Atualizada às 21h36“Meu pai já sabia e vinha nos preparando antes. Ele foi avisado de alguma forma. Ele sabia”, diz, com convicção, Ana Paula Craveiro, filha do ex-prefeito e ex-governador Iris Rezende, ao contar episódio de conversa com ele na fazenda cerca de 15 dias antes do diagnóstico de acidente vascular cerebral (AVC), em 6 de agosto. Dois dias depois da perda do pai, Ana Paula e Adriana Rezende receberam a reportagem do POPULAR no escritório dele, no Setor Marista, para contar detalhes da vida e da despedida de Iris. Ana Paula, que acompanhava Iris em todas as atividades, vai manter o escritório, que passará a ter uma espécie de memorial com objetos e registros da trajetória do emedebista, e seguirá servindo “pão de queijo feito com leite da roça” que ele gostava de oferecer às visitas.No relato, a tristeza da família e também do cachorrinho Barack, que ficou famoso nas fotos de conversas de Iris no escritório, após o anúncio de aposentadoria, com autoridades políticas, incluindo o governador Ronaldo Caiado (DEM).“Todo mundo tem uma vaidade, um desejo: fazer uma viagem, um carro, uma roupa, um sapato. Ele não ligava para nada disso. O que o envaidecia era chegar de mutirão ou qualquer evento e dizer: ‘Você precisa ver o tanto de gente querendo tirar foto comigo. Uma loucura, o tanto de gente que veio me abraçar’. Isso era a melhor coisa da vida dele”, diz Adriana. Na terça-feira (16) O POPULAR publica e-book sobre a trajetória de vida de Iris Rezende.O que pensam em fazer com o escritório, com tudo aqui?Ana Paula - Eu vou manter o escritório. Meu pai queria organizar um espaço para relembrar a trajetória dele, com fotos, objetos. Não deu tempo de fazermos juntos. Então vou organizar um memorial. Na fazenda em Guapó, tem um depósito com centenas de objetos. Ele falava: “Vamos tirar uma tarde para ir lá, arrumar tudo e trazer para cá”. Eu vou trazer. Eu quero continuar mantendo esse contato com as pessoas. É bom. Isso faz parecer que a gente está com ele. O carinho que a gente recebeu nesse tempo todo foi uma coisa que nos confortou demais e eu tinha um sentimento de que ele estava ali, em cada pessoa, cada historinha que a gente ouvia. Lá no Neurológico, eu entrava no elevador e sempre tinha alguém falando do que ele tinha feito; a fisioterapeuta tinha algo pra contar; todo mundo tem uma história para contar do meu pai, uma vivência. E todo mundo vinha contar para confortar a gente. Eu quero manter esse lugar como se fosse continuar o escritório dele. Ele queria que as pessoas olhassem, conhecessem sua história. Vamos colocar até material para servir de pesquisa. E vamos continuar com o pãozinho de queijo da fazenda, com leite da roça.Adriana - Ele gostava de abraçar. Ele puxava assim para o peito (faz o gesto). E a vaidade dele - eu estava falando isso para a dra. Ludhmila (Hajjar, médica goiana que o tratou em São Paulo nos últimos dois meses) -, todo mundo tem uma vaidade, um desejo, de fazer uma viagem, um carro, uma roupa, um sapato. Ele não ligava para nada disso. O que ele gostava de contar, e isso o envaidecia, era chegar de mutirão ou qualquer evento e dizer: “Você precisa ver o tanto de gente querendo tirar foto comigo. Uma loucura, o tanto de gente que veio me abraçar”. Isso era a melhor coisa da vida dele. Era a maior vaidade dele.Ana Paula - A primeira coisa que ele falava depois de alguma inauguração, algum evento, entrava no carro e falava: “Você viu o carinho que o povo tem?” O governador Ronaldo Caiado brincou que ele não sabia andar de bicicleta, que acha que ele nunca entrou numa piscina, não era de viajar, de conhecer