A 24 dias de encerrar o mandato, o prefeito de Goiânia, Iris Rezende (MDB), tem as mesas e prateleiras de seu gabinete no Paço Municipal lotadas de placas, troféus e outros objetos de homenagem pelos 62 anos de vida pública e pela despedida da carreira política. Envaidecido, ele nunca falou tão bem de si mesmo como nesta última entrevista concedida ao POPULAR à frente de um mandato.Disse que não tem nenhuma frustração sobre as quatro gestões de prefeito e que ele e Pedro Ludovico foram os maiores benfeitores da capital. Cobrado sobre a promessa não cumprida de resolver os problemas do transporte coletivo, se exaltou ao atribuir a culpa ao ex-governador Marconi Perillo (PSDB). Também foi incisivo ao dizer que não terá escritório político, mas sim um local para receber amigos, e, embora tenha reafirmado que se aposentou, declarou apoio à reeleição do governador Ronaldo Caiado (DEM) em 2022. Um apoio pessoal e não político-partidário, diz.O prefeito afirma estar certo de que o sucessor, Maguito Vilela (MDB), vai preservar seu legado e que entendeu sua posição de neutralidade. O MDB está fora do governo estadual há mais de 20 anos e ainda assim conseguiu ganhar nas duas maiores cidades e ter a maior votação no Estado. Que avaliação faz do resultado das eleições e o que será do MDB de agora em diante?Eu não vivi com a intensidade necessária esse pleito. Anunciei com muita antecedência o encerramento da minha carreira política e até fui procurado por muitos que queriam fotografia, vídeo, e eu não quis. Fiquei absolutamente distante desse pleito. Já expliquei que só disputei a eleição anterior para consertar a Prefeitura. E eu deixo a cidade absolutamente tranquila na parte administrativa. Deixo praças reformadas e construídas. Deixo salas de aulas para as crianças, sem déficit no ensino infantil. Com essas salas modulares, a gente monta uma sala para atender 40, 50 crianças em meia hora, na própria escola. Estamos deixando o ensino infantil e fundamental, embora suspensos pela epidemia, absolutamente regularizado. Na área da saúde, havia todas aquelas deficiências quando assumimos. Era caso até de polícia. Instituíram o tal de chequinho e autorizavam internação que não era realizada, mas recebiam. Eu não quis envolver polícia em nada disso. Quis cuidar do meu mandato. O atendimento hoje está absolutamente regular. São, para mim, as duas áreas mais sensíveis. Goiânia está uma cidade feliz. Dediquei todo o meu amor a Goiânia nesses quatro anos para consertar a Prefeitura e deixá-la à altura dos sonhos da população. Saio com a consciência tranquila. Vim, consertei. Não temos dívidas, temos dinheiro em caixa. As obras que não forem concluídas, temos dinheiro em caixa. Mas vamos terminar muitas.O sr. não tem interesse então no resultado das eleições para o MDB e o futuro do partido?Eu não me envolvi. Nem em Goiânia. Fui procurado pelo Maguito e falei que não sou homem de duas conversas. Anunciei que encerrei a minha carreira. Não é conversa fiada. Encerrei por entender que já estou em idade passando da hora de terminar. Eu anunciei que estava encerrando a carreira política quase um ano antes da eleição (ele falou em janeiro que não pretendia ser candidato, mas sempre alimentou as dúvidas; só confirmou que não disputaria a reeleição no final de agosto, pouco antes do início das convenções partidárias). Fiquei realmente isento. Não impus a nenhum secretário que apoiasse A ou B. Agora, acontecem coisas interessantes, né? Todos os meus secretários apoiaram o Maguito. Por que é interessante?Eu deixei livre. Eu não o apoiei. Não pedi voto. Não fui em reunião política para cumprir a decisão que tomei. Acha que eles devem permanecer nas secretarias?Ah, não penso nisso, não. Isso é coisa absolutamente dele (de Maguito). Uma coisa que nunca aceitei foi intromissão na constituição de equipes de governo, e fui governador duas vezes, prefeito, quatro. Eu nunca constituí equipe politicamente buscando aquele que me ajudou mais na eleição ou que me deu mais voto. Equipe para mim é coisa sagrada. Você não conhecia ninguém dessa equipe que eu trouxe para a Prefeitura. Da eleição até a posse, a minha preocupação é ficar procurando técnico para isso, fulano para aquilo. E sempre fui feliz. Maguito disse que vai convidá-lo para inaugurar obras que tenham sido iniciadas em sua gestão. O sr. vai participar desses eventos?Não sei. De repente... Eu vou continuar com o meu escritório ali na T-9 para atender amigos. Mas não vou participar de ato político mais. Inauguração de obras então avaliaria mais à frente? Eu não pensei nisso, não. Nem estou pensando. O sr. acha que Maguito vai preservar seu legado na gestão, na política?Olha, eu e o Maguito temos uma vida juntos. Ele sabe o meu trabalho, eu sei como ele trabalha. Ele sabe dos meus compromissos de comportamento, eu sei dos