A corrida por uma solução para baixar o preço dos combustíveis abriu uma guerra de PECs (propostas de emenda à Constituição) no Congresso Nacional, na avaliação de auxiliares palacianos.A disputa é fomentada por uma divisão dentro do próprio governo, em que diferentes integrantes da ala política apoiam propostas distintas. As iniciativas também colocaram Câmara e Senado em busca de protagonismo em uma agenda com forte apelo eleitoral.O Ministério da Economia, por sua vez, foi atropelado por todos os lados e restou isolado na defesa de medidas mais comedidas, que não arrisquem tanto a situação das contas públicas.Nesta quinta-feira (3), duas propostas foram apresentadas: uma na Câmara, que autoriza uma desoneração ampla de tributos sobre combustíveis, e outra no Senado, que vai além e inclui extensão do auxílio-gás a maior número de famílias, auxílio-diesel de R$ 1,2 mil a caminhoneiros e um subsídio de R$ 5 bilhões para evitar tarifaço em ônibus urbanos.Embora protocolado pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), o texto da Câmara foi redigido na Casa Civil, comandada pelo ministro Ciro Nogueira (PP), e teve a bênção do presidente Jair Bolsonaro (PL).Aliados surpreendidosA apresentação do texto do deputado pegou de surpresa aliados do governo, líderes no Congresso e ministros, que ficaram sabendo da proposta pela imprensa.O presidente já vinha cobrando prioridade a soluções para o preço dos combustíveis, que têm impulsionado a inflação e podem atingir novo pico no terceiro trimestre, auge da campanha eleitoral. Há mais de seis meses o governo vinha trabalhando numa proposta.Bolsonaro é o segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).O projeto da Câmara permite o corte de alíquotas sobre diesel, etanol, gasolina e gás de cozinha. O impacto é estimado em R$ 54 bilhões, mas pode chegar a R$ 75 bilhões se incluir a energia elétrica.Por isso, a PEC já era considerada muito ruim pelos técnicos da Economia. Muitos integrantes da pasta sequer tiveram acesso prévio ao texto e foram pegos de surpresa.Horas depois, foi protocolado o texto do Senado, que foi apelidado de “PEC Kamikaze” dentro da equipe do ministro Paulo Guedes, pois poderia “pôr fogo na economia”.Ao conceder desoneração irrestrita de tributos e ainda criar e ampliar despesas, o impacto tende a ser superior a R$ 100 bilhões, embora os cálculos exatos ainda estejam sendo refinados.Essa proposta tem apoio de ao menos três ministros da ala política e foi apresentada pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), correligionário do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que deu aval ao texto.Nesta sexta-feira (4), foram reunidas as 27 assinaturas necessárias para que a PEC fosse protocolada e começasse a sua tramitação. Aderiram ao texto senadores de diversos campos políticos, incluindo alguns próximos ao Planalto, como o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO) e o vice-líder no Senado Marcos Rogério (PL-RO).Fávaro também é da mesma sigla do senador Alexandre Silveira (PSD-MG), que antes mesmo de assumir o mandato participou de reuniões sobre a questão dos combustíveis no Palácio do Planalto.Silveira era o principal cotado a apresentar o texto e chegou a ser convidado a assumir a liderança do governo no Congresso. Mas, após declinar da proposta do Planalto, também deixou de ser o favorito para protocolar a PEC redigida pelo governo.Ainda nesta sexta-feira, Pacheco recebeu na residência oficial do Senado Fávaro, Silveira e o líder da minoria, Jean Paul Prates (PT-RN) para tratar das propostas relativas aos combustíveis. Ficou decidido que a PEC apresentada deve avançar com celeridade, mas sem atropelos. Deve, por exemplo, passar pelo menos pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), antes de ir a plenário.Casa Civil e Presidência endossam PEC sobre combustíveisIntegrantes da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) dizem estar sem reação diante da avalanche de investidas por mais gastos e renúncias. Embora a estratégia seja defender a desoneração apenas do diesel, fontes da equipe econômica reconhecem que não se sabe ainda como agir, uma vez que a própria Casa Civil e a Presidência endossaram um texto mais amplo – neste caso, o da proposta apresentada na Câmara dos Deputados.A Economia era contra o envio de PEC, pois mudanças constitucionais não passam pela caneta do presidente da República – elas são promulgadas diretamente pelo Congresso. Mas mesmo nesse cenário adverso, a expectativa era contar com articuladores políticos do governo e a base no Congresso para barrar medidas indesejadas, que fossem além da desoneração do diesel. Essa perspectiva foi prejudicada pela digital da Casa Civil no texto amplo da Câmara.No Planalto, a avaliação era de que a equipe econômica resistia à proposta como um todo, por isso a todo momento criticava algum ponto da PEC.Embora o texto tenha passado por cima das vontades de Guedes, o cálculo pela escolha da Câmara envolveu a percepção de uma base governista mais consolidada na Casa. Com isso, segundo fontes do governo, seria mais fácil controlar o conteúdo do texto e o prazo de tramitação, para que a PEC seja aprovada de forma célere. A equação também envolve um gesto ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que vinha cobrando do Senado a votação de projetos já aprovados pelos deputados para mudar a cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis. Lira não quis deixar o protagonismo da possível solução com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).