lugares, só gostava da vida pública. Como viam isso?Ana Paula - Não. Nunca fez nada disso. Eu nunca vi meu pai numa piscina, praia, nunca, nada disso. A Mariana (neta) lembrou que ele entrou na água na fazenda uma vez porque eles fizeram uma aposta, ele perdeu e ela pediu pra entrar no rio. Mas não era de nada dessas coisas. A gente tentava marcar uma viagenzinha e ele nunca queria. A Mariana me perguntou: meu avô nunca viajou com todos vocês? E eu falei que a única foi aquela em que ela estava presente.Adriana - Não, viajamos também quando eu tinha dez anos, quando ele ganhou a primeira eleição, estava no ministério e ainda não tinha tomado posse, em 1982. Ele queria conhecer kibutz em Israel, comuna na China, o Egito.Ana Paula - Não era uma viagem assim preparada pela família. Mas fomos todos nós, nós cinco (Iris, dona Iris, as duas e o irmão, Cristiano). Mas ele tinha compromissos. Não era a viagem de apenas passeio, só pra família. Teve Portugal, quando ele fez 80 anos, que aí fomos todos nós e os netos. Foi essa única.(Ex-secretário Particular de Iris, Wilson Baleeiro Júnior comenta que ele nunca queria sair mais cedo da Prefeitura e evitava viajar; que, quando ia às fazendas, no fim de semana, ainda parecia querer retornar rápido)Ana Paula - Ele ainda falava assim: “Vocês não comentam com ninguém, não” (risos).Adriana - Quando ele ia para o Mato Grosso, ele pedia para não falar. E eu falava: “Pai, mas é final de semana, o senhor tem todo direito!”Ana Paula - Férias, nunca tirou. O Marcos Carreiro comentou no podcast Giro 360, sobre quando andou com Iris pela cidade, que ele ficava no carro observando os problemas no asfalto, lixo, calçadas. Adriana - Sim. Só que isso não era porque estava com o Marcos, toda vez que a gente ia para Guapó era a mesma coisa: “Mas o Toti (ex-presidente da Comurg, Aristóteles de Paula) não viu isso aqui?” “Ah, mas ali está sujo”. E ligava (pros auxiliares). Como foi depois que ele deixou a Prefeitura? Ficava mais em Goiânia ou na fazenda?Ana Paula - A gente ia pra fazenda, mas ele não ficou lá o tempo todo. Ficava lá uns cinco dias, vinha, atendia as pessoas no escritório, e aí criou a rotina. Vinha cedo. Eu ontem estava pensando que não atendi a um desejo dele. E eu não tenho esse sentimento de que deixei de fazer algo. Graças a Deus, tudo que eu podia fazer para ajudar, para estar perto, eu fiz. Mas...Adriana - Ana Paula sempre foi uma filha muito dedicada.Ana Paula - Mas ontem eu fiquei pensando que eu fiz uma coisa que eu não devia ter feito. Ele não queria que marcasse agenda para ele aqui. Queria que fosse aberto, portão aberto, e chegasse quem quisesse. Aí eu avisava que estava marcado com fulano e ele: “Marcado?” Aí eu dizia que a pessoa que tinha ligado para pedir. E ele repetia muito: “Não quero que marque”. E a gente marcava. Por causa da pandemia. Eu ficava muito preocupada. Eu via que ele ficava contrariado com a situação, então a gente escondia isso dele. E aí hoje fico pensando: por que não deixou aberto do jeito que ele queria? Ele queria estar com as pessoas. Uma vez ele me falou que o que ele mais sentia falta, depois que saiu da Prefeitura, era de gente. Ele falou: “Eu preciso de gente”. Ele queria receber, não interessava quem. E dizia: “Fala pra vir a hora que quiser”. Depois da pandemia, seria possível, né.Ana Paula - Essa pandemia deu uma grande frustração nele. Passou esse último ano frustrado. Você via que ele ficava contrariado. “Como que não pode chamar para ir inaugurar? Como que não posso abraçar? Vou tirar a foto com a máscara? Como vão guardar essa foto?” E qual foi o envolvimento