Acertar o equilíbrio fiscal, reconstruir a reputação do Brasil no exterior e, apesar de sua reconhecida habilidade política, garantir a governabilidade junto ao Congresso Nacional. Para cientistas políticos ouvidos pelo POPULAR, esses devem ser os maiores desafios do terceiro mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).Sobre o diálogo com o Congresso, os cientistas políticos Francisco Tavares, Guilherme Carvalho e Sérgio Praça apontam que a montagem dos ministérios já garante alguma tranquilidade n o início do terceiro mandato. Ao todo, nove partidos foram contemplados, número que demonstra a maior representação partidária de todos os mandatos do petista até agora: em 2006, sete legendas tiveram cargos e em 2002, seis.“Dar dois ministérios para o União Brasil e três para o MDB indica que a base pode aprovar mudanças constitucionais no Congresso, mas é incerto se o União Brasil vai em bloco. Será que o grupo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, vai para a base de Lula? Além disso, o MDB será um partido menor na próxima legislatura”, diz Tavares.O União Brasil terá os comandos dos ministérios do Turismo e das Comunicações, mas também deve ficar com a Integração Nacional, uma vez que Waldez Goés, indicado ministro, está no PDT, mas deve ir para o partido em breve. Apesar disso, o presidente nacional da sigla, Luciano Bivar, afirmou nesta quinta-feira (29) que a legenda não será base formal do governo Lula.Porém, a questão “não parece ser necessariamente algo que dificulte o governo”, aponta Tavares. “Historicamente, se pensarmos nos dois primeiros mandatos de Lula, no processo que levou à sua eleição agora, e na composição de ministérios, tudo indica que ele continua com capacidade de composição no parlamento. É claro que terá dificuldades, pauta a pauta, mas não casos de obstrução.”“Atrair União Brasil, MDB e PSD não é trivial”, diz Guilherme Carvalho. “Lula soube montar os ministérios equilibrando forças e garantindo uma estabilidade de partida no Congresso. Pelos meus cálculos, o governo tem a maioria na Câmara e no Senado, apesar de que na Câmara demandará ajustes. Nesse sentido, o PP pode ajudar, mas é algo que deve ser construído pelos próximos seis meses. Além do PL, que pode desembarcar do bolsonarismo”, afirma Carvalho.Já Sérgio Praça argumenta ser possível esperar, para o primeiro ano do governo, boas chances de aprovação de uma agenda e cita como possibilidade a reforma tributária, além de mudanças na Constituição. “Lula é um político muito habilidoso. Há um problema em ter 37 ministérios, o que é difícil de coordenar, mas ele parece estar negociando bem com os partidos, o que resulta em apoio forte no início.”Para Praça, “os últimos quatro anos foi cheio de crimes e desmantelamento de políticas públicas”, o que também pesa favoravelmente ao novo governo. “Se ele (Lula) fizer somente o básico, já será saudado como um bom presidente. E isso vai durar alguns meses.”FiscalSegundo Francisco Tavares e Guilherme Carvalho, o maior desafio está na área fiscal. “Temos problemas reais com os rombos nas contas públicas, especialmente pelas medidas tomadas ao longo de 2022. A equipe econômica precisará pensar numa reforma fiscal, sem onerar a população, ao mesmo tempo que onera os mais ricos, o que será um desafio do ponto de vista político no Congresso”, diz Carvalho.Já Tavares ressalta que há indefinições sobre o novo marco fiscal e o pacto federativo, especialmente no que diz respeito às leis complementares que mexeram na cobrança de ICMS, imposto estadual, e forçaram a redução, por exemplo, do preço dos combustíveis. “Isso impactou muito a receita dos estados, e a União precisa resolver isso”, afirma o cientista político.Duas outras questões que envolvem o assunto têm sido tema de preocupação: o fim do congelamento do ICMS sobre os combustíveis, que vale desde o fim de 2021, assim como a volta da cobrança de PIS/Cofins e Cide a partir de