Triz vem do grego thríks, isto é, “fio de cabelo”. Para o estudioso brasileiro Luís da Câmara Cascudo, a expressão brasileira “por um triz” veio da anedota de Cícero, que conta a história de Dâmocles. Ele teria recebido a proposta de trocar de lugar com o tirano Dionísio de Siracusa, depois de ter feito admiração bajuladora de seu ídolo. Com isso, ganhou o poder e a vida do rei, mas, à mesa do banquete, uma pesada espada estava sempre pairando sobre sua cabeça, presa apenas “por um fio de crina de cavalo”. Por um fio também foi a eleição de Zé Wilson (PMN) para prefeito de Moiporá. A diferença de votos entre ele e o segundo colocado, Wolnei Moreira (PSB), foi de apenas dois votos. Um desafio para o eleito e uma sina do derrotado.Wolnei é o atual prefeito da cidade e concorria à reeleição. Foi eleito em 2016 quando era candidato único em uma coligação com 12 partidos. Em 2012, no entanto, foi notícia nacional, por ter perdido a eleição para o Executivo municipal por apenas um voto de diferença do vencedor, na época, Nilson Rodrigues Da Silva (PSDB) – 682 a 681. As não-conquistas do político parecem ser sempre assim, por pouco. A frustração está na sua voz. “É assim mesmo”, repetia na entrevista para esta reportagem, em que não escondia o sentimento de desmotivação que o toma desde domingo, quando o resultado foi divulgado – 1.044 votos contra 1.046 do adversário.Nascido em 1964, em Diorama, a 107 km de Moiporá, disputou a eleição pela primeira vez em 1982, aos 18 anos. Concorria para vereador no município em que mora atualmente, mas perdeu. “Ganharam os mais velhos”, relembra. Só 26 anos depois voltou a pleitear um cargo político, quando entrou no páreo para prefeito, em 2008. Nesse meio tempo, trabalhou com contabilidade e inclusive chegou a ser secretário municipal de saúde, entre 2001 e 2004, na administração de Ricardo Alves Ferreira, irmão de Zé Wilson, que foi eleito prefeito em 2020.O rompimento com o grupo do atual adversário não ficou bem explicado nem por um nem por outro. Mas Wolnei tem a teoria de que sua visibilidade política tenha incomodado os irmãos. Ele não sabe dizer o que exatamente o motivou a entrar na vida política depois de tanto tempo de uma derrota para vereador. Mas lembra que era muito procurado pela população em seu escritório de contabilidade. Segundo ele, queriam que exercesse algum mandato.Entrou tanto na política, que foi um dos fundadores do PSB em Moiporá. Com isso, acabou sendo visto como um político mais à esquerda, apesar de não se definir como tal. Derrotado na disputa de 2008 para prefeito, a primeira para cargo majoritário, decidiu estudar. Foi quando fez o curso de gestão pública na Universidade Paulista. O conhecimento adquirido, conta, foi importante para que pudesse amadurecer como alguém que queria ser administrador de uma cidade.Não queria esmorecer e sempre teve o apoio da família, segundo relata. “Eles também participam, são pessoas que se dedicam a cada projeto.” Isso fez também com que se tornassem alvos de ataques. Sem querer entrar em detalhes, Wolnei relata que seus familiares foram alvos até de ameaças. “Tem muita amizade nesse meio, mas também muita inimizade. Até por isso a gente cogita a possibilidade de se afastar da política.”Em 2012 se formou e, então, partiu novamente em busca do objetivo de ser prefeito, que não conquistou por um triz. Foi destaque nacional pela pífia diferença entre ele e o candidato vitorioso. Um único voto. Só em 2016 conquistou o sonho, enquanto candidato único na disputa. O curso de gestão pública, conta, foi essencial para os quatro anos de mandato. Em 2020, candidato à reeleição, vive de novo o pesadelo.LamentaçõesFrustrado e decepcionado, para ele a explicação é a falta de reconhecimento ao seu trabalho. Chega a questionar se o povo quer candidatos limpos eleitos, e cita o fato de não ter tido o nome envolvido em escândalos ou processos. Apesar de ter