dele na aliança do MDB com o DEM do governador Ronaldo Caiado, com a definição de Daniel Vilela de vice?Ana Paula - Não, ele era muito procurado. E ele recebia as pessoas e acho que dava sinais. Não posso falar porque a conversa era dele, reservada, então não sei exatamente. O que a gente via é que ele era muito procurado e, da forma dele, acho que dava alguns sinais de que era favorável a essa aliança. Mas eu nunca o vi falando disso por iniciativa dele. (Ex-secretário de Comunicação da Prefeitura, Vassil Oliveira comenta: “Só tem um que poderia falar, que é o Barack”)Ana Paula - Barack estava em todas.Adriana - Ele agora está meiguinho. Super meigo. Porque ele era chato. Era de proteger meu pai, era dos mais confiantes. Mas era uma história de amor entre os dois...Ana Paula - Ele era muito chato.Adriana - Meu pai tinha toda aquela coisa, tinha horário para ele dormir, daí a pré-dormida era na almofada no sofá, aí dava a hora dos dois dormirem, ele o colocava na caminha dele, e levava o Barack carregado.Ana Paula - Ele levava igual neném.Adriana - Igual neném. E na hora de comer, ele sempre dando comidinha, e minha mãe implicada, que não era pra dar comida pro Barack na mesa. Mas não adiantava pedir. Eu falava: “Esquece. O cachorro tem 6, 7 anos”.Ana Paula - Ele levantava de madrugada e ia lá para cobrir o Barack. Achava que ele podia estar com frio.Adriana - Como ele defendia demais, o Barack ficava enjoado. Só que agora... Na época do Neurológico (internação em agosto), eu chegava lá, acho que ele sentia o cheiro do meu pai em mim e vinha, ficava bonzinho. Agora está docinho. Ele não era um cachorro de se pegar. A gente é tudo cachorreiro, mas ele era arredio com a gente. Agora está superdoce.Ana Paula - Olha a foto que me mandaram. Dia 22 de outubro. Trouxeram ele aqui no escritório. Diz que ele foi correndo pra sala do meu pai, e ficou procurando. E aí deitou como se ficasse esperando. Não é de matar? De partir o coração. E na hora que eu vi o cartaz “cuidem do Barack”... Vi comentários nas redes sociais também pedindo notícias do Barack.Ana Paula - Vou dar notícia dele.Adriana - Ah, é mesmo, dá notícia dele.Ana Paula - A gente teve muita vontade de levar o Barack (para São Paulo) porque eu acho que seria bom demais para ele. Eu pensei: quando ele for pro apart-hotel, eu vou levá-lo. Porque a gente já estava pensando na alta dele, nós chegamos a olhar o apart-hotel. A médica falou que daria alta, mas pediu pra ficarmos por perto por um tempo para dar segurança. Aí eu pensei: quando isso acontecer, minha mãe vem e traz o Barack. Porque aí ele acaba de sarar.Adriana - Sair do ambiente hospitalar era muito importante, principalmente para recuperação da questão neurológica. Porque mesmo um paciente que não sofre AVC, mas que está em ambiente hospitalar, perde a noção. Em qualquer paciente, ficar muito tempo internado atrapalha muito o ritmo.Ana Paula - Perde a noção do dia e noite. Isso em idoso é muito, muito comum. E depois que sai, a recuperação evolui muito. Então a gente estava com muita esperança mesmo. E ele chegou perto várias vezes. E quando foi?Adriana - Quatro vezes. A primeira foi aqui em Goiânia. Na semana seguinte à internação, os médicos chegaram muito alegres falando da possibilidade de alta. Mas aí no sábado ele teve a crise convulsiva. Pra mim, foi o pior momento. A convulsão levou a arritmia, caiu a pressão, dessaturou, e teve que reentubar. Mas com 48 horas já estava bom de novo e falaram novamente em alta. Aí eu estava lá e ele começa a sentir calafrios. Fez todos os exames e já viu que o pulmão estava encharcado, por conta