No dia 11 de fevereiro, o goianiense Carlos Vinícius Alves Ribeiro, promotor de Justiça desde 2004, assume a Secretaria Geral do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a convite do procurador-geral da República e presidente do CNMP Augusto Aras, com quem já trabalha na presidência do órgão e é tido como nome de total confiança. Será a primeira vez que um membro do Ministério Público dos Estados vai ocupar o cargo. Carlos Vinícius atribui sua nomeação ao trabalho desempenhado e à capacidade “de construir pontes e não fomentar discórdias”. Ele defende seguir os comandos constitucionais e legais, e atuar de forma mais técnica possível. “A mesma impessoalidade que nós do Ministério Público exigimos de quem exerce cargo político, nos é exigida. Não nos é autorizada a promoção pessoal valendo-se do cargo que ocupamos”, observa ao falar sobre a Operação Lava Jato. Como há “controles recíprocos entre os Poderes, a tensão é antes a regra que a exceção”, diz sobre possível crise institucional diante de investigações envolvendo o presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF) e de ataques do presidente a ministros da corte. Na nova função, em que uma das principais atribuições está ligada à pauta do CNMP, define que terá o papel de “retirar entraves e criar vias para que as demandas que aportarem ao CNMP sejam analisadas em tempo adequado”.Seu nome é apontado como de plena confiança do procurador-geral da República Augusto Aras, que o nomeou ao cargo de secretário-geral do CNMP. Como se estabeleceu essa relação?Desde 2016 venho atuando junto ao CNMP. Trabalhei com vários conselheiros e auxiliei as gestões de Rodrigo Janot, Raquel Dodge e, nos últimos dois anos, mais diretamente com Augusto Aras, na presidência do Conselho. Durante todo esse tempo eu pude aprofundar meus conhecimentos sobre a dinâmica e o funcionamento do órgão. Acabei me especializando no CNMP. A confiança que ele deposita em mim, assim como os antecessores, decorre a meu ver do trabalho sério e dedicado que desempenhei ao longo desses anos, bem como da minha capacidade de me relacionar bem com todos, de construir pontes e não fomentar discórdias.Aras disse que o convite ao senhor para o cargo “reveste-se de simbolismo” (...) “principalmente em momentos como os que estamos a passar”. A que momentos acredita se referir o PGR?A relação entre o Ministério Público e o Parlamento brasileiro passou por um momento de tensão no segundo semestre de 2021, marcadamente em decorrência da PEC 05, que buscava alterar a composição do CNMP com mais indicações do Congresso Nacional. Nesses quase 18 anos de Ministério Público e seis de Conselho Nacional, construí relações de respeito e confiança com muitas autoridades da República, o que facilita sobremaneira o diálogo interinstitucional. Entendo que esse relacionamento, aliado à capacidade de ouvir, compreender e tentar compatibilizar as diferenças, muito agrega aos desafios que me aguardam na Secretaria-Geral. O simbolismo advém de eu integrar o Ministério Público Estadual, onde se concentra o maior número de membros do MP brasileiro.O senhor é o primeiro membro do Ministério Público dos Estados a ocupar esse cargo no CNMP, que foi instalado em 2005. Por que só agora essa representação do MP estadual à frente do Conselho?O presidente do Conselho Nacional é, sempre, o procurador-geral da República. É natural que o PGR conheça mais o trabalho e os atributos profissionais dos membros do Ministério Público Federal. Talvez esse seja um dos motivos. O atual PGR, a meu juízo, de maneira louvável, aproximou bastante os ramos do Ministério Público da União (Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Distrito Federal e Território e Ministério Público Militar) e os Ministérios Públicos dos Estados. Somos, todos, um só corpo de Ministério Público, dando o caráter de unidade nacional da instituição. É precisamente aqui que encontramos o simbolismo indagado anteriormente. O presidente do CNMP está sinalizando que o Ministério Público é uno, como decorre da Constituição. É um motivo de honra ser o primeiro secretário-geral do Conselho proveniente do Ministério Público dos Estados. Orgulho maior ainda de ser ocupado por um goiano.A PEC que aumentava a influência do Congresso no CNMP foi derrotada por falta de 11 votos, no fim do ano passado. Como analisa essa tentativa de mudar a composição do CNMP?O Congresso Nacional é a arena apropriada para mudanças legislativas. Portanto, inicialmente, é natural que haja uma reação daqueles que, por algum motivo, estavam insatisfeitos com a composição ou a forma de atuação do Conselho Nacional. Nosso parlamento é legitimado democraticamente para isso. Naquele momento havia uma percepção do parlamento de que o CNMP não controlava adequadamente a atuação funcional dos seus membros. Todavia, quando comparamos os dados dos dois Conselhos Constitucionais, CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e CNMP, percebemos que, em que pese no Brasil termos 28,61% menos membros do Ministério Público em relação aos magistrados (12.915 no Ministério Público e 18.091 no Judiciário), a quantidade de Procedimentos Administrativos Disciplinares