Trinta e um candidatos goianos que se diziam brancos em 2018, agora informam ser pardos ou pretos, segundo seus pedidos de registro de candidatura ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A mudança na autodeclaração, nesses casos, pode impactar diretamente na distribuição de recursos públicos para financiamento de campanha.Isso ocorre porque os partidos precisam dividir o fundo eleitoral de maneira proporcional entre candidatos negros (pardos e pretos) e não negros, com respeito aos porcentuais tanto em âmbito nacional quanto local, segundo resposta do TSE em 18 de agosto a uma consulta do Podemos. Isto é, se o partido tem 50% de postulantes negros, metade dos recursos precisa ir para esses candidatos. A questão, porém, ainda pode ser revista pelo tribunal.Compõem a lista dos 31, por exemplo, 11 nomes com mandatos e que geralmente têm direito a uma maior parcela dos recursos — logo, dentro de uma proporção maior de divisão, podem ter mais. Sete dos 11 foram eleitos em 2018: Lincoln Tejota (UB), atual vice-governador e que agora tenta cadeira na Assembleia Legislativa; os deputados federais Lucas Vergílio (SD) e Professor Alcides (PL), que visam a reeleição; e os deputados estaduais Bruno Peixoto (UB), Júlio Pina (PRTB), Wilde Cambão (PSD) e Zé Carapô (PROS) — apenas o último quer assento na Câmara dos Deputados.Também aparecem quatro dos eleitos nas eleições municipais de 2020 e que tentam um cargo na disputa deste ano: os vereadores de Goiânia Lucíula do Recanto (PSD) e Sandes Júnior (PP), o vice-prefeito de Ceres, Dino Ayres (PRTB), e o vereador de Caldas Novas Marinho Câmara (PDT), único que mudou sua declaração de branco para preto.A maioria dos 11 nomes com mandato e que aparecem com declaração de cor/raça diferente neste ano apontam erro de seus partidos na hora do registro de candidatura em 2018, e negam mudança para se beneficiar da nova regra de distribuição de recursos de campanha. São os casos de Dino Ayres, Júlio Pina, Lucas Vergílio, Lucíula do Recanto e Sandes Júnior.Ayres afirma que se considera pardo e que o registro como branco há quatro anos foi erro, mesmo discurso de Pina. Os dois são do PRTB. A respeito do fundo eleitoral, eles dizem que não poderiam contar com isso porque seu partido não tem parcela relevante desses recursos. A sigla tem R$ 3,1 milhões de fundo eleitoral para distribuição no país, o menor valor possível — PCB, PCO, PMB, PSTU e UP dispõem do mesmo montante.Lucas Vergílio relata que se autodeclara pardo. “É só olhar para mim. Foi erro em 2018.” Sobre a distribuição de recursos, ele argumenta que não é afetado por isso, porque tem “cota de mandatário”. “Eu sou deputado, então, recebo cota de mandatário, independentemente da raça.”Lucíula e Sandes dizem que o erro já foi corrigido em 2020, quando foram eleitos vereadores na capital. Em seus registros de candidatura nas eleições municipais constam “pardo” na declaração de cor/raça.Leia também:- O milagre da transformação racial dos candidatos- Candidatos têm agendas internas- Exploração eleitoral da fé pode eleger deputados, mas não decide cargos executivos, diz teólogoJá Bruno Peixoto e Zé Carapô explicam que há erros nos pedidos de registro deste ano que os classificam como pardos. Os dois afirmam se autodeclarar brancos. “Quem preencheu o Drap (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários) fez isso sem me consultar. Branco, pardo, mulato, negro etc., não faz diferença, somos todos irmãos. Mas o fato é que sou branco”, diz Carapô.Peixoto enviou à reportagem autodeclaração com data de 18 de agosto enviada ao Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) em que afirma possuir “características físicas fenotípicas de pessoa branca”.Lincoln Tejota, por sua vez, explica que mudou a declaração devido “ao aprofundamento dos debates sobre a diversidade na formação e do que é hoje o povo brasileiro”. “E esse amadurecimento do tema nos chamou a atenção para esse assunto. Assim como a maioria dos brasileiros de pele como a que tenho, dentro da classificação do IBGE, sou e me vejo como pardo.”Marinho Câmara, Professor Alcides e Wilde Cambão não responderam às tentativas de contato da reportagem. Outros 31 candidatos mudaram suas declarações de cor/raça, mas indo de pardo para branco ou preto, ou amarelo para branco, o que não altera as situações dos candidatos em relação ao fundo eleitoral.ProporçãoVinte dos 31 partidos com candidatos nas eleições deste ano em Goiás tem 50% ou mais de postulantes negros, sendo que em 19 a proporção é puxada por candidaturas de pardos — pretos só são maioria no PCdoB. A legenda com maior quantidade de negros é o PTB: 70,8% (62,5% de pardos e 8,3% de pretos). Nas outras 11 siglas, a maior proporção é de brancos. Nesses partidos, as candidaturas negras variam de 14,3% (Cidadania) a 47,8% (União Brasil). No Cidadania, 85,7% dos candidatos se declaram brancos.TSE pode adiar validade de regraO advogado eleitoral Dyogo Crosara afirma ao POPULAR que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda pode a validade da regra que obriga partidos a distribuírem de maneira proporcional os recursos de financiamento de campanha entre candidatos negros (pardos e pretos) e não negros. A questão deve ser discutida pela Corte nesta semana. “Os partidos não se prepararam para isso, então, acredito que há possibilidade de reverem”, explica. Crosara diz que o TSE tem mudado o entendimento a esse respeito sempre às vésperas das eleições, o que dificulta a preparação das legendas para cumprir as regras.A decisão de que a proporção deve ser respeitada pelos diretórios estaduais dos partidos, por exemplo, só saiu no último dia 18 de agosto. Até então, a regra determinava o cálculo da proporção apenas em âmbito nacional. “Mas isso será computado apenas na prestação de contas anual do partido, entregue no fim do ano, e sem repercussão no pleito de forma direta. Isso significa que, muito provavelmente, não teremos penalidade para os partidos que não cumprirem a regra. Então, corremos o risco de ter uma norma sem punição, ou seja, ela não vai servir para nada”, argumenta o advogado sobre o entendimento do-Imagem (1.2515621)