de uma descompensação hemodinâmica. E aí foi abortada a alta.Ana Paula - Foi quando a gente assustou demais e decidiu transferi-lo para São Paulo.Adriana - Mas foi muito também para buscar uma UTI mais humanizada porque ele ficava muito desorientado. Aquela coisa de luz branca o dia inteiro, um espaço pequeno, a gente entrava vestida de um monte de coisa, ele não nos enxergava. Os médicos falavam que o ideal era ser monitorado, mas num ambiente de apartamento, com janela. E foi quando a gente decidiu mudar. Porque ele ficava enlouquecido.Ana Paula - Essa vez do pulmão, acharam que era Covid. E fizeram vários exames, e enquanto isso havia muitos cuidados para entrar e ele não nos via. Aí achamos melhor levá-lo. E lá em São Paulo, foram duas expectativas de alta?Adriana - Sim. Ele chegou com o pulmão encharcado e identificaram infecção, além do edema pulmonar, e começaram a tratar. Mas ele já tinha emagrecido muito. Só que, em 48 horas, os exames já estavam melhorando, ele respondeu superbem, voltou a alimentação na sonda, começou fisioterapia. Foi uma crescente. Começamos a programar ir para um apartamento.Ana Paula - Eles queriam tirar porque sabem que, quanto mais tempo ali, maior é o risco. E eles ficavam muito impressionados com a força dele, com a resistência. Diziam: “Não é possível que tem 87 anos”.Adriana - Só que aí de novo, depois que melhorou, teve uma arritmia e ficou o dia inteiro com fibrilação atrial. Ele já tinha e por isso tomava o anticoagulante. Mas ficou intenso e aí abortaram a alta. Depois veio uma febrinha com calafrio também. Aí viram que estava começando infecção de novo. Ele sempre saía, mas tinha de parar alimentação, e o organismo, para vencer infecção, demanda demais. Aí cada vez, emagrecia, debilitava.Ana Paula - Na verdade, eu acho que esse tempo todo... Acho que era a hora dele mesmo. Então não interessa se está no melhor hospital. Eu acho que esses três meses foram mais para nós, o tempo que Deus deu para a gente nos preparar, para aceitar. Porque é muito difícil. A figura do meu pai era tão forte que eu não conseguia imaginar a gente viver sem ele. Pensava: ele é forte, vai seguir, dá conta. Então esse tempo foi para ir nos preparando para a falta dele. Se fosse de repente, com toda aquela vitalidade no dia a dia, ia ser muito mais pesado.Ana Paula - Nossa, não... E ele tentou, você via que ele lutava, ele queria. Por nós. Na verdade, ele já vinha nos preparando antes. Meu pai já sabia. Ele já sabia. Na última vez em que fomos para a fazenda, foi uns 15 dias antes dele ter o AVC. Até já tínhamos combinado a próxima ida, que seria inicialmente no dia (6 de agosto) do AVC, mas por ser Dia dos Pais, ele queria passar com o Cristiano, a Adriana, e aí ficamos de ir na semana seguinte. Mas nessa ida de antes, um dia ele estava sentado na varanda na fazenda, como ficava muito no final do dia. Ele costumava sentar e ficar olhando e falava da natureza, dos pássaros. Aí eu: Pai, o que está pensando? Ele estava com pensamento longe. Estava assim já há algum tempo.Adriana - Estava, muito introspectivo.Ana Paula - Muito pensativo, muito. Aí quando perguntei, ele falou: “Eu estava pensando aqui o tanto que Deus foi bom pra mim. Olha o lugar que ele preparou para eu passar meus últimos dias”. Aí eu falei: “Pai, para com isso, que últimos dias? Para dessa conversa!” Ele já vinha falando isso. Aí ele falou: “Eu acho que é a última vez que eu venho aqui”. Contei para a Adriana quando chegamos. Então, acho que ele sabia. Ele foi avisado de alguma forma. Ele sabia. Pessoas próximas comentaram que, dias antes do AVC, já estranharam