“Se o governo federal imaginou que ia confirmar o piso e não se envolver com a questão, ele está enganado.” A fala é da deputada Professora Dorinha (União Brasil-TO), presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e uma das principais articuladoras do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).Ao POPULAR, ela diz que municípios que estão com as contas organizadas e, mesmo assim, não conseguem pagar o aumento de 33,24% no piso dos professores, devem cobrar do governo federal a criação de critérios claros para que possam solicitar auxílio financeiro para isso. Ela também questiona propostas como a da Federação Goiana dos Municípios (FGM) de deixar a União responsável pelo pagamento do magistério. “Significaria a federalização da educação básica.”Que avaliação faz da atualização de 33,24% do piso dos professores feita pelo governo federal? Prefeitos acusam o presidente Jair Bolsonaro (PL) de praticar medida eleitoreira.Há uma série de equívocos sobre isso. A lei é de 2008, então, não é uma coisa que o governo federal inventou agora por questão eleitoral, e olha que nunca fui defensora do governo, até porque sou democrata e minhas bandeiras são até mais distantes do governo. Mas a lei não é atualizada desde 2008 e, obviamente, pode ter distorção. Acho até que a lei precisa ser atualizada. Fato é que ela está em vigor e, no ano passado, foi argumento para não ter aumento nenhum. Outro ponto sobre o qual há uma série de confusões: não é 33% de aumento para os professores, mas um aumento no piso. Então, em tese, não deveria influenciar no restante da carreira. Além disso, a própria lei coloca que cabe à União, nos casos em que o ente federado demonstrar que não pode pagar o piso, fazer a complementação. Então, penso que as entidades representativas dos municípios podem lançar mão (desse argumento). Eles têm que cobrar do MEC a regulamentação: quais critérios para que estados e municípios busquem ajuda (da União)?A categoria questiona o fato de os 33,24% incidirem só sobre os professores que ganham o piso, ou abaixo dele, e não àqueles que ganham acima.A lei é do piso. Ela criou um valor mínimo de referência nacional e, em cima desse valor mínimo, estabeleceu critérios. Então, não são 33% sobre o que o município paga, mas um aumento para atingir o mínimo que o professor, dentro daqueles critérios que envolvem carga horária e formação, vai receber. Não é um aumento genérico. Até acho que o MEC, para evitar embates locais, deveria fazer uma nota de esclarecimento. Embora a lei já seja suficientemente clara, não atrapalha. Uma nota explicando a quem se aplicam os 33%.Existe o argumento de que a não concessão do reajuste sobre a carreira acaba achatando a própria carreira do magistério. Como a sra. avalia isso?Esse é um fenômeno que vem acontecendo ao longo de anos, não é uma coisa desse momento e, em parte, os sindicatos têm razão. Como a regra de correção está estabelecida em cima do piso, alguns municípios e estados estabeleceram uma organização de carreira como cascata: aumentou o piso, aumenta o porcentual das outras posições da carreira. Só que isso é uma construção local, são leis municipais ou estaduais. A lei que define piso não trata da carreira. Então, discutir uma nova lei (federal) é necessário, envolvendo gestores, mas o fato é que os 33% foram colocados para o piso, o que tem de ser cumprido, sem prejuízo de um debate em relação à carreira. O que pode ser feito (agora) é uma correção sobre a inflação (para quem ganha acima do piso), mais alguma coisa para ganho real, mas obviamente, até pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é preciso fazer contas para saber se conseguem fazer essa concessão, que é legítima, para que se tenha uma carreira atrativa. Mas é uma discussão que deve ser feita sobre cada realidade.Como municípios podem pedir ajuda do governo federal?O município precisa estar com seus ajustes em dias. Um município que está com tudo ajustado, que tem uma boa arrecadação, que tem uma organização de contas, ou seja, certinha a questão do próprio teto de gastos, e ainda não vai conseguir (pagar o piso), ele precisa de ajuda. E uma coisa importante é que, na relatoria da PEC do Fundeb, tive a oportunidade de colocar que, pela primeira vez, a União vai, até 2026, mais do que dobrar a complementação (no