O Estado de Goiás conseguiu fechar o ano passado com caixa no azul. Porém, em entrevista ao O POPULAR, a secretária de Economia, Cristiane Schmidt, avalia que ainda devem ocorrer muitos desafios. Em balanço sobre o ano de 2021, que finalizou com a adesão de Goiás ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ela reforça que resultado positivo só foi possível com efeito da inflação e das transferências federais sobre a receita. Um cenário que mudou especialmente com a previsão de que ocorram cortes que podem somar R$ 6 bilhões até 2024.Quais os desafios com o RRF e com o ano eleitoral? Vou poder fazer concurso público, RRF não impede contrações e aumento de folha. A Lei Complementar 159 anterior às modificações da LC 179 e 181 tinha problemas claros, quem entrasse não poderia fazer aumento de folha e contratação, impossível. Porque há máquina rodando. Isso foi revisto, essa possibilidade existe dentro do plano e colocamos tudo o que queríamos fazer ao longo do tempo e deram “ok” para o plano. Esse plano vai ser revisto obrigatoriamente de dois em dois anos e poderá ser revisto a qualquer tempo que o estado quiser. Não sabemos se vão aceitar o pleito. Esse desafio é normal.Mas qual o maior desafio?O maior desafio, que não é bem trazido pelo plano, mas por uma conjuntura que está sendo aventada, é com relação às nossas receitas. Porque há uma possibilidade de Goiás perder, até o ano de 2024, R$6 bilhões. Por decisões do STF ou do Congresso Nacional. Vou citar uma, já ocorreu e vai começar a partir de 2024. A perda de receita de telecomunicação e de serviço de energia elétrica, vamos perder cerca de R$ 2 bilhões. Outra receita que é possível que perca, R$ 400 milhões pelo Difal (diferencial de alíquotas entre Estados). O STF declarou inconstitucional o dispositivo do Convênio ICMS 93 de 2015 e disse que teria de ter uma lei complementar, que foi aprovada no Congresso. O grande problema é que o presidente não sancionou no ano passado e os escritórios estão dizendo que precisava de anterioridade e isso vai ser judicializado. Se os estados perderem, é uma monta de R$ 9,8 bilhões. Para Goiás, R$ 400 milhões no ano. Outra transitada em julgado é cobrança de ICMS sobre demanda contratada de energia elétrica. Aí eu perco R$ 25 bilhões ad aeternum. Com inflação, ano que vem aumenta e assim vai. A gente tem outra que faz perder R$ 1 bilhão a partir de 2023, porque o STF declarou inconstitucional a cobrança de ICMS nas transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular.O risco não está nos gastos?O risco maior de voltar ao desequilíbrio não é que vou ter despesa desenfreada, não calculada. É que a receita vai cair. Como vou ficar com margem fiscal e como vou me ajustar? Isso vai acontecer para todos os estados. Mas para aqueles que estão tentando se ajustar é ainda mais desafiador. Não vou conseguir consolidação fiscal com riscos na receita. Não estou falando daqui a 20 anos. Em dois anos, perco R$ 2 bilhões e daqui um ano R$ 1 bilhão na receita. Para este ano é capaz de perder 400 milhões. Esses riscos são muito preocupantes. Se adicionar o fato que tivemos inflação de 10% que não foi colocada inteira no aumento de despesa e ano que vem tem inflação mais ou menos contratada de 5%. É muita incerteza. Não posso me vangloriar de ter superávit em 2021.Estado fechou o ano no azul? Os dados a gente ainda não conseguiu fechar, até o final do mês a contabilidade fecha os números. Mas, sim, fechamos positivo. A gente precisa contemporizar o que aconteceu em 2020 e 2021, porque mesmo no período de pandemia nós tivemos transferências federais e também tivemos uma inflação que fez com que as nossas receitas e de todos os estados e da União aumentassem além do que estava sendo previsto. Precisamos contemporizar, porque 2022 não é um ano que vem com boas perspectivas. Temos projeção de PIB só caindo. A inflação, por outro lado, foi muito elevada. No Brasil, em particular, isso foi muito ruim, o câmbio está muito elevado e tem um