Caixa de isopor com barra de gelo faz as vezes da geladeira, o banho é gelado e a iluminação de noite é por conta de vela, lamparina ou lampião. Essa é uma realidade que ainda assombra os sonhos de centenas de famílias que vivem no campo em Goiás. A eletrificação rural não foi universalizada no Estado, que pode ser um dos últimos Estados a fazê-la no País, em 2022. Mais de 21,3 mil aguardam por conexão. A região que mais sofre é o Norte goiano, onde estão 63% da demanda não atendida pela Enel Distribuição Goiás. Depois, vem a região Sul do Estado, com 33% dos pedidos na distribuidora. A espera para algumas pessoas chega a durar 20 anos e pode ficar mais longa se a companhia conseguir prorrogar o prazo limite para atender o Programa Luz para Todos. Antes da privatização da antiga Celg Distribuição (Celg D), em 2015, a data para universalização era 2017. Atualmente, com a Enel, está firmada para 2019. Mas não será cumprida. Acordo assinado no dia 26 de agosto com o governo estadual, com participação do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), abriu a perspectiva para que a empresa consiga prorrogar por mais três anos esse limite. Isso por conta de termos embutidos no documento que promete ampliar em 26% a capacidade da rede de distribuição e realizar a obrigação de atender as conexões rurais acumuladas. O termo foi assinado com o governador Ronaldo Caiado (DEM) e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. “Não tem como sonhar. A maior parte das coisas não conseguimos produzir porque não tem energia. A gente compra carne e põe para secar. Crio gado, mas tenho de comprar carne fora, porque se matar aqui vai perder”, lamenta o produtor do assentamento PA Fartura Água Viva de Formosa, Valtemiro Rodrigues Magalhães Filho, conhecido como Ferrim. São onze anos à espera do atendimento gratuito pelo Programa Luz para Todos, do governo federal. “Ninguém olha pra gente.” Assim como ele, cerca de 300 famílias vizinhas passam pela mesma situação, que é acompanhada de luta sem data para terminar. Algumas não aguentaram a escuridão e se viram com pequenos geradores a diesel. Há quem conseguiu juntar dinheiro para ter painel solar e muitos fizeram gatos, ligações clandestinas de energia. Não muito distante dos assentamentos existentes na região há energia. “No governo Dilma, estávamos no bloco que seria beneficiado, mas não deram conta de terminar tudo”, lembra Ferrim. Há dois anos ele guarda em casa um triturador novinho, ainda embalado, na esperança de usá-lo algum dia para incrementar a alimentação do gado.Também produtor do assentamento, Arnou da Silva Santana expõe que a falta de perspectiva o levou a pensar em desistir. “Vivemos aqui sem energia e nada vai pra frente. Aqui no município, tem gente com 20 anos de espera.” Formosa é a cidade goiana que concentra o maior número de pedidos de conexões na zona rural. Segundo a Enel, são 5.774 consumidores na fila de espera, 27% do total do Estado. “A gente vai vivendo de teimoso que é. Tenho um gerador que só ligo à noite e não dá conta do chuveiro. O banho é frio.” Na casa de Arnou, são cinco horas com energia, porque o preço do combustível pesa no bolso. Se conseguisse ligação de energia vinda da distribuidora, ele queria trabalhar com queijo frescal e até montar uma pequena granja. “Temos muitos projetos.” Para a produtora Maria Profeta de Carvalho, a falta de energia é total e limita a possibilidade de ter uma renda fixa. Sem geladeira, os alimentos estragam rápido. Para a bateria do celular, tem de carregar na cidade ou na casa de algum vizinho. Ela não tem água em casa, porque não é possível abrir poço e ter uma bomba para abastecer a residência. “Queria muito poder fazer uma horta e plantar limão. Mas não tem como aguar.”Em 2005, no início dos assentamentos PA Fartura, a presidente Sebastiana Vieira de Souza conta que foram feitos os primeiros requerimentos por energia. “Eu coloquei energia particular, tenho padrão e divido com outros que puxaram ‘galhos’”, admite ao citar que por várias vezes a distribuidora chegou a adverti-los. Procurada pela reportagem, a Enel Distribuição Goiás afirmou que sobre o Assentamento PA Fartura “está apurando o andamento da solicitação”. Reforçou em nota que, entre 2017 e 2018, triplicou a média anual de novas conexões rurais realizadas se comparado com o período antes da privatização. Afirma que atingiu cerca de 3,4 mil nos últimos dois anos. “A empresa ressalta, ainda, que o plano apresentado na última segunda-feira (26) prevê aumento expressivo no número de conexões rurais por ano (...) para cumprir solicitações históricas (...) e avançar na universalização.” Segundo a Aneel, apesar do termo de acordo assinado, o pleito da Enel para revisão do plano de universalização rural está em análise pela agência. Junto com a Enel, outras cinco distribuidoras pediram revisão no País. Por enquanto, somente o Piauí vai demorar até 2022, o último ano previsto.