Empossado na semana passada, o novo presidente da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Rafael Lara, promete começar no próximo mês a liderar um movimento em defesa da redução de custas judiciais e cartorárias, em um embate com o Poder Judiciário. “Elas são efetivamente excessivas e umas das mais caras do País”, afirma. Lara também falou ao POPULAR sobre congelamento da anuidade, programa de renegociação de dívidas, relação com o governo estadual, riscos de politização da Ordem, problemas financeiros na Casag, posicionamento sobre o Plano Diretor de Goiânia e atuação da entidade em temas de interesse da sociedade.Sua gestão vai lançar programa de renegociação de dívidas e houve muitas críticas à OAB-GO sobre falta de auxílio e iniciativas durante a pandemia. Como vai funcionar o Refis? A entidade não poderia ter feito algo antes?A Ordem concedeu mais de 500 auxílios durante a pandemia. E, assim como toda a sociedade, também teve dificuldade financeira muito significativa em razão da inadimplência que chegou a 44%. Hoje já reduziu de 30% a 35%, que historicamente sempre foi o porcentual. Houve diversas medidas da gestão anterior, com cursos que passaram a ser totalmente gratuitos durante a pandemia, atendimento aos advogados para levantamento de alvarás. No que era papel da OAB, cumprimos bem. Não destoamos de outros Estados. Hoje percebemos momento de reaquecimento da economia. E possibilitar que aquelas pessoas que eventualmente tiveram dificuldades na pandemia, ou até mesmo um pouco antes, e querem voltar e se reorganizar com o menor ônus possível, é uma forma de incentivar essa retomada. Nesta quarta-feira teremos reunião extraordinária do Conselho Seccional e a diretoria levará proposta de Refis para parcelamento de 24 a 30 vezes e isenção proporcional de juros e multas de acordo com a forma de pagamento. Vai haver prazo de adesão até 30 de abril.São R$ 28 milhões a receber?Sim, mas nisso estão incluídas anuidades já prescritas e que não podem ser cobradas. A Ordem tem poucos mecanismos de cobrança. A OAB-GO, diferentemente do que foi dito na campanha, nunca deixou de prestar serviço para a advocacia em razão de inadimplência. O advogado é atendido pela Comissão de Prerrogativas, utiliza as salas da OAB no Fórum, se inscreve em cursos gratuitos e não há verificação de adimplência. A prestação de serviços da Ordem é igual, sem discriminar ou deixar de atender.Mas eles não puderam votar nas eleições.É uma legislação federal, do Brasil inteiro. Não pode votar, não só na Ordem, mas em todas as entidades de classe, associações, em todos os condomínios.Qual a expectativa de arrecadação com o Refis?É difícil estabelecer porque é inédito na história da Ordem. Nós gostaríamos de recuperar pelo menos 30% dos valores que estão em aberto. É uma meta de reinclusão da advocacia.O que representa a falta deste valor de R$ 28 milhões no caixa da OAB-GO?Os impactos são os mais diversos. Em obras, especialmente nas subseções. Hoje temos 57 subseções no Estado e somente 20 têm sede. Quem sabe até, com inadimplência significativamente menor, não conseguiríamos pensar em valor de anuidade mais barato.Essa questão da anuidade também é reclamação recorrente por Goiás ter uma das maiores do País. É possível pensar na redução em curto prazo?Também vamos submeter ao conselho nesta quarta-feira o não reajuste da anuidade. O problema de ser a maior do Brasil vem de herança que recebemos. Era a maior e hoje é a terceira. Goiás é o oitavo Estado em número de advogados. Penso, considerando a proporcionalidade, que deveríamos estar em oitavo no ranking da anuidade. Seria razoável pensar isso. Mas Goiás também tem uma série de estruturas profissionalizadas e de serviços da advocacia que muitos Estados não têm e geram custo. A OAB-GO é a única, por exemplo, que tem Procuradoria de Prerrogativas profissionalizada, com concurso público; tem 177 salas espalhadas no Estado. E a advocacia de Goiás é a única do Brasil que recebe 100% do valor de sua anuidade de volta em prestação de serviço direto. É importante isso porque nossa anuidade é a terceira maior do Brasil considerando o valor cheio. Mas o tíquete médio da anuidade não está entre as três maiores, é de R$ 760. Não são todos os Estados que têm progressão de desconto como aqui. Com a sessão extraordinária desta quarta, será a primeira vez na história da OAB-GO que teremos anuidade com valor inferior ao salário mínimo nacional. Quando Lúcio Flávio assumiu, em 2016, a anuidade valia 160% do salário mínimo. E vamos buscar manter uma gestão criativa, proba. Nos últimos seis anos, não tivemos reajuste. O objetivo é, quem sabe, até conseguir reduzir, além de deixar de repassar a correção, desde que a gente não abra mão dos benefícios que quero para a Ordem. Se a gente quisesse ser