efeito que a gente chama de pass-through, porque a gente consome bens lá de fora. As commodities aumentaram, os alimentos aumentaram, o brasileiro ficou mais pobre. Então, a gente não pode olhar somente o resultado estanque, porque pode te levar a conclusões errôneas. Tivemos um resultado legal, mas todos os estados, municípios e a União também tiveram. Mas acho que 2022 é um ano desafiador demais. Por isso, o Plano de Recuperação Fiscal veio em ótimo momento para a gente tentar consolidar o trabalho que fazemos desde 2019.O quanto 2021 foi melhor? Você tem um descompasso de receitas e despesas, sempre, quando tem inflação alta. Tivemos um aumento no faturamento das empresas e, consequentemente, na nossa na arrecadação. Mas isso não se deu por conta de maior produção, se deu por conta da inflação. Tivemos um suposto aumento de receita que do lado das despesas teremos também essa surpresa.Esse efeito vem depois?Vai chegar. Já chegou um pouquinho. Por exemplo, profissional de TI eu não consegui contratar. Primeiro eles sumiram do mercado e os que estavam ali eu tive de fazer uma nova tomada de preços porque o preço que estava, eles não aceitavam. Isso é só um exemplo. Os preços de insumos da Goinfra (Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes) aumentaram sobremaneira.Qual era a meta para o ano?Eu já sei de antemão que a gente ficou com dinheiro no caixa maior do que o esperado e não tem meta. Simplesmente temos uma programação. Queremos todo mês conseguir pagar os servidores no último dia trabalhado, fazer a transferência dos consignados – coisa que não acontecia –, fazer as transferências aos municípios, aos Poderes, ou seja, cumprir com nossas obrigações com dinheiro do mês. A nossa meta é muito mais adequar o fluxo de caixa. A gente está conseguindo, mas, repara, ainda tenho dívida suspensa, ainda não estou pagando o serviço da dívida, e com isso tenho que começar a incorporar e deixar margem para ir pagando. Então, no Regime de Recuperação Fiscal, tenho quatro grandes vantagens.Quais são?A primeira é que com as dívidas suspensas vou ter previsibilidade de pagamento, porque vou ter um escalonamento de pagamento, e com condições boas. É como se tivesse tomando empréstimo com condições muito boas, 30 anos com IPCA mais 4%, da União. Se eu for tentar pegar com qualquer banco, não consigo essas condições. Uma grande vantagem para a sociedade. Quando se tem margem fiscal a gente consegue investir, dar tranquilidade e previsibilidade. Tenho quatro pontos de benefícios no Plano de Recuperação Fiscal e um é esse.E os outros?O ponto número dois. Como estou com essa dívida suspensa desde junho de 2019, trabalho firme no ajuste. Isso quer dizer, por exemplo, que meu estoque de precatórios vou conseguir pagar em 2024, que era como previa a primeira lei. Teve uma nova lei que colocou precatório para ser pago até 2029. Eu não pretendo usar este tempo. O ministro Gilmar Mendes permitiu que tivesse dívida suspensa e falou para agir como se estivesse no Plano de Recuperação Fiscal, estou agindo. O meu modus operandi não vai mudar, porque isso foi o que a gente prometeu. Eu tinha 4,6 mil fornecedores sem pagar, foi assim que comecei em 2019. Hoje, devo a menos de 200, não demoro mais para pagar como acontecia. Um dos nossos maiores acertos foi com o TCE que nos comprometemos neste ano de 2022 a pagar a vinculação de Saúde não paga no governo anterior. Mais de R$200 milhões vão ser pagos ao longo do ano para os municípios. Para a Saneago firmamos que vamos transferir uma dívida que o Tesouro tinha, trocou um imóvel, vendeu e vai pagar o restante agora em janeiro e fevereiro. Isso tudo é equacionamento de passivos. Tenho uma dívida de longo prazo e tenho uma de curto, que é gigantesca, eram R$ 6 bilhões. Estou ajustando e colocando agora a receita dentro da despesa. Tanto é que o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) que encaminhamos tem um ajuste de receitas por despesas em torno de R$ 37,8 bilhões, que é receita