-Imagem (1.2581299)Especialista em orçamento público, o advogado Romero Arruda detalha o funcionamento das transferências especiais, as chamadas emendas pix, e as emendas de relator, que estão no cerne da polêmica acerca do famigerado orçamento secreto, que foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Assessor técnico da Relatoria Geral do Orçamento da União de 2023, Arruda falou ao programa Chega Pra Cá, com a jornalista Cileide Alves.A partir de 2015 ocorreram várias mudanças na forma de elaborar o orçamento, que depois foram seguidas por assembleias legislativas e câmaras de vereadores. O que aconteceu?Antes de 2015, todas as prerrogativas que o parlamento utilizava na elaboração do orçamento careciam de impositividade para execução orçamentária. Portanto, era uma relação que estava absolutamente condicionada ao bom relacionamento com o Poder Executivo. Aquele ano (2015) não me parece ser uma coincidência, uma vez que a gente sai de um processo de eleição presidencial de 2014 extremamente rivalizado, como agora na eleição de 2022. O Congresso Nacional, em 2015, resolve adotar para si uma prerrogativa importante: tornar as suas emendas individuais uma característica de imposição ao Executivo. Ou seja, o parlamentar passou a elaborar uma fatia do orçamento e esse pedaço, necessariamente, ressalvado impedimentos técnicos, deveria ser cumprido à vontade do parlamentar pelo Executivo. De lá para cá, tivemos as emendas de bancada, que são aquelas elaboradas conjuntamente por cada bancada representativa no Congresso Nacional da sua Unidade da Federação, que também se tornaram impositivas. De 2020 para cá, já nesta legislatura, a gente acompanhou o nascimento das transferências especiais, que eu carinhosamente apelidei de pix orçamentário pela sua característica de simplesmente ser uma transferência de recurso do plano nacional para o plano subnacional, para estados e municípios. A gente assistiu também ao empoderamento do Congresso na elaboração do orçamento público, através das emendas de comissão, que são emendas discutidas nas comissões temáticas na Câmara dos Deputados e no Senado, e também o marcador RP9, que passou a denominar as emendas de relator, que até então eram utilizadas para erros e omissões do projeto de lei que o Executivo encaminhava. Passaram, então, a ter outra conotação, uma dimensão do poder também de execução de emendas elaboradas pelo Congresso Nacional.Não havia até então emenda de bancada, emenda de comissão?A emenda de bancada se torna impositiva a partir de 2019. Ela existia, mas carecia, assim como a emenda individual, do caráter que desse a ela uma verdadeira execução. Essas emendas, antes de se tornarem impositivas, eram alocadas no orçamento público brasileiro e geralmente não eram executadas. Ou eram executadas em parte quando essa parte também interessava ao Poder Executivo. O parlamentar ficava pedindo pela execução das suas emendas, coisa muito diferente de você ter na Constituição Federal uma garantia de que as suas emendas serão executadas, independentemente de você estar na oposição ou na situação. Os primeiros passos dessa agenda do Legislativo no orçamento se deram através das emendas individuais e depois das emendas de bancada. A transferência especial, o pix orçamentário, já é uma evolução dentro da emenda individual. O marcador da emenda individual é o RP6. No caso, ela é uma emenda individual, dividida por igual entre os parlamentares da Câmara e do Senado.Isso significa, hoje, individualmente, qual valor para cada parlamentar?Para o orçamento de 2023, esse valor é na casa de R$ 19 milhões para cada.Em 2019, a emenda de bancada passa a ser impositiva. Qual é o valor? E são dois pedaços do orçamento da União que são abocanhados pelo Congresso. O que isso representa no total?Para as bancadas o valor é distribuído de maneira uniforme, entre as 27 Unidades da Federação. Para 2023, esse valor é de R$ 885 milhões por bancada.Posteriormente, foi criado o pix orçamentário, que é a forma de liberar o recurso, e a RP9, que é essa emenda do relator que tinha um papel só de correção e que muda. O que é essa mudança e quando cada uma acontece?A transferência especial foi criada a partir da emenda constitucional número 105, no fim de 2020. Até então, quando o parlamentar ia escolher para onde iriam suas emendas, ele necessariamente deveria vinculá-las a algum programa já existente no Poder Executivo. A transferência especial é justamente o avesso disso. Ela se caracteriza pela falta de definição da área temática. Portanto, a alocação do recurso é feita diretamente no Ministério da Economia, que vai simplesmente conferir se o beneficiário está correto, se houve o aceite por parte daquele município ou daquele estado, e vai realizar a transferência. Essa transferência passará a integrar, então, o tesouro do estado ou município para, só depois, o gestor local tomar a decisão de qual área será feita a aplicação. Com isso, a gente tem um resultado