oportunista ou populista, da noite para o dia a anuidade de Goiás poderia vir para o valor de R$ 760. Só que o advogado no início de carreira iria pagar da mesma forma que aquele estabelecido há mais de cinco anos. E não é este o conceito. A diferença de 10 colocações no ranking muitas vezes está em menos de cem reais. Se quiséssemos agir com oportunismo, poderíamos reduzir 20, 30 reais e cair no ranking, mas temos de tratar a advocacia com mais respeito e seriedade.Que outros projetos são prioridades do início da gestão?Estamos trabalhando em um grande choque de gestão. Temos muitos desafios, especialmente na Caixa de Assistência dos Advogados. E isso nos traz uma responsabilidade administrativa grande. Mas para a advocacia, de início queremos implementar três grandes projetos que foram promessa de campanha: incubadora de novos escritórios, planejamento de carreira e o meeting, que é um programa que fará um encontro da sociedade e das empresas que têm vagas disponíveis para advogados e colegas que estão procurando emprego. O maior desafio é ajudar na inclusão e reinclusão dos advogados no mercado de trabalho.Qual é o problema da Casag?Sugiro que você converse com o Jacó (Coelho), presidente eleito da Casag. Você sabe que era presidida por um colega que foi candidato a presidente da Ordem (Rodolfo Mota), que caminhava com a gente e não caminha mais, e o Jacó pode detalhar mais. Mas hoje a gente encontrou uma Casag que aparentemente não é tão saudável quanto a gente esperava.O que é exatamente? Tem déficit, descompasso, suspeita de desvio?Não, não estou falando em desvio nem nada disso. Simplesmente algumas unidades da Casag são deficitárias economicamente. Não se sustentam. Mas temos um projeto sendo desenhado para, administrativamente, solucionar isso, da mesma forma que solucionamos em 2016 uma OAB em situação financeira periclitante.O sr. diz que quer “manter uma gestão proba”. Na campanha, foram revelados gastos com festas, jantares, restaurantes. Houve gastos excessivos e haverá mudanças nisso?Não vejo como excessivos. Na campanha inteira falou-se em três ou quatro eventos pontuais, que eram voltados a colégio de presidentes seccionais, em que a maior parte do dinheiro que se investe vem do próprio Conselho Federal, com verba própria. Tivemos um grande evento, de encontro das caixas de assistência, da mesma forma, tem verba própria do Conselho Federal. E os outros eventos foram jantares ligados a congressos. São todos eventos que não têm utilização específica do valor da anuidade da advocacia. E recepções. Quando digo que não vejo excesso, é que quando a gente recebe, por exemplo, presidentes de seccionais de todo o País, quem escolhe o restaurante, o cardápio, como será, não é a OAB-GO, mas o Conselho Federal da Ordem. Não temos gestão sobre isso. E queremos receber bem.A OAB tem um papel histórico de envolvimento em questões que vão além das demandas da advocacia. O sr. disse em uma entrevista que é a favor da atuação da OAB-GO em pautas relevantes, mas não sobre “qualquer notícia de jornal”. Qual será este filtro?A OAB deve sempre se pautar na proteção da Constituição Federal. Isso deve ser o nosso norte. O ex-presidente do Conselho Federal Claudio Lamachia dizia que é o partido da OAB é a Constituição. O cuidado que a Ordem deve ter é não permitir que suas posições se politizem. À medida que surgirem os temas a serem debatidos, vamos ter posicionamento muitas vezes da própria Ordem ou eventualmente das comissões, que falam por elas próprias. Mas esse filtro vai depender sempre do que a sociedade e a advocacia esperam da Ordem.A OAB nacional foi criticada por politização e haverá sucessão este mês. Acha que houve mesmo politização e que isso deve mudar?Sim. Entendo que a OAB nacional em alguns momentos permitiu partidarização ou politização de algumas manifestações e acredito muito que a próxima gestão, como o próprio próximo presidente, Bento Simonetti, disse aqui na nossa posse, e o presidente Lúcio também falou. Acho que o Conselho Federal desce do palanque neste momento e temos uma sobriedade maior das manifestações da OAB.Na discussão de atos antidemocráticos no País, como se manifestar e evitar as acusações de politização?Esse é um grande desafio que todos os presidentes e gestores de Ordem enfrentam e enfrentarão. Deve haver sabedoria de compartilhar os temas nos colégios de presidentes e tentar focar especificamente em casos em que a sociedade tem tolhidos os preceitos e princípios da Constituição. O medo da politização também não pode servir de incentivo a um silêncio da Ordem nos momentos em que precisa agir. Este ano temos eleições que serão bastante desafiadoras. Independentemente de lado de uma polarização a que se assiste, se houver ataque à Constituição e à democracia brasileira, é preciso reagir