Ela era a antítese de um rock star. Tímida com um olhar que muitas vezes fugia do interlocutor, bastava subir ao palco para se transformar em uma verdadeira força da natureza. Extrovertida, meio doidona, mas com pleno domínio da plateia. Som e fúria sempre fizeram parte de sua trajetória. Há exatos 20 anos, o Brasil perdia precocemente Cássia Eller, aos 39 anos, vítima de enfarte do miocárdio. Uma das maiores representantes do rock brasileiro dos anos 1990, a artista deixou um importante legado.Nascida no Rio de Janeiro e filha de um sargento do Exército brasileiro, ela morou em várias cidades do Brasil durante a infância e a adolescência. Aos 18 anos, chegou a Brasília, onde fez várias atividades ligadas à música, cantando em coral, em um grupo de forró e até no primeiro trio elétrico da cidade. Além disso, também fazia apresentações de voz e violão em diversos bares. Ao gravar uma demo com a música Por Enquanto, da Legião Urbana, em 1989, ela conseguiu chamar a atenção da gravadora PolyGram, que lançou no ano seguinte o disco de estreia, Cássia Eller.O sucesso foi meteórico e teve como auge o Acústico MTV, de 2001, que vendeu mais de 1 milhão de cópias, marca impressionante na época. No meio do caminho, conquistou respeito e fãs famosos. “Cássia é uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos. Nela está o espírito de Aracy de Almeida e Carmen Costa, de Maysa, Dolores Duran e Almira Castilho. Não é por acaso que seu rock’n roll se refere ao flamenco, à canção francesa mais visceral e ao blues. Cássia é verdade pura”, declarou Caetano Veloso.Nando Reis, que produziu três discos de Cássia Eller (o Acústico MTV, Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo, de 1999, e o póstumo Dez de Dezembro, de 2002), contou que a palavra que melhor poderia definir a relação que eles tiveram é “afinidade”. Foi Nando, ao lado do filho da cantora Chico Chico e da percussionista Lan Lanh, o responsável por uma emocionante homenagem à cantora na última edição do Prêmio Multishow. No palco da premiação, Chico Chico cantou também a canção Mãe, em homenagem à cantora e comoveu o público.“Cássia continua única, insubstituível, singular em sua postura. A voz de trovão ressoava com atitude, cantasse um rock de raiz punk ou uma canção romântica”, definiu o crítico de música Mauro Ferreira. Nos 11 anos de carreira fonográfica, Cássia lançou oito álbuns oficiais, além dos póstumos 10 de Dezembro (2002), O Espírito do Som, Vol. 1 (2015) e Todo Veneno Vivo (de 2019). Sucessos como Malandragem, de Frejat e Cazuza, e E.C.T., de Carlinhos Brown, Marisa Monte e Nando Reis, fizeram da cantora um sucesso nacional.Para lembrar os 20 anos da morte da artista, foi lançado este mês o inédito single Espírito do Som, blues de autoria de Chico Evangelista e Péricles Cavalcanti. As homenagens devem durar até dezembro de 2022, quando a roqueira completaria 60 anos. Para muitos, o segredo do impacto que Cássia Eller teve na música no Brasil é o fato dela transpirar liberdade, o que é essencial em um artista. Seja em cima do palco mostrando os seios ou sendo trilha sonora de novela e programa infantil, a artista construiu uma trajetória que merece realmente ser celebrada.Estreia de turnê em Goiânia Ao longo da meteórica carreira, Cássia Eller esteve por diversas vezes em Goiânia. Quando já era conhecida na noite de Brasília, no final dos anos 1980, ela fez show para uma plateia bem pequena, numa boate da cidade. Em agosto de 1999, já famosa nacionalmente, estreou na cidade a turnê nacional Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo. O repertório trazia canções como O Segundo Sol, de Nando Reis, Mapa do Meu Nada, de Carlinhos Brown, e Gatas Extraordinárias, de Caetano Veloso. Em 2001, ano de sua morte, ela apresentou no Teatro Rio Vermelho o show Acústico MTV para uma plateia lotada. A trajetória da artista já foi revisitada em livros, documentários e até musical. Visto por mais de 150 mil espectadores após percorrer as 27 capitais brasileiras, Cássia Eller - O Musical emocionou o público ao revisitar a trajetória dos primeiros passos como cantora em Brasília a sua explosão nacional, sem deixar de lado seus amores, em especial Maria Eugênia, sua mulher com quem criou o filho Chicão. Para fugir da timidez Drogas, sucesso, gravidez inesperada, e a morte precoce são alguns dos temas do documentário Cássia Eller, dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, lançado em 2015. Escolhido pelo público como melhor documentário na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2014, a produção traz depoimentos de familiares e amigos. Em entrevista exibida no filme, Cássia admite que a música foi a maneira que encontrou para driblar a timidez. "Eu tenho vergonha das pessoas. Eu tenho medo de gente. A música foi uma fuga da minha incapacidade de viver socialmente com as pessoas", revelou. Depois da morte repentina no auge do sucesso ,foi levantada a hipótese da causa ter sido overdose de drogas, já que Cássia era usuária de cocaína desde adolescente. "Sempre houve muita desinformação. A notícia de que ela poderia ter morrido de overdose foi capa da Veja. Mas, por outro lado, o resultado do IML provando que o que ela teve foi um enfarte não ganhou repercussão. E o que fica é a informação mais contundente", disse Maria Eugênia.