primeiro de janeiro. Os dois pontos devem fazer o preço da gasolina no país subir, em média, 14,1%.Na quinta-feira (29), o futuro ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), afirmou que o assunto está entre os “mais urgentes” a serem tratados com a equipe econômica.Leia também:- Janja pede liberação de mais público na posse, e forças de segurança correm para adaptar plano- Caiado aguarda projetos de Lula para definir área social em Goiás- Bolsonaro viaja aos EUA e despreza rito democrático da transiçãoTavares também aponta como desafio a relação com os militares, uma vez que há muitos deles com cargos no governo e Lula chegou a dizer, em maio, que tiraria todos das funções, em meio às críticas feitas ao atual presidente Jair Bolsonaro (PL).ExternoPara Guilherme Carvalho, outras duas questões representam desafios de longo prazo: a construção de uma rede de atenção social universal mais duradoura; e a reconstrução da imagem do Brasil no exterior.Segundo Carvalho, é preciso criar uma política mais abrangente e permanente, do ponto de vista de política público, do que o Bolsa Família. “E isso precisa estar em sintonia com a agenda tributária e a agenda institucional de boas relações no Congresso, sem criar problemas com o Judiciário, que tende a arrefecer sua atuação”, diz.Já sobre a política externa, o cientista político afirma que a nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente é uma “tentativa de recolocar o Brasil do ponto de vista global.” “Deve tentar fazer isso do ponto de vista ambiental, a fim de recuperar o prestígio.”, afirma.Um político na área econômica é preocupante, diz economista“O ideal é que a (nova) equipe econômica continue trabalhando com metas inflacionárias, mantendo a inflação baixa e a linha dos impostos.” A fala é do economista Aurélio Troncoso, quando questionado sobre o que esperar da condução da economia brasileira nos próximos anos. “O país arrecadou mais com uma menor taxa de impostos. As pessoas não pensam nisso: se você vai no posto e o preço está mais baixo, você enche o tanque, consome mais. Então, o que a nova equipe tem que fazer é manter a linha dos impostos ou fazer uma reforma tributária bem feita, desonerando as empresas, que é onde está o gargalo, mas também desonerar as famílias para que as pessoas possam consumir mais. Mais de 67% do PIB é consumo das famílias. É preciso incentivar.” Ele avalia que a equipe do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, “trabalhou bem.” “Devemos fechar o ano com um crescimento acima de 3%, e isso mostra que o Brasil vinha numa caminhada boa, porque saiu da crise primeiro. A equipe econômica de Guedes trabalhou bem. Agora, deveria haver estratégias para fazer o Brasil andar, como continuar fazendo a meta inflacionária e não deixar os estados voltarem a alíquota”, diz ele, referindo-se à limitação da alíquota de 17% do ICMS, imposto estadual que incide, por exemplo, sobre os combustíveis.O economista, porém, diz que é difícil fazer qualquer previsão sobre como será a política econômica do novo governo, dada a ausência de um plano de governo claro neste sentido, e critica a escolha de Fernando Haddad para comandar o Ministério da Fazenda (atual Ministério da Economia). “Não teve plano de governo, então, não se sabe o que foi planejado e, por outro lado, (Lula) colocou o Haddad como ministro da Economia. Entendemos que um político para comandar a economia do país é ruim, porque não é um técnico. Esperávamos alguém técnico, como Armínio Fraga ou (André) Lara Resende, que participaram da equipe de transição. É preocupante.”Troncoso também critica a quantidade de ministérios anunciados por Lula: 37, 14 a mais do que o atual governo. “Isso é ruim, porque também gera mais gastos. O importante seria ter um Estado menor. (O governo) Começa com um Estado maior do que deveria ser, o que indica que o primeiro e segundo anos (de governo) serão de aperto econômico”, afirma Troncoso.