O fato de o roteiro do primeiro giro internacional do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ter incluído Portugal encheu de expectativas não só as autoridades lusitanas, mas também a sociedade civil e parte da imensa comunidade brasileira que reside na terra de Camões. A esperança é que as relações entre as duas nações possam recuperar uma maior proximidade, algo que evaporou no mandato de Jair Bolsonaro, presidente que em 4 anos não fez sequer uma visita ao país. Lula chegou a Lisboa vindo do Egito, onde participou da Cúpula do Clima como convidado especial dos anfitriões. O discurso que fez por lá, reposicionando o Brasil nas discussões sobre meio ambiente e fazendo um amplo contraponto às ações de Bolsonaro na área, repercutiu na Europa e sua chegada a Portugal também foi cercada por este impacto. A fala foi definida de “exuberante” pelo jornal The New York Times, por exemplo. Antes de embarcar Lula ainda se reuniu com o secretário-geral da ONU, o português António Guterres. Mas sua vinda a terras lusitanas tem caráter mais específico. Atualmente, existem cerca de 250 mil brasileiros registrados que vivem no país, mas estima-se que o número real seja o dobro disso. Eles formam o maior contingente de estrangeiros no país.Essa quantidade imensa de gente requer políticas públicas que precisam ser acertados entre as duas nações. A convivência entre portugueses e brasileiros, em geral, é tranquila, mas casos de xenofobia e racismo têm crescido. A questão da regularização do trabalho, do acesso ao sistema de saúde e até da influência linguística são assuntos debatidos com frequência. Lula já avisou que quer debater esses temas em Portugal, assim como novas oportunidades de negócios. Um encontro de cúpula oficial entre os dois governos não é realizado desde 2016. Lula chegou em um momento também delicado para Portugal. Nesta sexta, parte dos serviços públicos foram paralisados por uma greve. Os funcionários públicos receberam reajuste salarial de 3,5% diante de uma inflação na casa dos 10%.É uma “viragem”“O Brasil estava num zero de relações internacionais. Bolsonaro imprimiu a doutrina do ‘nós contra eles’. Isso também ocorreu no cenário interno”, analisou o cientista político Jorge Botelho Moniz, que fez seu doutorado no Brasil, em entrevista à CNN Portugal. “Bolsonaro tinha resistência à globalização, em trabalhar em conjunto sobre a Amazônia. Por isso Bolsonaro se permitiu avançar contra a Amazônia com forte desmatamento”, completou, ao comentar a participação de Lula na Cúpula do Clima, no Egito. “É saudável que estejamos falando de transição do poder no Brasil e não mais do risco de um golpe”, finalizou.Ele e seus colegas definem a eleição de Lula como “uma viragem”, uma mudança completa de rota do Brasil em praticamente todas as áreas. Isso já era prenunciado no dia da vitória do ex-presidente, quando seu discurso foi transmitido, ao vivo e na íntegra, por quase todas as emissoras lusitanas dedicadas ao jornalismo, mesmo já sendo madrugada na Europa. Muito desse interesse deve-se à enorme comunidade brasileira em Portugal – é o maior grupo de estrangeiros no país –, mas também em razão de motivos muito práticos para os lusitanos: oportunidades de negócios com um diálogo que, preveem, será mais próximo.As transações entre os dois países têm potencial de incremento. Portugal consome muitos produtos agrícolas tupiniquins, sobretudo neste momento em que a Guerra da Ucrânia limitou as opções de compra desses produtos. O turismo feito pelos brasileiros e o mercado imobiliário aquecido com a chegada de mais gente do Brasil disposta a se instalar de vez por aqui têm trazido divisas. Recursos humanos também estão nessa pauta. O número de estudantes do Brasil em universidades lusitanas mais que dobrou nos últimos 5 anos e Portugal acaba de criar um tipo de visto que facilita a vinda de brasileiros para trabalhar.