A atualização em 33,24% no piso salarial para professores da educação básica, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no dia 27, deve gerar um impacto superior a R$ 650 milhões por ano para os municípios goianos. Esta é a previsão inicial feita pela Federação Goiana dos Municípios (FGM), que, em conjunto com outras entidades, tem orientado prefeitos a concederem aumento limitado apenas à reposição inflacionária, que ficou em 10,16% em 2021 — valor do INPC.A orientação foi feita em nota assinada pela FGM, juntamente com a Associação Goiana dos Municípios (AGM), na semana passada. No texto, as entidades criticam o porcentual proposto pelo governo federal e apontam para insegurança jurídica da medida. Segundo a nota, o reajuste segue os critérios da Lei 11.738/2008, que regulamenta o piso nacional dos professores da educação básica, e, por isso, deve gerar problemas.Isso ocorre porque essa lei determina que a atualização do piso “será calculada utilizando-se o mesmo porcentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007.” Esta lei, porém, foi revogada pela 14.113/2020, que regulamentou o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).“Não há segurança jurídica para aplicação do porcentual calculado pelo MEC. Em que pese o fato de a lei do piso estar vigente, ela aponta para uma normativa que não existe mais no mundo jurídico”, diz o texto, que se baseia em entendimento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).O argumento, entretanto, é visto por especialistas como uma forma de ganhar tempo, uma vez que a nova legislação trata do valor anual mínimo por aluno, parâmetro usado para cálculo da atualização do piso.O presidente da FGM, Haroldo Naves (MDB), diz ao POPULAR que “é impossível os municípios pequenos e médios darem conta de pagar” o reajuste. “Inviabiliza a gestão e os municípios ainda vão ultrapassar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Com certeza vai ter judicialização.” A LRF determina o limite de 54% para despesa total com pessoal em prefeituras.Para Haroldo, o aumento é eleitoreiro. “Fui professor e reconhecemos a importância da educação, mas esse índice é inviável, e foi feito de maneira eleitoreira, irresponsável e inconsequente. O governo federal joga (o problema) para estados e municípios, e provoca conflito com a classe de professores.”O piso é definido pelo governo federal, mas, na educação básica, os salários são pagos por prefeituras e governos estaduais.CasosO prefeito de Iporá, Naçoitan Leite (sem partido), afirma que “nenhuma prefeitura tem condições de pagar”. “É um absurdo o que o presidente fez com os prefeitos. Temos condições de pagar 10,16%. Agora, pagar uma diferença de 33%... Para mim, o presidente extrapolou. Estamos esperando a medida vigorar para entrar com ação na Justiça. Não vamos pagar, não tem condições.”Valmir Pedro (PSDB), prefeito de Uruaçu, por sua vez, já anunciou que cumprirá o porcentual e deve enviar projeto de lei para a Câmara Municipal nesta semana. “Faço isso desde meu primeiro mandato. No ano passado não foi possível pela lei da pandemia (Lei Complementar 173).”Segundo ele, precisará fazer ajustes. “Vou ajustar a máquina pública ainda mais e devo extrapolar o limite da LRF. Estou em 50% hoje e devo chegar a 55%. Vou ter o ano para fazer a receita crescer e enxugar a máquina para chegar no fim do ano abaixo de 54%, senão corro risco de ter o balanço geral rejeitado.” O reajuste deve gerar um impacto de aproximadamente R$ 400 mil mensais na cidade.Questionado se Uruaçu tem uma condição diferente da dos demais municípios, que questionam a atualização do piso, ele diz que não. “Não tem uma condição financeira melhor, mas estou colocando isso como prioridade. Já reuni a minha equipe e dei missão de enxugar mais e trabalhar para aumentar a receita. Mas não é fácil. Realmente o governo federal fica com o bônus político e nós com o ônus fiscal.”Em nota, a Secretaria de Educação de Goiânia (SME) informa que iniciou discussões sobre o pagamento do piso. “Representantes da pasta se reuniram com a diretoria do Sintego, na semana passada, para avaliar o reajuste de 33,24% anunciado pelo governo federal. Ficou definido nesta audiência que representantes da SME e do sindicato representativo irão se reunir com o prefeito Rogério Cruz, nos próximos dias, para chegar a um denominador comum sobre o tema.”Sintego vai pressionarO Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego) deve iniciar, nesta semana, movimentos de mobilização da categoria nos municípios com o objetivo de pressionar pelo cumprimento do piso. “Em não acatando até 16 de fevereiro, tomaremos outras medidas”, diz a presidente, Bia de Lima.“Infelizmente, insistem em questionar muito mais com propósito de não acatar a lei que está em vigor. O próprio MEC (Ministério da Educação) refluiu e confirmou o custo aluno (o ministério publicou, no dia 14 de janeiro, nota dizendo que a Lei 11.738/2008 “faz menção a dispositivos constitucionais e a índice de reajuste não mais condizentes” com a nova legislação). É a partir dessa questão que se fazem as contas, e não pelo INPC, como querem. Tentam contestar a forma de cálculo do reajuste”, afirma.Com a atualização de 33,24%, o piso dos professores da educação básica em início de carreira passa de R$ 2,8 mil para R$ 3,8 mil. Em relação ao Estado, Bia diz que conversou com a secretária de Educação, Fátima Gavioli, e que deve cobrar, além do pagamento do piso, o seu cumprimento sobre a carreira, o que garante reajuste salarial também aos professores que não estão mais em início de carreira. “(O governador Ronaldo) Caiado vem dando calote e achatando a nossa carreira. Precisamos, mais que nunca, que as pessoas entendam que a lei do piso de 2008 foi reiterada pela lei do Fundeb e pelo Plano Nacional de Educação.”