Com gastos totais de R$ 41 mil de diárias no ano de 2022, a Câmara de Goiânia patrocinou viagens de vereadores e servidores para participar de eventos evangélicos. Nos últimos cinco anos, não havia sido registrada autorização para despesas com esse tipo de atividade.Os dados oficiais também apontam viagens com objetivo de “buscar recursos junto ao Congresso” ou “obtenção/ assinatura de verba federal” em Brasília sem a comprovação de agenda que indique esse objetivo.Em agosto, a vereadora Leia Klebia (PSC) e duas assessoras viajaram a Maceió (AL) com a justificativa de comparecer ao Congresso das Irmãs Beneficentes Evangélicas. A concessão de diárias somou R$ 5,25 mil, ou seja, R$ 1,75 mil para cada uma.Já o vereador Willian Veloso (PL) foi a Anápolis em fevereiro, acompanhado por dois servidores, para Encontro de Pastores Evangélicos da Igreja Assembleia de Deus, segundo relatório da Câmara. Cada um recebeu meia diária, de R$ 125.Willian Veloso também esteve em Brasília no mesmo mês com o motivo oficial de “evento de assinatura de verba federal para Goiânia”. Ele admite que não houve nenhuma atividade neste sentido, mas sim uma manifestação contra o rol taxativo na área da saúde, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e em encontro no Ministério da Cidadania. Ele e mais três auxiliares receberam R$ 1 mil.Sobre o encontro de pastores, o vereador alega que foi convidado para falar sobre a “importância da igreja acessível” e compareceu como presidente da Comissão das Pessoas Portadoras de Deficiência ou Necessidades Especiais da Câmara e como representante de colegiado do mesmo tema na Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO). “A minha igreja aqui em Goiânia (Cristã Evangélica de Campinas) é toda acessível e fomos debater este assunto lá, apresentar todas as ferramentas para atender as pessoas com deficiência”, justifica.A Câmara afirmou, por meio da assessoria, que a representação política do Poder Legislativo e atividades correlacionadas a comissões temáticas ou ao mandato de vereador, com convite feito pela organização do evento, servem como justificativas para pagamento de diárias para encontro evangélico.Já sobre as viagens com justificativa de buscar recursos na capital federal, a Câmara afirmou que o vereador é obrigado a “apresentar Relatório Circunstanciado da diligência, detalhando as atividades realizadas”.“O beneficiário de diárias tem de comprovar que empregou os recursos estritamente de acordo com o propósito da diligência. O êxito na busca de recursos não precisa ser comunicado à Mesa Diretora”, afirma a direção do Legislativo.Outros dois vereadores estiveram em Brasília alegando busca por recursos federais. Gabriela Rodart (PTB) foi à capital dos dias 10 a 12 de março, com dois assessores, quando cada um recebeu R$ 1.250 de diárias. O relatório que ela apresentou à Câmara não aponta agenda relacionada a verba da União. Ela esteve no gabinete da deputada federal Bia Kicis (PL-RJ) e foi ao cinema ver o filme Human Life.No relatório, ela alegou ser “uma importante produção internacional cuja finalidade é a defesa dos nascituros e a valorização da vida humana em todos os seus estágios, do nascimento até a morte natural”. Disse ainda que participou de jantar com o diretor do filme, “a fim de obter sugestões para aplicação de uma cultura pró-vida na cidade de Goiânia”.Sobre a audiência com a deputada, a vereador afirmou que ocorreu “a fim de obter relevantes informações acerca da atuação feminina na política nacional”. O documento afirma ainda que haveria audiências com os deputado federal goiano Vitor Hugo (PL) e com o senador Luiz do Carmo (PSC), mas foram canceladas.O vereador Edgar Duarte (PMB) esteve duas vezes em Brasília, em março e maio, com a mesma justificativa, de buscar recursos junto ao Congresso. Dois assessores o acompanharam, com custo total de R$ 3,75 mil.Edgar diz que, como farmacêutico, buscou em Brasília recursos para a área da saúde, especialmente uma unidade na Região Norte de