O contentamento é evidente quando Patrícia Carvalho, 32 anos, manicure e cabeleireira autônoma que desde o início da pandemia viu sumirem as clientes pelo receio de contágio, fala sobre o que faz ao receber parcela do auxílio emergencial, sem o qual, diz, “tava lascada, as contas vêm, mas o que tenho de fazer agora é comer”. “Vou e compro tudo o que a gente quer comer.”Patrícia é cadastrada no Bolsa Família, do qual recebia R$ 189, complemento de renda para manter a casa, no Residencial Itaipu, em Goiânia, onde mora com três filhos adolescentes, de 13, 15 e 17 anos, e a nora, de 17. Agora sem trabalhar, ela reconhece como fundamental o incremento no benefício vindo do governo federal. Por ser mãe solteira, recebeu em dobro os R$ 600 do auxílio emergencial. Os R$ 1,2 mil, pouco mais de um salário mínimo, são insuficientes para a família numerosa que, explica a mãe, precisa de tratamentos, “são todos especiais”, resume, citando depressão, hiperatividade e déficit de atenção nos filhos e problemas de saúde crônicos de que sofre, apesar de ainda jovem. Mas Patrícia não reclama. “Ganhamos cesta básica, graças a Deus, uma ajuda muito boa, e na escola distribuem merenda.”Essa chefe de família faz parte do grupo de brasileiros mais pobres que, com o auxílio emergencial, passaram a ter renda maior do que antes da pandemia. Estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que o auxílio levou o número de brasileiros em extrema pobreza ao menor patamar em 40 anos. Outro estudo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19 de junho, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IIBGE), vai na mesma direção ao mostrar que, para os 10% mais pobres da população, o auxílio emergencial representa 95% da renda individual. Segundo a análise, os 10% mais pobres, que recebiam cerca de R$ 190 do Bolsa Família, sobreviviam com renda média domiciliar de R$ 10,64; com o auxílio, passaram a uma renda per capta domiciliar de R$ 227,39. “Os dados mostram que 6,6% dos domicílios (cerca de 4,5 milhões) sobreviveram apenas com os rendimentos recebidos do auxílio emergencial (AE), 1 milhão de domicílios a mais que em maio”, traz ainda o estudo do Ipea sobre a Pnad Covid-19 de junho.Em Goiás, 45,3% dos domicílios receberam auxílio emergencial, acima da média nacional (44,1%), conforme a Pnad Covid-19 de julho, divulgada quinta-feira, 20, pelo IBGE. Porém, a média proveniente do auxílio emergencial recebido pelos domicílios no Estado foi de R$ 838, abaixo da média nacional de R$ 896. Reflexos políticosEnquanto o auxílio emergencial amplia abrangência, cresce também a popularidade do presidente Jair Bolsonaro, que alcançou o maior índice desde o início do mandato, de acordo com pesquisa Datafolha realizada em 23 e 24 de junho: 37% dos brasileiros consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom.Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás (UFG), Francisco Tavares, é razoável sustentar-se a hipótese de que o auxílio emergencial influenciou positivamente a popularidade de Bolsonaro (leia entrevista na página 9). Ele ressalva que múltiplos fatores e variáveis influenciam a opinião pública, porém, observa que a ciência política “trata da noção de ‘voto econômico’ para explicar como benefícios materiais percebidos pelos indivíduos influenciam tanto a avaliação de governantes como as escolhas eleitorais”.No momento em que governo e Congresso discutem a prorrogação e o valor do auxílio emergencial, o impacto político da decisão é colocado na balança. O presidente Jair Bolsonaro e lideranças defendem que o benefício seja estendido até o fim do ano, porém, em menor valor. O ministro da Economia, Paulo Guedes, desde o início defendeu R$ 200 apenas. A tendência é de que prevaleçam R$ 300, metade do valor atual.“Deviam deixar no valor que está, porque é muito ruim tirar, muita gente vai passar fome, família vai parar na rua”, alerta Maria da Silva e Silva, 62 anos, que atualmente depende do auxílio para garantir o sustento da casa onde vive com a filha de 39 anos e dois netos. Maria tem 9 filhos, o caçula tinha 16 anos quando ela se separou. “Passamos vida difícil, de pobreza”, diz a maranhense de Codó, que há anos mora em Goiânia, onde trabalhava como empregada doméstica e depois fazendo faxinas. Veio a pandemia e como é do grupo de risco e prestava serviços a pessoas também idosas, ficou sem condições de trabalhar. Antes do auxílio emergencial, Maria afirma que nunca recebeu nada do governo. “Nunca fiquei encostada.” Há tempos tenta se aposentar. “Venho mexendo com esses papéis, está praticamente tudo certo para avaliar, mas acho que ainda vão pedir alguma coisa”, comenta, após lidar com uma série de pendências.Se não fossem os R$ 600, não haveria recurso para o básico. “A gente precisa comer, mas não quer passar vergonha no caixa.” Com esse dinheiro, completa, “não passa bem, mas também não passa fome”.-Imagem (1.2106658)