total e despesa total. Pela primeira vez entregamos um PLOA equilibrado e com as emendas impositivas de quase R$ 387 milhões para serem pagas, com todos duodécimos, com as 13 folhas e compromissos. Mas não consigo além de pagar esse passado todo pagar a dívida consolidada. Por isso é importante. Agora vale a pena fazer a qualquer custo? Não. Por isso o RRF é importante, porque dá condições boas.Como fica a dívida em dólar?O terceiro ponto do RRF é a reestruturação da dívida do Banco do Brasil, uma dívida em dólar. Isso aí é impressionante, o Estado contratou essa dívida lá atrás por R$ 1,5 bilhão, mas atrelado ao dólar. Pagamos até o momento quase R$ 2 bilhões de amortizações e juros e ainda devo R$ 2,8 bilhões. Isso é uma condição ruim de pagamento. Quem tomou o empréstimo não teve responsabilidade de ter feito uma proteção cambial.O que muda com RRF?Eu já tenho acordo travado com Banco Mundial, há um ano estou fazendo isso. Não sabia se o presidente iria homologar ou não (o RRF). De qualquer forma, adiantei o trabalho para que em junho de 2022 eu pudesse transformar essa dívida. Do Banco do Brasil para o Banco Mundial. Isso vai dar para o Estado um fluxo adicional de R$ 800 milhões. Além disso, eu antecipei o pagamento da dívida externa e com ganho de R$ 50 milhões. Porque estava com a dívida suspensa e vi uma margem para fazer pagamento. Dos quatro pontos de benefícios, por último, é ter previsibilidade das obrigações correntes. Em 2019, fiz investimento na ordem de R$ 369 milhões, perdi somente para o Acre. Porque não tinha acesso a capital de terceiros, ninguém emprestava e não tinha margem fiscal. Agora começamos a ter margem. No PLOA, está colocado que devemos investir na ordem de R$ 3 bilhões.Como devem investir?Tivemos problema de chuva recentemente no Nordeste goiano e consegui investir R$ 127 milhões, porque tinha dinheiro e conseguia fazer. Saúde e educação o estado está sendo um dos únicos a fazer a vinculação no nível do pagamento. Normalmente os estados ficam no empenhado ou liquidados. Na educação o mínimo é 25% da base de cálculo, pois gastamos em empenho pago 25,55%. A prioridade do governador é clara, quer investir em educação, porque é isso que entendemos que será o trunfo da mão de obra futura de Goiás. Segurança pública também teve grande investimento, mais de R$ 4 bilhões com equipamentos e não só isso. O Protege, por exemplo, teve aumento de ações. Quando chegamos no governo, tinha na ordem de 20 ações e estamos com 67 ações.Reflexo da mudança na política de incentivos fiscais?Sim. Essa alteração ocorreu em 2019. O artigo 2, da Lei Complementar 159, tem oito obrigações que o estado tem de fazer na hora do RRF. Já fizemos todas. Tenho de cumprir com o plano e informar corretamente ao Conselho de Supervisão Fiscal, que vai monitorar se estamos fazendo o que tínhamos estabelecido com os Poderes.No Rio de Janeiro, o RRF não teve o resultado esperado. O estado deve seguir o plano mesmo com possibilidade de ter flexibilizações?Podem surgir, mas é tudo conversado com o Conselho e com os Poderes. O Plano não é do Executivo; é do estado. Claro que a maior parte do orçamento é do Executivo, mas de qualquer maneira a gente precisa estar em harmonia para que todos colaborem e eles têm colaborado. Cortaram na carne com 20% do duodécimo.Ocorreram na pandemia transferências da União que não devem se repetir.Foram R$ 2 bilhões, não aconteceram mais e foram importantes ou não teria condição de pagar a folha, teria tido uma variação negativa nominal. Fez ter variação levemente positiva em termos reais de 3%. Mas daqui a dois anos, em vez de receber, vai me tirar R$ 2 bilhõe. Não sei se tudo isso vai antecipar a discussão de reforma tributária, que já estava acontecendo. Mas na hora que vários Estados começarem a colapsar, por conta dessas receitas que vão sendo perdidas, isso já deveria estar sendo um alerta. Se não tiver reforma, não sei o que nos espera.O quanto da dívida suspensa já se acumulou?Acumularam aproximadamente