de forma bastante intensa e presente.Sobre o distanciamento de governos, na campanha o sr. disse que não há proximidade do atual grupo com o governo estadual. Mas houve uma atuação da filha do governador Ronaldo Caiado, Anna Vitória, em defesa de sua campanha. Fala-se até em reuniões no Palácio. Como será esta relação?Temos uma relação saudável, não apenas com o Poder Executivo estadual, mas também com o municipal, de Goiânia e da maioria dos prefeitos do interior, independentemente de partidos, com o Poder Legislativo municipal de Goiânia e estadual. A relação saudável é estar suficientemente próximo para dialogar sobre as questões a serem resolvidas pela Ordem e suficientemente distante para, sempre que necessário, agir com independência e firmeza. Sobre a Anna Vitória, eu fico triste sempre que misturam as coisas. Ela é advogada há 20 anos, apoiou as eleições do presidente Lúcio ainda em 2015, muito antes do pai dela ser governador. Quando a resumem a “filha do governador”, me entristeço. Sobre reuniões no Palácio, eu nunca participei de nenhuma.Há denúncia de aumento de tortura nos presídios de Goiás em 126%. Houve a morte nesta terça-feira de Wanderson Protácio, no Complexo Prisional. E há ainda falta de transparência e aumento de mortes provocadas por policiais em supostos confrontos. Esses dois temas são aqueles que não são “qualquer notícia de jornal” ou não é o caso de a OAB se manifestar?Ao contrário, é papel da Ordem manifestar e atuar como a gente vem fazendo. A OAB não pode se distanciar em temas tão caros à sociedade. Sobre a notícia de um extermínio na cela hoje, como ainda não temos um novo presidente da Comissão de Direitos Humanos, eu destaquei o Roberto Serra, que é atual conselheiro federal e que era o último presidente, para tratar do assunto. A OAB-GO já está promovendo os atos necessários e, se necessário, vai agir. Sobre a violência policial, temos em andamento uma ação civil pública que trata do tema, estartada com o caso do dr. Orcélio. Temos acompanhado, pari passu, com muita preocupação. Ontem mesmo fizemos reunião com o novo diretor-geral do sistema penitenciário. Ele se mostrou sensível às demandas. A gente deve se reunir em breve com o secretário de Segurança Pública também para levar preocupações e cobrar posicionamento. Sobre o Plano Diretor de Goiânia, acha que a OAB-GO também tem de se posicionar?Se, eventualmente, houver um debate sobre constitucionalidade, acredito que sim. Acredito que o Legislativo tem tentado atender o que determina o Ministério Público e vamos acompanhar. Se tiver algo que fira a constitucionalidade do trâmite legislativo, poderemos participar. A Ordem, se convidada, vai participar das audiências públicas. É claro que vamos destacar o presidente da comissão que seja responsável e que tenha conhecimento técnico do assunto.Em meio às discussões sobre pontos mais polêmicos do Plano Diretor, há crítica a uma emenda que reduz área de proteção permanente e permite construção em margem de córregos e foi apontado como autor da emenda o empresário Ricardo Cantaclaro, que é seu sogro. Isso te deixa em situação complicada em relação a esse debate?Desde que começou a eleição da OAB, eu me afastei um pouco do tema Plano Diretor, independentemente de meu sogro estar apresentando alguma emenda. Eu confesso até que tecnicamente está sendo mal interpretado o que ele está apresentando, e isso não é uma posição da Ordem. Mas, desde as eleições, eu me afastei de qualquer manifestação e posicionamento sobre Plano Diretor, não apenas por isso, mas porque eu tive no passado envolvimento em audiências públicas do PDG como cidadão, da associação do Marista. E agora eu não posso como presidente de Ordem apontar eventuais posições que eu tenha como cidadão. Por isso disse que vou destacar alguém com conhecimento técnico para acompanhar o tema e estar lá em nome da OAB. O sr. já disse que vai atuar em favor da redução das custas judiciais. O que está planejando?Este ano, o grande tema de debate com o Poder Judiciário que temos em Goiás é das custas judiciais e cartorárias. A ideia é fazer um grande pacto social com diversas entidades e representações da sociedade civil. Vamos iniciar com a promoção do bom e grande diálogo com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Se não for possível, adotaremos outras medidas. Mas a Ordem tem essa como uma das grandes bandeiras dessa gestão. O que tem de mudar?São várias questões. Há redução, mas também reestruturação do próprio sistema de custas, de momento de cobrança. É um grande projeto, bastante complexo, e vamos apresentar em breve um plano de trabalho sobre isso. Hoje, as custas são efetivamente excessivas e umas das mais caras do País. Isso é uma prioridade da nossa gestão. Em fevereiro, vamos começar a mobilizar a sociedade civil.