algumas coisas em Iris. Teve algo? Era possível identificar sinais do AVC?Adriana - Não. Durante a cirurgia, até me mandaram mensagem perguntando se ele estava estranho no dia anterior. Eu ainda mandei um vídeo dele dando parabéns para o pastor Oídes. Gravou de improviso, sem nenhum sinal. Os médicos viram que tinha sangramento recente e sangramento de 15 dias com coágulo formado.Ana Paula - Falaram que tinha sangue de três idades: antigo, médio e recente. Não sabiam dizer quanto tempo de cada um, mas disseram nunca ter visto.Adriana - A sorte é que é um cérebro de idoso. O dr. Walter falou: se fosse em você, teria morrido na hora. No cérebro de idoso, existe um espaço que foi sendo preenchido. A gente percebeu alguma coisa, como às vezes falha de memória, mas 87 anos, né? Às vezes ficava muito quieto, mas eu pensava que era aquele processo interno de ter se aposentado. Vivendo o luto dele.Ana Paula - É, eu sentia ele assim, triste. Ele ainda fazia exercícios?Adriana - Bicicleta em casa.Ana Paula - E tinha voltado pro personal. Um dia antes inclusive ele fez exercícios. Eu até liguei para o personal para saber se ele tinha percebido algo, e ele disse que só o achou triste. E no dia, na hora que cheguei (no escritório), olhei pra ele e pensei: aconteceu alguma coisa. Estava triste. O Barack no colo e ele ficou olhando um tempão pro Barack. Aí ele comentou que estava com leve dor de cabeça, lá no fundo. A gente já estranhou porque ele não é de ter dor de cabeça. Aí ele falou: “Está forte”. O médico achava que não era AVC porque ele respondeu todos os comandos. E era muito grande.Adriana - Foram duas coisas: o lado (do AVC), que não é de motor nem fala, e foi mais periférico. O que poderia ficar de sequela, segundo o médico, era memória, uma leve falta de percepção do lado esquerdo, e percepção de distância. E outra coisa que o médico falou e em São Paulo a gente já via, por exemplo, um dia o Daniel (neto) chegou e a enfermeira perguntou quem era. Ele respondeu: “É sobrinho dela (da Adriana)”. Não falou que era filho da Ana Paula ou neto dele. Ou então deram creme de frutas, de manga com alguma coisa. Perguntamos que frutas eram e ele respondeu: “Frutas amarelas deliciosas”. (risos)Ana Paula - Com aquela inteligência, ele dava um jeito de responder. Teve um dia muito engraçado em que a gente colocou o programa da minha mãe para ele assistir. Aí a enfermeira perguntou quem era a mulher. Ele falou: “É uma linda mulher casada com um homem muito feio”. (risos) E aí deu uma risadinha. Ele teve um bom humor esse tempo todo. Ele fazia ficar leve, ria dele mesmo, tinha esses momentos bons. Tivemos muitos momentos bons ali. E ele sempre querendo agradar, mostrar que estava bem. Médicos chegavam e ele ficava simpático.Adriana - Ele mudava com os médicos. Às vezes, a gente ia andar no corredor e tinha um posto em que ficam médicos e enfermeiros, muita gente, e ele: “Boa tarde, meus irmãos”. Como se estivesse em evento político.Ana Paula - É, ele passava pelos quartos, via os pacientes e dizia: “Salve”. O povo adorava.Adriana - Aí teve um dia em que, no meio do corredor, ele quis parar, estava cansado. Aí eu falei: “Pai, vamos até o final, aquela ali votou no senhor”. Aí ele quis: “Vamos, vamos lá”.(Ex-assessores de Iris contam que no dia do AVC, ele comentou com precisão a questão da taxa do lixo, em discussão na capital, mas depois teve um momento de confusão)Adriana - Ah, é, ele perguntou do pai do Marcos Spenciere (Nigel Guido Spenciere, ex-deputado e ex-sócio de Iris na advocacia), que já morreu.Ana Paula - Achei muito bom porque ele viu que tinha errado. Ele perguntou: “E seu pai, Marcos?” Aí ele: “Uai, padrinho, meu pai morreu.” Aí ele parou e falou: “Pra você ver o tanto que eu gosto do seu pai; até hoje eu acho que ele tá aqui” (risos). Mas foi a hora que eu pensei: tem alguma coisa errada. Assustei e cancelei as outras reuniões. Ele morreu há muitos anos e meu pai sabia disso, não ia esquecer.