R$4 bilhões. Mas foram todas refinanciadas por 30 anos. Entro no plano e novamente vão ser refinanciadas na mesma condição. Isso quer dizer que vai chegar no topo de 24,5% em 2027 mais ou menos, porque vou pagando até lá, mas de maneira controlada. O indicador dívida consolidada sobre RCL (Receita Corrente Líquida) continua decaindo. Em nenhum momento, deixei de colocar o olho sobre este indicador, porque esse é da Capag (Capacidade de Pagamento) e quero me tornar Capag B. Essa é minha meta e não ficar ad infinitum no Plano de Recuperação Fiscal. Minha grande mensagem é que o RRF é benéfico para todo mundo em Goiás e para a União, porque o Estado vai cumprir com os requisitos e voltar a pagar bonitinho o que precisa. Ninguém fica bem em um ou dois anos, a gente precisa de uma consolidação. O que o servidor precisa é de previsibilidade de que vai receber em dia e não só neste ano e que quando aposentar tenha a aposentadoria. O Rio de Janeiro é um péssimo exemplo e fizemos coisas diferentes. Muito menos importante é a foto e mais importante é o filme. Fazemos as coisas com calma, persistência e solidez. A meta de 2022 é conseguir consolidar o que temos feitos nos últimos tês anos.Como equilibrar com a receita? Virão mais privatizações?A gente tem vendas de imóveis que está dentro do plano, inclusive, tem o IPO da Saneago que tem autorização da Assembleia para fazer. Temos a previsibilidade de que isso vai ser feito em 2024 dentro do plano. A gente está fazendo avaliações ainda e estudos com BNDES e não tem nada resolvido sobre nada. Agora, temos autorização para fazer outras privatizações.Combate à sonegação também deve contribuir?Fizemos também investimento em várias tecnologias de inteligência artificial e de antenas ao redor de Goiás para aumentar a fiscalização inteligente como forma de aumentar a arrecadação e estamos conseguindo. Além da desburocratização do ITCD, que ainda vai surtir efeito, agora o contribuinte informa o quanto deve e, se dentro da inteligência não bater, cai em uma malha fina. É declaratório e facilita a vida do contribuinte que quer pagar o Fisco. Temos estoque de mais de 10 mil processos que pretendemos acabar ainda no meio do ano. Tem a RedeSim para facilitar para o empreendedor. E o ProGoiás, em que eu não tenho de dar canetadas, eu não escolho ninguém e nada. É uma lei de crédito outorgado, se a empresa tiver na formalidade está dentro. Tanto é que tenho recebido muito menos empresários.Como fica a atratividade?Não só a gente trouxe o ProGoiás para dar incentivo para novos empresários entrarem, o que de fato está acontecendo, nós fomos proativos. O Fisco goiano conseguiu para o Brasil, pensando nos produtores de biodiesel, uma situação que os produtores não vão perder um centavo com nova regra que saiu do governo federal e a solução partiu da Secretaria da Economia. Estamos de mãos dadas com os empresários.Alta da gasolina gerou discussão sobre ICMS. Para você o assunto terminou?A discussão do combustível deve voltar dentro do Consefaz, porque havíamos congelado os preços. O governo de Goiás perdeu R$45 milhões, porque a gente entendeu o que estava acontecendo. O preço das commodities e a política de preços da Petrobras faziam com que, mesmo os estados sem fazerem nada, o preço subisse. Mantivemos a base congelada e perdemos de forma consciente. Mas é um problema que não é dos estados.Eleições ampliam desafios?Desafios teremos muitos. Temos de entender que é um ano eleitoral que começa a ser poluído por várias discussões e nem todas produtivas. Normal também dentro de uma democracia. O mais importante é ter pessoas dentro do Executivo querendo dialogar e trazer possíveis soluções.O diálogo mais próximo ao Legislativo é objetivo?Não tenha dúvida que a minha política é sempre de conversar, porque só não tem solução na vida para uma coisa que é a morte. A gente tem de sentar e conversar. Desde 2019 eu vejo os Poderes todos realmente querendo fazer o melhor. Tivemos pautas difíceis que passaram.