A flexibilização do pagamento de dívidas da União reconhecidas pela Justiça, decorrente da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, passou a ser questionada no STF (Supremo Tribunal Federal).OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e associações de magistrados e servidores ajuizaram uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra as alterações. Elas pedem em caráter cautelar a suspensão das emendas promulgadas pelo Congresso, além da declaração de inconstitucionalidade das medidas.Também fazem parte do grupo a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), a CSPB (Confederação dos Servidores Públicos do Brasil), a CSPM (Confederação Nacional dos Servidores e Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais), a Conacate (Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado) e a Cobrapol (Confederação Brasileira de Trabalhadores de Policiais Civis).As alterações constitucionais contestadas pelas entidades foram feitas após proposta do governo no ano passado, que justificou a necessidade da medida citando o expressivo crescimento de precatórios em 2022 (de 61%, para R$ 89 bilhões). O Executivo afirmava que o montante, ao lado da necessidade de outras despesas (como benefícios sociais), não caberia no teto de gastos.O Congresso, após as discussões, aprovou a flexibilização solicitada pelo governo em duas emendas - depois de fatiar o texto para ele ser aprovado mais rapidamente. Em uma delas, mudou a regra de correção do teto de gastos (causando sua expansão). Em outra, criou um limite anual para o pagamento de precatórios dentro do teto.O montante de precatórios não pagos passou, com a medida, a ser postergado para exercícios seguintes - com possibilidade de ser quitado antes por meio de medidas alternativas (como pagamento com desconto de 40%, quitação de dívida ativa, encontro de contas com dívidas de entes subnacionais, compra de imóveis públicos, entre outras).A ação no STF chama as medidas de “moratória” sobre os precatórios e afirma que as emendas violaram um conjunto expressivo de direitos e garantias fundamentais.As entidades levantam um conjunto de argumentos para apontar tanto a inconstitucionalidade formal, em decorrência do que chamam de “vícios no procedimento adotado na aprovação das emendas”, como a inconstitucionalidade material acerca do conteúdo das normas aprovadas.ManobraNa primeira frente de argumentação, sobre os procedimentos, é contestada especificamente uma manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que autorizou parlamentares em missão a participarem da votação.A manobra foi fundamental para aprovar a PEC, conforme mostrou a Folha de S.Paulo. Oito deputados votaram graças à brecha criada, sendo que o texto foi aprovado com uma folga de apenas quatro votos.Outro ponto contestado é o fatiamento da proposta. A PEC, após aprovação pela Câmara, foi remetida ao Senado. A proposta foi alterada na Casa - mas não inteiramente devolvida à Câmara.Por meio de acordo entre as lideranças, os presidentes da Câmara e Senado decidiram promulgar a fatia da proposta sobre a qual havia consenso. “A promulgação de trecho que não sofreu alteração viola a exigência constitucional de aprovação pelas duas Casas do Congresso Nacional. Isso porque a PEC consiste em proposição una, que deduz alterações constitucionais pensadas para fazer sentido em sua totalidade”, afirmam as entidades.Já na discussão sobre o conteúdo da proposta, a ADI levanta contestações a seis pontos. Entre eles, o próprio estabelecimento de um teto para o pagamento dos precatórios.“Não bastasse a inconstitucional e arbitrária estipulação de um limite para o pagamento de dívidas, o dispositivo estabelece que só haverá garantia de receber os valores no exercício financeiro seguinte mediante renúncia de 40% de seus créditos, verdadeiro confisco estatal do patrimônio dos cidadãos”, afirmam as entidades.Também é questionado o uso da Selic para corrigir os valores dos precatórios. Para as entidades, o índice é inconstitucional e não cobre a inflação. “A atualização abaixo do índice inflacionário, de forma unilateral e impositiva, representa confisco.”As entidades questionam o encontro de contas, mecanismo por meio do qual contribuintes que devem à União podem abater o débito no mesmo valor dos precatórios que têm a receber dela. Elas dizem que essa medida já foi declarada inconstitucional pelo STF após emenda de 2009 e que o texto viola a separação dos Poderes ao restringir a eficácia das decisões judiciais.