Embora a primeira dispensa de licitação mencionasse R$ 5,22 milhões por quatro meses, o contrato do Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Goiânia (GoianiaPrev) com a Fundação Instituto de Administração (FIA) poderia chegar a R$ 31,3 milhões, segundo dados do processo de contratação da entidade, que foi cancelado nesta quarta-feira (29), depois de representação feita pelo Ministério Público de Contas (MPC) do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-GO).Após as irregularidades apontadas pelo MPC, com pedido de suspensão do processo, o GoianiaPrev publicou a anulação do termo de inexigibilidade de licitação que permitia a prestação de serviço da fundação. O processo, segundo o MPC, previa a validade do contrato por dois anos - inclusive por sugestão da FIA -, o que ampliaria o valor do pagamento.O Ministério Público de Goiás (MP-GO) também havia aberto procedimento sobre o caso e informou que acompanharia a decisão do TCM, a quem caberia julgar o pedido de suspensão feito pelo MPC.A representação do procurador de Contas Henrique Pandim Barbosa Machado foi protocolada na segunda-feira (27) e ainda não havia data marcada para o julgamento. O presidente do GoianiaPrev, Fernando Meirelles, teve audiência ontem com o relator da ação no tribunal, conselheiro Sérgio Cardoso, e informou que havia cancelado o processo.Depois da decisão do próprio instituto, o TCM-GO deve considerar perda de objeto e arquivar o pedido feito pelo MPC. O tribunal informou, no entanto, que ainda aguarda os documentos a serem apresentados pelo GoianiaPrev.O termo de anulação foi publicado no Diário Oficial do Município (DOM), com referência ao número do despacho, mas sem citar o objeto do contrato e a fundação, e sem divulgação por parte do instituto.Fernando Meirelles disse ao POPULAR que, desde o início do processo ele havia estabelecido que só assinaria o contrato depois que passasse pelos órgãos de controle. “Tanto que foi eu que levei tudo ao MP-GO e ao TCM”, disse. Ele, no entanto, só entregou os documentos aos dois órgãos após reportagem do POPULAR do dia 18 de agosto mostrando a dispensa da licitação.Ele também disse que deve definir nos próximos 20 dias uma solução para a demanda do instituto que seria objeto do contrato. “Vamos fazer uma força-tarefa e discutir internamente para buscar resolver.” Sobre a duração do contrato por dois anos, o presidente disse que a FIA havia sugerido e o instituto acatou pelo volume de trabalho necessário.No fim da tarde, o GoianiaPrev afirmou por meio de nota que “todo o processo de contratação ocorreu dentro da mais pura lisura e em total respeito aos ditames legais, com o objetivo de promover a recuperação de créditos previdenciários e reestruturação do RPPS, sendo que desde o nascedouro, sempre foi determinação do prefeito Rogério Cruz (Republicanos) e do presidente que houvesse posicionamento dos órgãos de controle internos e externos”. A nota também destaca que não houve formalização de empenho e nem assinatura do contrato.SuspeitasEm abril, O POPULAR revelou que consultores da FIA estavam recebendo os secretários de Goiânia em um hotel no Jardim Goiás para discutir ações prioritárias e demandas de estrutura da gestão, sem nenhum contrato com o município. Os encontros coincidiram com o período de rompimento do MDB com a administração do prefeito Rogério Cruz (Republicanos) e com a chegada de correligionários do prefeito vindos de Brasília para participar das decisões do Paço Municipal. Na época, a especulação é de que a consultoria da FIA havia sido recomendada pelo Republicanos do Distrito Federal.Quatro meses depois, O POPULAR mostrou que o GoianiaPrev publicou o ato dispensando licitação para contratar a FIA para fazer estudos relacionados à Previdência do município, no valor de R$ 5,22 milhões por quatro meses. O despacho previa “prestação de serviços técnicos especializados na elaboração de diagnóstico, aperfeiçoamento normativo, modelagem financeira e estudos atuariais, com objetivo de desenvolver novos e possíveis cenários e estratégias de sustentabilidade do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos servidores”.Na semana seguinte, o MPC abriu procedimento para investigar o caso. Na representação, o procurador de Contas Henrique Pandim Barbosa Machado apontou “uma série de vícios jurídicos, inconsistências procedimentais e indícios de favorecimento indevido” à FIA.O documento, de 34 páginas, também indica suspeita de “ingerência da fundação nas decisões da Administração”. De acordo com a investigação do MPC, a FIA sugeriu ao GoianiaPrev a inclusão de itens no projeto básico do contrato e também prorrogação da contratação de um ano para dois anos, e houve atendimento por parte da Prefeitura. O procurador considera o episódio “fato inusitado”.