Fundeb). Então, vai chegar dinheiro novo. Como é que ele vai ser aplicado? Quais são essas regras? A lei coloca, inclusive, que o dinheiro não pode ser usado 100% para pagar a folha. Existe lá um carimbo de, no mínimo, 15% para investimentos de capital e na estrutura, porque não adianta crescer folha indefinidamente, por mais justo que seja. A escola, a educação, não é mantida só com pagamento de folha. É preciso melhorar biblioteca, laboratório. Então, tem uma trava. Isso tudo está na lei do Fundeb, mas é lógico que isso tem que ser compatibilizado com a questão do piso. O município que não consiga reservar o mínimo de 15% para investimentos, tem que buscar ajuda, e quem está (responsabilizado) na lei para isso é o governo federal. Se o governo federal imaginou que ia confirmar o piso e não se envolver com a questão, ele está enganado. Cabe às entidades e aos próprios municípios comprovarem que não conseguem pagar, e à União, complementar.Esteve com o ministro da Educação, Milton Ribeiro. Falaram sobre o piso?Também. Falamos que é preciso criar uma comissão para analisar em que situação cabe essa complementação, e como vai se dar. Talvez seja mais rápido por custeio, mas para isso é necessário estabelecer critérios. Não pode ser ‘ah, o município está livre para gastar dinheiro’, e aí ele vem, bate na porta, e diz: ‘Olha, meu dinheiro não deu esse mês. Preciso do dinheiro do piso’. Não pode ser assim. Tem que estabelecer critérios para ser transparente, ter regra clara para quem é gestor, para os professores e para a própria sociedade.A FGM defende que o governo federal assuma o pagamento do piso dos professores, o que aconteceria retendo 70% dos recursos destinados ao Fundeb para este fim. Há chances de uma proposta assim ser efetivada?Isso significaria a federalização da educação básica. Não falo nem contra nem a favor, mas é uma mudança que deve ser feita em lei para passar toda a gestão da educação à União. Outros países funcionam assim, mas são lugares com dimensões muito diferentes do Brasil, e com outra organização do próprio sistema. Eu inclusive sou a autora de um projeto de lei complementar que cria o Sistema Nacional de Educação e, nesse sistema, é possível estabelecer o que fica na competência dos municípios, estados e União. O fato é que não é tão simples o argumento de a União ficar com 70% (do Fundeb) antes de repassar. A União não repassa esse dinheiro. O Fundeb é um fundo em que estados e municípios depositam e recebem o dinheiro no porcentual correspondente ao número de alunos. Então, não caberia. O dinheiro não vem da União. Acho que as entidades municipalistas precisam centrar numa proposta usando o que está na lei. O exequível é estabelecer critérios sobre quem pode pedir ajuda (ao governo federal para pagar o piso).Houve o veto de 100% das emendas (RP8) da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, que é presidida pela sra, enquanto outras comissões não tiveram corte nenhum ou apenas parcial. Por que isso ocorreu, em sua avaliação?Na verdade, as emendas de comissão são para apoiar a gestão federal. Essa discussão do veto, agora retornando aos trabalhos, nós vamos fazer com o próprio governo federal, porque o orçamento da educação, no geral, foi um dos que tiveram maior porcentual de corte no País. O valor do orçamento para a educação brasileira foi muito aquém do necessário e algumas ações do governo federal foram praticamente paralisadas. Então, ainda há chances de recompor (as emendas). Vamos analisar as razões argumentadas pelo veto.A sra. recusou convite para o Ministério da Educação. Se estivesse à frente da pasta, faria algo diferente?Nesse reforço de formação da educação básica, acho que a gestão tem que ser mais próxima, e de apoio aos municípios. O ministro (Milton Ribeiro) entrou, inclusive, para tentar recompor uma relação muito complicada que existia com o ex-ministro (Abraham Weintraub), de enfrentamento e questionamento com a rede. O diálogo é importante. De igual forma, acho que os recursos não devem ser só para educação básica. A pesquisa e as universidades e institutos federais são importantes. Mas, basicamente, eu teria um foco muito direcionado ao apoio aos municípios. Há muitas cidades pequenas que não têm equipe técnica e, se não forem abraçadas por um ente mais forte, não conseguem realizar.