até o início de maio, tudo parecia correr normalmente. No primeiro dia do mês, o artista postou em seu Instagram uma arte de divulgação da exposição e marcou, na postagem, o perfil do Banco da Amazônia. O perfil de Montagne contém uma série de imagens homoeróticas, como desenhos retratando sexo entre homens e nudez masculina. Ele diz que a partir do momento em que Montage passou a marcar @bancoamazonia em suas postagens de divulgação, as conversas entre o artista e o banco tomaram outro rumo. Segundo o escritório de advocacia que atendeu o artista, não havia classificação indicativa. A legislação não prevê obrigatoriedade da classificação indicativa para exposições de artes visuais. Uma portaria do Ministério da Justiça regula só obras audiovisuais, cênicas e videogames.A reportagem entrou em contato com o advogado de Montagne, Ivan Borges Sales, que afirmou que a notícia do cancelamento da exposição foi dada verbalmente ao artista, dois dias antes do início da montagem da exposição, em uma reunião no dia 6. Na ocasião, a justificativa dada foi que questões de segurança ligadas à Covid-19 impossibilitariam a exposição. Ainda segundo a defesa, não houve comunicação oficial ou por escrito, Montagne chegou a enviar por escrito, em e-mail, além de ter se manifetado na reunião presencial, o pedido para que a exposição fosse remanejada até o fim do período de vigência do edital. Segundo a defesa, não foi dada nenhuma outra alternativa.O artista entrou com um pedido extrajudicial para que haja um comunicado oficial e público do cancelamento por parte do Banco da Amazônia, mas não obteve resposta.Até a semana passada, porém, funcionou no mesmo espaço a exposição Em Casa, de Elisa Arruda, sem temática LGBT explícita. Esta, por sua vez, foi inaugurada em 17 de março, momento em que a capital paraense passava por período de restrições de circulação mais rigorosas. Logo na primeira semana de março, o governador Helder Barbalho colocou o Estado em fase vermelha e decretou toque de recolher entre 22 e 5 horas. No caso de Em Casa, o vernissage foi virtual, seguido por um período de visitações presenciais, seguindo protocolos de distanciamento.Montagne diz que não foi dada a ele a possibilidade de fazer a exposição em modalidade virtual, com realidade aumentada. A reposta, segundo artista, foi que o banco não tinha mais interesse em seguir com a exposição. Ainda de acordo com a defesa de Montagne, houve troca de e-mails, em março, em que um funcionário do Banco da Amazônia afirmou que o projeto passava por processo de aprovação da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, para que fosse dada sequência à liberação dos recursos.Banco nega censuraO Banco da Amazônia é uma instituição de economia mista, sendo que a União é o acionista majoritária, com participação de 95,8% no capital social. A instituição afirma, em nota, que a decisão pelo cancelamento da exposição com obras homoeróticas “visa reduzir o volume de circulação de pessoas em área comum”. Segundo a instituição, o espaço cultural do banco fica no hall de entrada da instituição, “que, por sua vez, é movimentado, pois dá acesso não somente a caixas eletrônicos como também à agência bancária, além da ser entrada regular dos funcionários.”“Tal fato foi constatado por nossa área de segurança quando houve a retomada das exposições, fato que levou a suspender as exposições vindouras, não apenas a programada sucessivamente”, afirma o banco.Segundo o Banco da Amazônia, a Secom “aprovou a exposição nos termos de instrução normativa vigente. O fechamento do espaço cultural é decisão de trato interno, destinada a reduzir a circulação de pessoas no hall de entrada da instituição”.“O Banco da Amazônia repudia qualquer conduta discriminatória, sendo inclusive apoiador de movimentos em favor da diversidade e signatário de cláusula coletiva em favor da inclusão social independente de gênero, além de vedar e punir por meio de seu código de ética qualquer atitude nesse sentido. Logo, eventual abordagem com essa temática jamais poderia ser cerceada, mesmo porque o projeto foi inscrito e selecionado no edital. Logo, qualquer indução nesse sentido é manifestamente equivocada.”