Goiânia, e alega ainda que foi ao Congresso defender o projeto de piso salarial de farmacêuticos. “Visitei parlamentares de Goiás e um senador do Mato Grosso do Sul amigo nosso. Meu sonho é conseguir construir um hospital no Guanabara. Ou pensar em uma forma de aproveitar a estrutura do hospital Santa Genoveva”, diz o vereador, acrescentando que não conseguiu viabilizar recursos para qualquer projeto. A Câmara não disponibilizou o relatório das viagens de Edgar. Embaixada de IsraelO vereador Geverson Abel (Avante) foi a Brasília para visita à Embaixada de Israel, com diárias de R$ 500 para ele e um assessor. Em relatório entregue à Câmara, Geverson diz que “a agenda teve como objetivo estreitar as relações e promover o intercâmbio entre Goiânia e Israel no campo diplomático do turismo, já que Goiânia é uma das principais cidades emissoras de turistas religiosos do Centro-Oeste”. O vereador preside a Comissão de Esporte, Turismo e Lazer da Câmara.A legislação estabelece que servidores da Casa têm direito a valores inferiores aos dos parlamentares em diárias, mas a Câmara afirma que, quando a viagem ocorre para acompanhá-los, a liberação é igualitária.A reportagem não conseguiu contato com Leia Klebia e Gabriela Rodart. A primeira não atendeu e não deu retorno às mensagens. A assessoria de Rodart informou que daria resposta, o que não ocorreu até o fechamento da edição.No relatório entregue por Leia Klebia à Câmara, ela informa que o congresso evangélico promoveu debates de conscientização pelo fim da violência contra a mulher. “Fui convidada a participar como presidente da Comissão de Defesa e dos Direitos da Mulher e membro da Confederação das Irmãs Beneficentes Evangélicas Nacional em Goiás, a fim de compor o campo de autoridades do evento e apresentar nosso trabalho em Goiânia e falar um pouco dos nossos projetos que estão sendo reconhecidos fora do nosso Estado”, diz.Sobre os gastos com diárias, a Câmara informou que não há limite legal para a despesa e que se trata de “operação discricionária da administração do Poder Legislativo”.O relatório de diárias deste ano indica que seis vereadores receberam pagamentos, a maioria deles mais de uma vez. O documento está disponível no Portal da Transparência da Câmara.RazoabilidadeO advogado Juscimar Ribeiro, presidente do Instituto de Direito Administrativo de Goiás, diz considerar legítimas e condizentes com o trabalho do vereador as viagens a Brasília em busca de recursos ou acompanhamento de projetos de interesse da cidade, mas aponta a necessidade de fiscalização e controle sobre a concessão das diárias.Ele ressalta que o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-GO) tem julgado recente que apontou legalidade em comitivas de vereadores de Aparecida de Goiânia a Brasília em busca de verba.“Há uma grande concentração tributária na mão da União e é natural que prefeitos e vereadores busquem complementar as receitas municipais. Mas é importante a prestação de contas adequada, do ponto de vista formal e político, dando satisfação ao eleitor de que essas atividades que ele empreendeu com recursos públicos representaram alguma melhoria para a sociedade”, diz o especialista.Já sobre os eventos evangélicos, o advogado considera que não há interesse público nas agendas. “É preciso analisar o que tem a ver um evento religioso com a atuação parlamentar. Se for por conta de seu credo, que o faça às suas expensas. Se for interesse da sociedade e da municipalidade enviar representante, não precisaria dessa alcunha de evento evangélico. Pode haver desvio de finalidade nessa nomenclatura utilizada.”Sobre a visita à Embaixada de Israel, Juscimar diz que seria interessante que vereadores tivessem contatos com embaixadores de forma geral para intercâmbio de projetos e ideias, mas não por escolha ideológica.Leia também:- Treze câmaras de vereadores em Goiás querem criar mais vagas- Lei que determina reajuste salarial de 12% a servidores é sancionada em Goiânia-Imagem (1.2576618)-Imagem (1.2576617)