instaurados no CNMP é 69,29% maior que a do CNJ. A média é de 18 PADs para cada 1000 membros do Ministério Público contra 7 PADs para cada 1000 do Judiciário. Se analisarmos as penalidades aplicadas, o CNMP tem número superior: 58,62% a mais. De forma que entendo que o CNMP tem desempenhado a contento seu papel constitucional, mas certamente há espaço para aprimoramentos, e assim estamos fazendo.Em artigo no POPULAR (10/01/2019), o senhor salientou que algumas decisões do CNMP “merecem redobrada atenção pois indicam um perigoso caminho ou posição ideológica”. Acredita que o viés ideológico tem interferido na atuação do CNMP e do próprio MP? Como se pode evitar isso?Na vida humana a existência precede a essência. Somos fruto do que fizeram conosco, de como vemos a vida, de amores e desamores, de ilusões e desilusões, de esperanças e desesperanças, de nossas crenças. Quando exercemos uma atividade profissional, o fazemos com o que somos. Portanto, sempre haverá em nosso olhar a lente das nossas crenças, da nossa ideologia. Quem ocupa um cargo público, todavia, exerce função e função é o agir sobre direitos de terceiros. É nosso dever não impregnar nossa atuação com vontades pessoais. O caminho para isso é seguir os comandos constitucionais e legais. Sermos o mais técnico possível. Não pessoalizar as nossas ações ou decisões.Como avalia a proximidade de Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da operação Lava Jato que pediu exoneração do MPF e se filiou ao Podemos, com o ex-juiz Sergio Moro, que atuou na mesma operação e é pré-candidato a presidente da República também pelo Podemos?Moro e Deltan valeram-se, agora, de um direito que tem todo cidadão, que é o de ingressar na política. Para os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário isso impõe a saída das instituições. Eles assim o fizeram. Não posso opinar sobre as questões que envolvem a Lava Jato, até por ainda pender alguns procedimentos referentes a esse assunto no CNMP. Todavia, o Ministério Público, assim como o Poder Judiciário, não pode servir de trampolim político para seus membros e integrantes. A mesma impessoalidade que nós do Ministério Público exigimos de quem exerce cargo político, nos é exigida. Não nos é autorizada a promoção pessoal valendo-se do cargo que ocupamos. Nosso dever, como membros do Ministério Público, é o exercício das funções que nos foram impostas pela Constituição e pelas leis. Não podemos utilizar essas funções para fins político-partidários.A CPI da Covid, no Senado, enviou relatório à PGR com denúncias contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) por omissões e crimes durante a pandemia. Bolsonaro também é investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que cobra manifestação da PGR, e tem feito ataques a ministros do Supremo e a instituições. Estamos diante de uma crise entre os poderes? Qual o papel do MP nesse contexto?Regimes constitucionais democráticos, como o nosso, possuem em sua base a separação dos poderes. Essa separação tem a função de criar um sistema de controles recíprocos. Se há, portanto, controles recíprocos entre os Poderes, a tensão é antes a regra que a exceção. O limite que as instituições e autoridades públicas nunca devem desbordar é a conversão da tensão, natural, esperada e até salutar, em conflitos e disputas institucionais. É função do Ministério Público a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Se em “Terra Dois”, para me valer da expressão criada pelo professor Jorge Forbes, não é mais possível a busca pelo entendimento unânime, o dever do Ministério Público para promover a garantia do regime democrático é mediar as diferenças e buscar caminhos para que a convivência dos desiguais seja harmônica, pois a separação dos poderes pressupõe, sempre, a independência e a harmonia.O senhor definiu, no artigo citado, “como atribuição principal (do CNMP) zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público Brasileiro”. A principal atribuição do CNMP não seria cuidar da fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do MP e de seus integrantes?São princípios complementares. O zelo pela autonomia funcional e administrativa está configurado também no controle administrativo, financeiro e no cumprimento dos deveres funcionais pelos membros do Ministério Público brasileiro. Mais que isso: o CNMP, por meio de suas decisões plenárias e da atuação de suas comissões, reforça o tom de unidade do Ministério Público. Esse controle não se baseia apenas na punição de seus membros. É claro que, sendo necessárias, medidas de penalidades serão aplicadas. Mas o controle é primordialmente orientativo e corretivo. O Conselho Nacional adquiriu inteligência institucional suficiente para compreender e entender a atuação do Ministério Púbico brasileiro, o que move seus membros e como trabalham, para melhor orientar, cooperar e corrigir, quando for o caso. Tanto é assim que o Conselho Nacional centraliza as melhores práticas do Ministério Público, premiando-as e disseminando-as. Os excessos são punidos e as boas práticas premiadas.Umas das principais funções do secretário-geral está ligada a pauta do CNMP, que hoje é