-Imagem (1.2512220)Helga Martins, candidata ao governo de Goiás pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), cita as desigualdades econômicas presentes no debate sobre o aborto e a necessidade de tratar a questão por um viés menos moralista. Durante sabatina do POPULAR e da rádio CBN nesta quinta-feira (18), a professora de direito também defende a legalização da maconha e o fim da Polícia Militar.No seu plano de governo, consta o fortalecimento do Estado, com rompimento com organizações sociais e serviços terceirizados. Como seria? O que é fundamental para nós? Situar a nossa proposta para o Estado de Goiás em relação à valorização de setores fundamentais do Estado, como saúde e educação. Quando a gente fala de organizações sociais e o processo de privatização, tem em mente que esse processo faz parte de um projeto implementado nacionalmente no âmbito do Estado, que é o profundo processo de precarização do trabalho. A inserção das organizações sociais na saúde, um processo de privatização, fez com que crescesse cada vez mais o processo de precarização em relação às contratações e ao encaminhamento daquilo que é a base de um sistema de saúde funcionar, que são os seus profissionais. Assim como na educação. Na educação, nós temos um processo de contratação de servidores temporários ao longo dos últimos 20, 10 anos, que constitui um déficit profundo de professores e técnicos em educação e reverbera na precarização desse trabalho. Isso pode parecer uma solução num primeiro momento, mas não é uma solução a longo prazo. Não é uma solução que se sustenta. Nós propomos um processo de transição que vincule a arrecadação do Estado para alicerçar esses setores fundamentais para nós. Isso passa por um processo de diálogo, inclusive nacional, de reversão das privatizações em vários setores.Mas, é viável a ideia de reestatização? Existe algum estudo a respeito disso?Nós temos muito a tendência a nos pautarmos na inevitabilidade do que as condições hegemônicas e determinados setores nos colocam como inevitável, ou como natural. Não, é porque existe o contrato né, um contrato foi feito. Aí você quebrar o acerto, acho que existe uma dificuldade grande jurídica, legal, em relação a isso. Existem óbices imediatos legais, mas existe possibilidade de reversão desse processo, né?! Esse processo pode ser revertido a partir de uma rescisão contratual. Ele pode ser revertido a partir de um processo que remeta essa rescisão contratual para um âmbito além do jurídico, da construção política, que permita o retorno fundamental de setores estratégicos para o Estado de Goiás. A questão judiciária, geralmente, é colocada como óbice para impossibilitar os encaminhamentos políticos necessários, porque assim como foi feito um contrato, esse contrato pode ser discutido, ele pode ser revertido.A senhora falou desses conselhos. Como eles seriam criados e quais seriam as regras para o funcionamento?O Partido Comunista Brasileiro tem 100 anos de história e ele vem de processos de acumulação de um debate fundamental, que é o debate de transição, que é a função do Estado. Ou seja, como a gente concebe e constrói as mediações para um funcionamento do Estado que leve em consideração a nossa realidade material e concreta. E ao mesmo tempo a gente precisa pensar em construir espaços em que as trabalhadoras e os trabalhadores e a sociedade possam realmente se inserir na construção desses debates. Então, seriam conselhos, comitês populares compostos por trabalhadoras e trabalhadores com poder autogestionário, com a capacidade de gerir a política de espaços nos quais esses trabalhadores convivem diariamente, estão ali diariamente. Ampliar esses espaços significa a participação direta, uma democracia direta das pessoas nos processos decisórios, nos processos políticos. Ah isso vai ser implementado amanhã? Não, isso faz parte de um processo de construção de uma lógica de funcionamento do Estado que abarque efetivamente a participação. Não pontualmente, não a partir de políticas compensatórias, não a partir de políticas conciliatórias, mas a partir dessa possibilidade de organização concreta.O seu plano cita a defesa da legalização do aborto e da maconha. Diante de um conservadorismo grande ainda, por que levantar esses debates?Quando a gente fala da legislação do aborto, do que a gente está falando? Do seguinte: a gente tem uma legislação de 1940 que prevê hipóteses nas quais as mulheres que sofrem violência, o estupro, ou que a gravidez gere risco de vida para a gestante, elas possam realizar o procedimento abortivo. Bom, o que a gente tem depois disso? Tem um processo de aprofundamento, e isso é importante dizer quando você tem um discurso de ódio e essa pauta de costumes alicerçados no aprofundamento do machismo e do patriarcado, de criminalização das mulheres. Mas, quem são essas mulheres criminalizadas? São as mulheres pobres, que