prático de esvaziar as políticas públicas. Aquela caixinha da agricultura, da saúde ou da educação deixam de receber esses recursos e o prefeito ou o governador passam a receber um recurso totalmente livre. É claro que há um interesse do Congresso Nacional, ao fazê-lo, de ter menos burocracia no processo da transferência. Enquanto uma emenda para a concepção de uma escola poderia se arrastar por dois ou três anos entre aprovações de projeto, licitação e a sua efetiva realização da obra, essa emenda da transferência especial, nos dois primeiros anos, por exemplo, de sua vigência, foram integralmente pagas dentro do mesmo exercício. Então, você garantiu uma celeridade para que o recurso chegasse ao seu beneficiário. No entanto, o questionamento, o debate público que se faz sobre isso é que a gente perdeu um pouco de controle e transparência.O POPULAR revelou que cresceu o valor de emendas pix liberadas pelos deputados federais de Goiás. Um aumento de 12% em relação ao ano passado. Essa liberação de emendas pix cresceu no país como um todo?Cresceu. No ano inaugural, a gente teve, somando o Brasil inteiro, uma destinação de cerca de R$ 700 milhões através dessa modalidade. E esse valor, para o segundo ano, já passou para quase R$ 2 bilhões. Em 2022, o ano vigente de orçamento, mais de R$ 3 bilhões. Justamente pela caracterização de que essa transferência atinge o beneficiário de modo muito mais rápido do que as emendas tradicionais. Dá para a gente dizer que essas emendas caíram no gosto tanto da atuação parlamentar em Brasília quanto dos gestores. Os prefeitos, agora, quando se dirigem ao parlamento, é recorrente que peçam emendas com essa modalidade justamente para terem maior liberdade da utilização do recurso e menos burocracia na tramitação.Quando é que nós, os contribuintes, teremos condições de saber como foram gastos os recursos que já foram liberados só neste ano?Hoje, se você me perguntar onde foram parar os mais de R$ 6 bilhões desses três anos em que a emenda está vigente, infelizmente eu teria que responder que nem eu sei e, muito dificilmente, algum cidadão saberá. A Constituição diz que quando essa transferência é realizada, o recurso passa a integrar o tesouro local, seja do município, seja do estado. Sendo assim, há uma interpretação de que a fiscalização desse recurso também deveria ser feita pelos órgãos de controle local. Essa não é uma interpretação que tenha uniformidade. Há debate no TCU sobre a fiscalização desse recurso. Há um trabalho importante da CGU entendendo que se a transferência partiu do plano da União, ela não poderá abrir mão de controlar e fiscalizar, mas o fato é que nos três primeiros anos foi muito difícil você aferir o que foi feito com o dinheiro. Como a emenda tramita pelo Ministério da Economia, ela passa pela plataforma de gestão de convênios do governo federal, chamada Plataforma Mais Brasil, e nela há um campo específico para preenchimento voluntário dos beneficiários, onde ele poderia fazer um relatório de gestão desse recurso. Até a presente data, a gente tem apenas 3% dessas emendas com algum tipo de informação de como o recurso foi aplicado. Portanto, 97% desses R$ 6 bilhões não têm uma linha sequer escrita no plano federal. A gente precisa, em algum momento, debater se a celeridade, a eficiência para fazer o recurso chegar, é maior, ou mais sagrada, ou mais importante para o cofre público brasileiro do que a gente ter controle e transparência. Talvez a gente tenha que buscar aqui algum meio de equilíbrio, porque não é razoável que parlamentares façam transferência vultosas de recursos, estamos falando de bilhões de reais, sem que haja, por parte da sociedade, dos órgãos de controle, a informação sobre a efetivação desses gastos.O Supremo decidiu que o orçamento secreto é inconstitucional. Nesses três anos, quanto foi destinado do orçamento secreto e quanto já foi liberado?Você teve cerca de R$ 15 bilhões em 2020 e 2021, e mais R$ 16,5 bilhões em 2022. Estamos falando aqui, a grosso modo, de cerca de R$ 46 bilhões. Desse valor de 2022, você tem metade já encaminhada e resolvida e outra parte, cerca de R$ 8 bilhões, que está, neste momento, bloqueada, assim como outros recursos do governo federal, por falta de espaço no teto para acomodação dessas despesas.O controle desses R$ 46 bilhões é melhor do que o da emenda pix ou também carece desse controle e transparência?Depois da interferência da decisão liminar do STF (da ministra Rosa Weber), o Congresso Nacional aprovou medidas para transparência, com publicação por meio do site da Comissão Mista do orçamento e foi criado um sistema para lançamento e controle dessas emendas. Nesse aspecto, a emenda de relator caminhava para o sentido de qualificar a sua transparência, coisa que ainda não aconteceu na transferência especial.Leia também:- Lula terá 37 ministérios com divisão do Planejamento e recriação da Pesca- PSOL e Rede questionam cota de gênero em chapa do PL-Imagem (Image_1.2581795)