Instalada para investigar as ações e omissões no enfrentamento da pandemia mais letal da história, que soma mais de 606 mil mortes no Brasil, a CPI da Covid chega ao fim nesta terça-feira (26) com a aprovação de relatório que atribui crimes ao governo federal e pede a responsabilização de vários agentes, sobretudo do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro.O relatório de Renan Calheiros (MDB-AL) foi aprovado por sete votos a favor e quatro contrários.Votaram favoráveis ao texto, além do relator, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), o vice, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), Otto Alencar (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PE) e Eduardo Braga (MDB-AM).Esses senadores formam o chamado G7, grupo que desde o início dos trabalhos comanda as ações da comissão.Votaram contrariamente os governistas Marcos Rogério (DEM-RO), Eduardo Girão (Podemos-CE), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Jorginho Mello (PL-SC).A versão final do relatório contém a proposta de indiciamento de 78 pessoas e duas empresas (Precisa Medicamentos e VTCLog).O parecer aponta que há provas de que o governo Jair Bolsonaro foi omisso e escolheu agir “de forma não técnica e desidiosa” no enfrentamento da pandemia.Gabinete paraleloA CPI ainda vê ações intencionais do governo para expor a população ao vírus e afirma que Bolsonaro era assessorado por uma espécie de gabinete paralelo, com membros que disseminavam fake news e promoviam tratamento ineficaz.O parecer também cita irregularidades em negociações de vacinas, demora para compra de imunizantes eficazes e omissão para evitar o colapso sanitário no Amazonas.Os senadores pedem o indiciamento de empresas, além de nomes ligados à operadora Prevent Senior, que teriam submetido pacientes a procedimentos ilegais.Os últimos detalhes do texto foram fechados durante a reunião desta terça. Renan anunciou a inclusão de pedidos de indiciamento contra Heinze (por incitação ao crime ao promover fake news), o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e o ex-secretário de Saúde estadual Marcellus Campêlo.No final da tarde, porém, Renan decidiu excluir o nome de Heinze após pedido do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o mesmo que havia apresentado requerimento pela inclusão. Vieira afirmou que recebeu pedido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas que sua decisão se deu por “mérito”. “Não se gasta vela com defunto ruim”, afirmou.Em reunião na casa de Aziz, na noite da véspera da votação, os membros do grupo majoritário haviam decidido incluir 10 novos nomes na lista de pedidos de indiciamento. No entanto, ainda houve uma grande disputa em torno das propostas de indiciamento de outras duas autoridades, Lima e Campêlo.A inclusão dos gestores amazonenses representa uma vitória de Eduardo Braga (MDB-AM), que havia ameaçado atuar para derrubar o relatório se Lima e Campêlo não fossem incluídos. Renan e a maior parte do G7 resistiam.9 crimesO relatório final da CPI atribui grande peso ao papel do presidente Jair Bolsonaro nas ações e omissões que afetaram negativamente o enfrentamento do coronavírus no Brasil.O texto afirma que o mandatário “mostrou-se o responsável principal pelos erros cometidos pelo governo federal durante a pandemia da Covid-19”.O documento propõe o indiciamento do chefe do Executivo por nove crimes cometidos durante a pandemia: prevaricação, charlatanismo, crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos, do Tratado de Roma) e de responsabilidade (previsto na lei 1.079/1950, por violação de direito social incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo), epidemia com resultado em morte, infração de medida sanitária preventiva, incitação ao crime, falsificação de documento particular e emprego irregular de verbas públicas.Menções ao presidente Jair Bolsonaro foram incluídas até a conclusão do relatório. Os membros do grupo majoritário decidiram colocar no texto medidas para rebater a fake news divulgada pelo chefe do Executivo que relacionou a vacina contra a Covid-19 à Aids.O relatório ainda recomenda o envio de uma medida cautelar ao STF (Supremo Tribunal Federal), no âmbito do inquérito das fake news, solicitando que o presidente seja banido das redes sociais - assim como aconteceu com o ex-presidente americano Donald Trump. A medida seria tomada por “proteção à população”.Na mesma questão, os membros da comissão também aprovaram um requerimento que prevê a quebra do sigilo telemático do chefe do Executivo, em relação a suas redes sociais. O requerimento prevê que o Google, Facebook e Twitter forneçam os dados telemáticos, a partir de abril de 2020, à Procuradoria Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal.Filhos e aliadosO relatório aprovado também responsabiliza outros importantes membros do primeiro e do segundo escalões do governo federal, além de seus aliados mais próximos e os três filhos mais velhos.O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) foram alvo de proposições de indiciamento por incitação ao crime, por terem propagado e atuado em um grande esquema de disseminação de fake news.No relatório, também há propostas de indiciamento de quatro ministros, três ex-ministros, duas empresas, empresários e médicos que defendem tratamentos ineficazes.Na lista de pedidos de indiciamento, estão os ministros Braga Netto (Defesa), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Marcelo Queiroga (Saúde) e Wagner de Campos Rosário (Controladoria-Geral da União). Ainda, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e os ex-ministros Eduardo Pazuello, Ernesto Araújo e Osmar Terra (MDB-RS).Já o deputado Ricardo Barros é um dos principais alvos do relatório, citado mais de 80 vezes no texto por ações que envolvem desde a suposta promoção de fake news até o envolvimento na compra de vacinas. O líder do governo nega as irregularidades e decidiu processar Renan por abuso de autoridade e denunciação caluniosa.As apurações sobre supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin arrastaram o líder do governo ao centro da CPI. Isso porque o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério Saúde, dizem que levaram suspeitas sobre a negociação a Bolsonaro, que teria perguntado se Barros estava envolvido. O presidente nunca negou o questionamento.A contratação da Covaxin por R$ 1,6 bilhão foi marcada por açodamento e pressão da cúpula da gestão de Eduardo Pazuello para liberar a importação das doses, atropelando ritos sanitários, no momento em que o governo desdenhava de ofertas como a da Pfizer. A compra foi cancelada após o avanço das apurações da CPI.A votação do relatório marca o encerramento da CPI da Covid, que durante quase seis meses ouviu depoimentos e investigou as ações e omissões do governo.Nesta quarta-feira (27), a cúpula da CPI vai levar cópia do relatório ao procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele será o responsável por analisar os trechos do relatório em que são pedidas responsabilizações do presidente da República e de outros agentes com foro especial.Os membros do grupo majoritário prometem acompanhar os encaminhamentos que serão dados. “O relatório pode não ser perfeito. Mas é uma luz de lamparina na noite dos desesperados”, afirmou Randolfe Rodrigues. “Quem tiver a intenção de arquivar esse relatório terá enormes dificuldades.”