declarado mais de R$ 1 milhão em bens no Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), pondera, ainda, se não foi “o baixo poder aquisitivo” que o fez perder. Na sua avaliação, o poder financeiro pesa muito na escolha do eleitor de cidades pequenas. À vitória de quatro anos atrás, porém, ele atribui o fato de ter conseguido juntar uma ampla frente política a seu favor. Neste ano, em vez dos 12 partidos, sua coligação tinha apenas a adesão do Cidadania, que formava a dupla com o PSB na aliança. Wolnei também não quis contar sobre votos que tenha perdido, que talvez fizessem diferença no resultado. Só sabe que muitos de seus apoiadores enfrentaram problemas devido à atipicidade desta eleição. “Foi cheio de turbulência, alguns estavam fora e não conseguiram voltar a tempo, outros preferiram ficar em casa por conta da pandemia”. Sobre 2012, ele diz que não lembra de um caso específico, mas ouviu diversas histórias de quem prometeu voto e depois escolheu o adversário ou se absteve.Desapontado, Wolnei não sabe se vai enfrentar outro processo eleitoral na vida e diz que agora está focado na transição para o novo prefeito. “A gente fica bem chateado, porque fizemos um trabalho voltado para a comunidade. É triste ver que os mesmos grupos de sempre voltam ao poder, isso desmotiva. Mas o futuro a deus pertence, quero dar uma repaginada na vida, seguir em frente”. Para descrever sua situação atual ele usa da metáfora “a ver navios”. “A gente fica perdido.”Prefeito eleitoComo Dâmocles, Zé Wilson agora vai ocupar o cargo de poder. Foi prefeito da cidade entre 1993 e 1996, mas desta vez se vê tal qual o personagem da anedota, não só a eleição, mas um governo por um triz. Sobre a sua cabeça pesará a espada dos 1.044 eleitores que não votaram nele, 49,95% dos votos válidos, que estarão esperando por qualquer vacilo. “É doído ganhar por tão pouco, judia demais, mas para o adversário é pior ainda.”O prefeito eleito diz que, apesar do resultado apertado, está feliz. A conversa com ele foi breve, a todo momento tentava parar a entrevista e já ia se despedindo quando ainda havia muito a perguntar. Mas no tempo que nos concedeu, preferiu comemorar a lamentar e se rendeu à retórica política: “Vou governar para todos, sem distinção, cada um tem seu direito de votar e pensar individualmente.”O resultado apertado ele credita à polarização já conhecida na cidade. “Não entre grupos políticos específicos, mas a campanha aqui é sempre muito acirrada, parece que já está virando tradição”. Wilson afirma que inclusive já superou as rivalidades da campanha e já abraçou o adversário. “Já até começou a transição, tudo bem encaminhado e estou olhando o que precisa ser feito a partir do ano que vem.”Dez anos mais velho que Wolnei, ele garante que não há nenhum ressentimento quanto ao prefeito. “É um amigo, é um caboco bom, gosto dele.” Em relação à participação do adversário no governo de seu irmão, Wilson minimiza e diz que a parceria não deu certo porque o pessebista “é de esquerda”. Criticado na campanha por já ter ficado inelegível, ele prefere não comentar. “Foi condenação particular, nada a ver com a prefeitura”. E diz que o mais importante é a relação de afeto que ele e a família têm com a cidade. Eleito pelo PMN, Wilson se candidatou com o apoio do PL e do PP. Chegou a receber apoio do governador Ronaldo Caiado (DEM) e também tinha ao seu lado outros ex-prefeitos, além de seu irmão, como Onilto Soares Ribeiro, que governou de 2009 a 2012, Nilson Rodrigues da Silva (2013-2016) e José Pereira da Costa (1989-1992/1997-2000). “Somos companheiros de todos aqui, gostamos do lugar e gostamos do povo, vamos para o quarto mandato, dois meu e dois do meu irmão”, disse ao fim da ligação, já com súplicas para que as perguntas se encerrassem, apesar de manter a educação e a simpatia. “Depois a gente conversa mais, quando eu for prefeito”, desligou.-Imagem (Image_1.2155088)