(Ex-assessor diz que ele estava muito bem ao sair do Neurológico, quando foi para São Paulo)Ana Paula - Mas sabe por que ele ficou bem desse tanto? Eu até pensei: meu pai sarou. Mas foi porque ele achou que estava indo para casa.Adriana - Ele entrou naquele elevador numa alegria. No corredor, ele com a cabeça levantada, vendo tudo. Na hora que desceu, viu o Paulo Ortegal e falou “oi, Paulinho”.Ana Paula - E ele entrou muito alegre e falou “estamos indo pra casa”. Quando viu que era transferência, viu o avião, a Adriana foi explicar e vi no olhar dele a decepção. Ele foi a viagem inteira quietinho, sem falar uma palavra. Deu uma tristeza nele. Ele reclamou de estar lá?Um dia ele olhou pra mim e falou: “Vamos embora daqui. Coloca o carro lá fora e a gente sai sem ninguém perceber”. Aí eu falei: pai, não tem jeito, tem de acabar o tratamento. Depois ele falou em pegar um avião e voltar. Não tinha condições de tirar. Teve um dia que o Daniel chegou lá e ele tinha muito medo do avô não reconhecê-lo. Aí meu pai falou: “Ô, meu netinho querido”. Ele estava sentado na cadeira, o Daniel falou “tchau, vô, estou indo agora”. Aí ele pegou a mão do Daniel e puxou com força, daquele jeito dele. Foi a única vez que ele chorou.(Adriana mostra vídeos da fisioterapia, de Iris se alimentando, caminhando no corredor) Fazia fisioterapia nas pernas e braços?É. Fazia um pedalzinho e caminhada. Ele comia superbem. Mas passou dois dias dormindo, teve de parar de comer, porque tem risco de engasgar. Aí ficou sonolento e sem apetite. Ele chegou a ficar sem medicação alguma na veia, aí veio a sonolência, e começou a última infecção e foi muito forte. Chegou a recuperar seis quilos em São Paulo, mas depois começou a perder de novo. A gente fazia esses vídeos para mandar pra minha mãe. A dona Iris foi pra lá quando?Nesse período em que ele estava ótimo e minha mãe já tinha vacinado a terceira dose, organizamos pra ela ir. Mas no dia que chegou, tinha começado a infecção, tinha colocado catéter de novo, 15 dias antes de entubar. Ele chegou a vê-la?Adriana - Chegou. Mas a infecção deixa a pessoa sonolenta. Então tinha momentos lúcido, mas momentos rebaixado.Ana Paula - Deixa eu contar essa. Teve um dia em que eu e Adriana estávamos conversando com ele e minha mãe entrou. Falei: pai, olha quem está aqui. Aí ele: “A rainha chegou”. A última foi a dra. Ludhmila. Ele sempre beijava a mão dela. E aí três dias antes, ele já não estava mais falando.Adriana - Ele tinha passado o dia inteiro sem conversar nada, com ninguém. Impressionante.Ana Paula - Nada, nada. Muito fraco. Aí ele falou nitidamente, só que mais devagar: “Dra, muito obrigado por tudo. A senhora é uma pessoa diferente e quero manter a nobreza dessa amizade para sempre”. Ela chorou. Ela realmente é diferente. Vocês receberam ligações de lideranças políticas de fora?Ana Paula - O presidente José Sarney ligou e falou tão sentido. Falou tanta coisa bonita que meu pai representava. Fiquei emocionada. Várias outras mensagens, notas, de muita gente.Adriana - Essas conversas ajudam muito a gente. Duro é chegar em casa e não vê-lo.Ana Paula - O importante é que ele fez tudo que queria fazer. Realizou todos os sonhos. Eu vou ficar aqui e o pão de queijo vai continuar.-Imagem (1.2353878)