não têm acesso a clínicas particulares, não têm acesso à estrutura de saúde bem azeitada e que passam por procedimentos abortivos extremamente traumáticos. Nenhuma mulher utiliza o aborto como procedimento contraceptivo. O aborto causa uma dor profunda em toda e qualquer mulher, no sentido físico, no sentido emocional, no sentido psicológico. E é importante colocar que esse não é um problema individual e não é um problema só das mulheres, é um problema de uma sociedade, por exemplo, que fomenta a não responsabilização do homem no processo não só da feitura, mas da criação, do acompanhamento. É responsabilidade de uma sociedade que vê como um problema moral e individual um problema de saúde pública. Hoje temos mulheres pobres, periféricas, que morrem em decorrência de abortos clandestinos. Então veja, a legalização do aborto não é uma questão moral e individual, é uma questão de saúde pública. É uma questão de reconhecimento de que nós vivemos em sociedade profundamente desigual, na qual as mulheres que sofrem com a miséria profunda desse país com tantas desigualdades ainda são criminalizadas por praticarem um ato, muitas vezes, de desespero profundo.Leia também:- O Popular e CBN sabatinam Helga Martins, candidata a governadora pelo PCB- Mulheres têm pouco espaço nas chapas proporcionais- Quem são os candidatos ao governo de GoiásA questão da descriminalização e o debate sobre drogas agrega vários debates. Primeiro, o debate de segurança pública, de a quem interessa trabalhar com o processo de criminalização de drogas? A questão econômica, quais são as forças que na verdade conduzem esse processo de produção e distribuição de drogas no país? Não é um processo de descriminalização que significa a abertura para uma visão acrítica de como isso instrumentaliza, por exemplo, setores vinculados às milícias nas grandes cidades, né?! Por exemplo, como a dimensão de um tráfico de drogas instrumentaliza a milícia. Mas ao mesmo tempo, como esse processo de criminalização também aprofunda a criminalização da juventude periférica. Então, a gente tem que conversar sobre isso. A quem interessa esse processo de criminalização e como é que ele fomenta, por exemplo, o próprio processo de encarceramento em massa que se vive no país? A gente precisa fazer esse debate de maneira séria, não falando que a liberação significa um ‘oba oba’, mas falando o que significa essa cadeia de produção e distribuição de drogas, alimentando as milícias e um braço armado que mata e prende uma juventude que se encontra desesperançosa pela própria conjuntura em que nós vivemos.Ainda na área de segurança, a senhora propõem a desmilitarização da polícia. O que é possível fazer na área de segurança para reduzir os índices de criminalidade e também para combater um problema que é sério aqui em Goiás, que é a alta letalidade policial?A gente não tem os dados da letalidade policial em Goiás, a gente não tem os dados de como esse braço armado age em Goiás. Isso é muito emblemático, né?! Se a gente não tem os dados, a gente não tem como trabalhar. Existem medidas que são imediatas, por exemplo, a questão de câmeras nas fardas. Isso é uma proposta muito concreta, não é?! Câmeras nas fardas para que se tenha o acompanhamento das ações de abordagem. É muito importante também que falar sobre a Polícia Militar é falar sobre uma herança que nós temos de um Estado autoritário, da ditadura empresarial militar, da naturalização dos processos de violência do Estado contra a população e contra setores específicos da população. Como se organiza a Polícia Militar? Quando eu falo dessa herança da ditatura empresarial militar, é muito isso, essa estrutura ela é organizada, ela é pensada, estruturada a partir de uma dinâmica de abordagens violentas, de procedimentos que não observam alguns parâmetros fundamentais de direitos humanos já consolidados, e não por acaso, tendo alvos muitos específicos. Como é que a gente lida com isso? A gente lida com isso redimensionando as estruturas, pensando a segurança pública e o Estado com a superação dessa lógica repressiva que vem dessa herança autoritária. Precisa pensar como se faz esse processo transicional, e aí não é nem a desmilitarização, é o fim da Polícia Militar. A gente precisa discutir o fim da Polícia Militar.Na área da educação, a senhora defende o fim dos colégios militares?Sim, essa lógica militarizada precisa ser superada. A lógica militarizada é uma herança nefasta de períodos ditatoriais que precisam ser superados. A gente precisa pensar quais são as demandas concretas da educação em Goiás. Nós temos estudos que mostram, por exemplo, um déficit de mais de 12 mil professores na educação estadual. Não se realiza concurso para professores há muitos anos. Não se realiza concurso para técnico no Estado há mais tempo ainda. E aí se fazem contratos temporários, o que precariza a condição do trabalhador da educação.