“Os fatos reforçam (...) que a Administração municipal sequer sabia quais eram as suas próprias necessidades – já que a FIA parece saber mais quais são os problemas do GoianiaPrev do que a própria autarquia – bem como passam a impressão de que pode haver alguma espécie de direcionamento da contratação”, diz o procurador na representação.O documento afirma ainda que havia ausência de justificativa sólida quanto à necessidade de contratar, utilização indevida de inexigibilidade de licitação, açodamento do procedimento e que os serviços da suposta consultoria são inerentes ao próprio GoianiaPrev.No dia 26 de agosto, quando o MPC iniciou a investigação, a Prefeitura de Goiânia divulgou nota afirmando que o processo de contratação era “transparente, obedecia a todos os requisitos da dispensa de licitação, e que não houve nenhum gasto público até o momento”. O POPULAR procurou ontem a assessoria de imprensa do prefeito Rogério Cruz, mas não houve resposta. FIA diz que teve reuniões desde 2019 para entender demandaQuestionada sobre a suposta ingerência na administração municipal de Goiânia apontada pelo Ministério Público de Contas (MPC/TCM), a Fundação Instituto de Administração (FIA) afirmou que “teve reuniões com o GoianiaPrev desde 2019 para entendimento da demanda potencial, pois essa é a praxe em qualquer projeto de consultoria”. “As sugestões oferecidas são decorrentes de sua expertise acumulada ao longo de 40 anos de projetos dessa natureza”, respondeu a fundação, ao ser questionada sobre as sugestões feitas e acatadas pela Prefeitura no projeto para seleção da entidade que fecharia o contrato.O presidente do GoianiaPrev, Fernando Meirelles, admitiu que de fato houve acatamento da sugestão de ampliação do prazo de um para dois anos e que não há irregularidades na troca de e-mails entre a FIA e o instituto. “Se tivesse alguma irregularidade, algum direcionamento, não teríamos entregado para o TCM todos os e-mails, todos os documentos”, disse, para completar: “Mas isso agora não vem ao caso. O que importa é que seguimos a recomendação e cancelamos”.Sobre o cancelamento do processo de contratação, a FIA afirmou que não cabe a ela comentar ou avaliar decisões do instituto. “A FIA, cujo corpo técnico é composto por alguns dos principais especialistas em regimes próprios de previdência no País, cumprindo as suas atribuições institucionais, atendeu ao convite do Goianiaprev, e segue à disposição para apoiar, assim como sempre fez, e seguirá fazendo, em relação a todos os estados e municípios, nesse tema relevante para a população e as finanças públicas”, afirmou.Quanto aos encontros com secretários em abril, a entidade disse que “foi convidada pelo município para participar, como ouvinte, de reuniões que seriam realizadas com diversas esferas de governo para compreender suas necessidades e, eventualmente, opinar sobre acordos de cooperação técnica que poderiam ser realizados para apoiar a gestão”. “Não houve compromisso de contratação nem convite para apresentar proposta.”O POPULAR também perguntou quem bancou os custos da entidade com o hospedagem, uso do espaço do hotel para as reuniões e transporte para a vinda a Goiânia e a entidade respondeu que foi ela própria, mas que cedeu também à Prefeitura o espaço. “(A equipe) hospedou-se na cidade e, como sempre faz, reservou um espaço de trabalho no hotel, pois toca diversos projetos simultâneos e precisa de um espaço para trabalho remoto. Ali, recebeu os representantes do município. Eles gostaram do espaço, avaliaram que tinha boas condições de proteção em virtude da pandemia, e pediram para realizar outras reuniões com outros grupos de trabalho. A equipe concordou e cedeu o espaço”, afirmou.A entidade negou que tenha vínculo com a Faculdade Republicana, que é do partido Republicanos.