acompanhada principalmente por aqueles que se veem perseguidos por membros do Ministério Público. Como o senhor pretende conduzir a pauta do CNMP?Como secretário-geral, pretendo empenhar todos os esforços para viabilizar organicamente, administrativamente e financeiramente o trabalho do Plenário e das Comissões. O tempo de inserção de um procedimento para julgamento é ditado pelo ritmo de cada conselheiro. Meu papel é retirar entraves e criar vias para que as demandas que aportarem ao CNMP sejam analisadas em tempo adequado. Tão importante quanto a resposta, é a resposta no tempo certo.Reportagem do POPULAR, em janeiro, mostrou que a folha de dezembro de 2021 do Ministério Público Federal (MPF) aponta remuneração de mais de R$ 300 mil a 71 procuradores, considerando rendimentos brutos e verba indenizatória. Ao longo de todo o ano de 2021, o MPF gastou R$ 123 milhões com indenizações, segundo dados do Portal da Transparência do MPF. Na comparação com 2020, houve salto de 25%. Os altos rendimentos em tempos de pandemia e crise econômica no país provocaram críticas. Há de fato um descompasso?O CNMP não atua diretamente nesses casos, a menos que haja denúncia de malversação de recursos públicos. Além disso, como membro do Ministério Público Estadual, não me sinto confortável para falar sobre o MPF. Entretanto, é importante considerar que verbas indenizatórias, como o próprio nome diz, é um tipo de compensação (viagens a trabalho, férias não gozadas etc.) exigida por lei. É um direito do servidor ou membro, seja de qual esfera ou poder ele pertença. Não raramente, são servidores que precisam se desdobrar diante do excesso de trabalho de algumas regiões e do cenário econômico que dificulta a realização de concursos públicos. Quando o Estado não paga um direito líquido e certo, os atingidos acionam o Poder Judiciário, ampliando ainda mais o já excessivo estoque de processos na Justiça. E depois de anos de espera, o Estado é obrigado a pagar aquele direito com correções monetárias, juros, multas, o que acaba gerando cifras que chamam a atenção. Cabe ao Estado, em especial o Ministério Público, fazer com que as leis sejam cumpridas. Se há o direito, então deve ser respeitado. O CNMP tem hoje 11 integrantes, todos do sexo masculino. As 3 cadeiras que restam para o biênio 2021-2023 aguardam indicações do STF (Supremo Tribunal Federal), com direito a um assento, e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), com dois, mas não há garantia de que as sugestões vão priorizar a presença feminina. Como vê essa baixa representatividade das mulheres que persiste no conselho? O CNMP não indica ninguém para conselheiro. Como você bem observou, são diversas instituições que de forma independente escolhem seus representantes para referendo do Senado Federal. Mesmo que não possamos nos intrometer nessa escolha, há uma torcida interna para que uma ou mais das três vagas sejam ocupadas por mulheres. Mas naquilo que depende exclusivamente do Conselho, o CNMP está atento às questões de gênero e diversidade. Apesar de neste momento não haver uma mulher no Plenário, o órgão conta com inúmeras e valorosas servidoras e integrantes – muitas, inclusive, goianas, do Ministério Público do Estado de Goiás -, que fazem o CNMP funcionar, e muito bem. Foi criada, em 21 de maio de 2020, como iniciativa absolutamente inovadora, posteriormente replicada, inclusive, em Tribunais Superiores, a Ouvidoria das Mulheres. O projeto Respeito e Diversidade, igualmente, busca fomentar e propiciar a participação feminina nas mais diversas esferas da vida pública brasileira. O Frida, formulário de avaliação de riscos, que nasceu na Comissão de Direitos Humanos do CNMP, foi tão impactante e teve tanto relevo que acabou tornando-se lei (Lei 14.149/2021). Publicamos o Manual de atuação em casos de feminicídio e a Comissão de Planejamento Estratégico desenvolve uma pesquisa chamada “Cenários”, com levantamento de dados em todo o Ministério Público Brasileiro sobre a temática igualdade. Apenas de 2020 para cá, tivemos seis atos expedidos pelo Plenário que tratam desse tema. O procurador-geral da República menciona a indicação de seu nome para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na vaga do Ministério Público dos Estados. Existe data prevista para isso?Disputei a vaga de conselheiro nacional de Justiça, recentemente, tendo sido o mais votado no Ministério Público do Estado de Goiás e o mais votado no Conselho de Procuradores-Gerais, que reúne os chefes de todos os ramos do Ministério Público brasileiro. Todavia, antes de ser escolhido para o CNJ, eu já havia sido convidado para a Secretaria-Geral do CNMP e aceitei o compromisso após apelos de vários colegas, muitos procuradores-gerais, que viam nessa missão uma necessidade mais premente. A Secretaria-Geral do CNMP impacta sobremaneira nas atividades do próprio Conselho e de promotores e procuradores. E meu compromisso primeiro é com o Ministério Público. Tão logo finalize minha gestão à frente da Secretaria-Geral, há o compromisso do procurador-geral da República de encaminhar meu nome ao Conselho Nacional de Justiça. São dois cargos com enormes responsabilidades e desafios.