dele. Ele já foi governador, deputado, prefeito de Aparecida de Goiânia. Está absolutamente apto para realizar um bom trabalho em Goiânia sem palpite de quem quer que seja. E se ele quiser conselhos do sr.?Não, não entendo que ele precise de conselhos. Ele conhece Goiânia bem. Seria eu admitir o que não vai acontecer.O sr. disse que vai manter o escritório político...Não, não, não é escritório político. Eu vou manter o meu escritório que eu tinha antes, onde vou receber meus amigos. Eu não vou ficar isolado. Tenho amizades demais. Tenho amigos lá do Sudoeste, do Norte, de todo lado. Chegam e querem me ver. E eu quero vê-los também. É um local para os amigos que quiserem me visitar. É um lugar para tomar o cafezinho e matar a saudade. Só isso. Mas não será escritório político, não. Então descarta a possibilidade de disputar o Senado em 2022, como apontam algumas especulações, inclusive por conta de sua posição de neutralidade este ano?Não existe isso. Eu não sou homem de duas conversas. Naquele momento que falei que encerrei, eu encerrei. Voltei só por causa da situação de Goiânia. Fui claro nisso. Vim para consertar e consertei. Agora acabou. O sr. vai sair do MDB?No momento em que encerrei a minha carreira política também encerrei o meu compromisso partidário. Não cogito isso de sair. Filiar, desfiliar, isso é coisa pequena. No momento em que eu encerrei a carreira, não tem mais isso. O sr. teve uma aproximação grande com o governador Ronaldo Caiado (DEM) nos últimos anos. Em 2022, vai apoiar a candidatura à reeleição dele?Olha, se eu puder dar palpite na época eu virei dar. Não como partidário, nem nada, mas o Ronaldo tem me encantado nesses dois primeiros anos de administração. Eu conheço a administração estadual como a palma da minha mão e ele, sem barulho, sem nada, mudou os rumos da administração. Acha que ele deve ser reeleito, então?Depende dele, se ele vai se candidatar. Hoje, se ele se candidatar, seria reeleito. Eu disse que encerrei minha carreira política, então diria como pessoa, apenas isso. Mas também não quero ficar falando de hipótese. Mas eu sou eleitor. Não cancelei meu título. Se ele porventura se candidatar à reeleição, por que não, se o trabalho dele tem realizado as minhas exigências íntimas como goiano? E se o MDB tiver um candidato ao governo estadual?Eu encerrei minha carreira política. Imagina algum herdeiro do sr. na política?Não, não. Nem estimularia?Todos me acompanham. Em todos os meus anos de vida pública, eu nunca estendi o dedo para determinar: ‘Olha, é aqui, é ali, é assim, é este’. Não. Eu sou um democrata. No momento em que encerrei minha carreira, acabou. Então não conversa mais comigo como político, que eu não sou. O que mais vai fazer quando deixar a Prefeitura, além de receber os amigos no escritório?Eu vou cuidar da minha roça. Eu sou um grande produtor rural. Quando eu fui cassado (em 1969, teve o mandato de prefeito cassado pela ditadura), montei um escritório de advocacia. E de repente meu escritório tinha meio mundo de clientes do Estado inteiro. Era questão de confiança. E aí, além das terras de Britânia, eu comprei no Mato Grosso nessa época. E é muita terra, digo para mim, né. E lá eu tenho seis mil hectares de lavoura, há vinte e tantos anos. Sou um grande produtor de soja e de milho. Então eu tenho de cuidar dessas coisas. Eu passava um mês sem ir lá, ia correndo no fim de semana. Agora, não. Naturalmente vou poder ficar lá uma semana, vir pra Britânia. Vou levar uma vida mais tranquila. Em janeiro, em entrevista ao jornal, o sr. disse que entregaria todas as obras, exceto um viaduto que dependia do governo federal e o BRT. Agora, tem várias obras que não serão finalizadas. Por quê?Ocorreu um problema com essa onda do vírus: material de construção sumiu. As empreiteiras não estão conseguindo encontrar material para entregar. Mas isso é muito pouca coisa. O viaduto da Avenida 136, que é uma obra muito grande, eu falei para o Dolzonan (Mattos, secretário municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos): ‘Olha, essa parte baixa pode deixar para o outro terminar, mas essa parte de cima eu quero passar nela antes da minha saída’ (risos). Porque é uma obra boa. Nós vamos entregar muita coisa. O sr. tem alguma frustração sobre todos os mandatos como prefeito de Goiânia?Não. Nenhuma? Fez tudo o que queria?Hoje eu faço a você uma pergunta: O que tem em Goiânia que não foi Pedro Ludovico ou eu quem fez? O Nion (Albernaz) deixou uma marca. Nion deixou, não tão grande quanto a minha. Qual bairro não foi asfaltado por mim? Só de uma vez, no segundo mandato, eu asfaltei 134 bairros. Ninguém podia imaginar. Aquela Região Noroeste inteira era poeira na época da seca. Quem fez? Foi Iris. Você chega lá no Parque Amazônia, aquele mundo pra lá, quem fez? O Iris. Mais de 90% foi eu, exceto o asfalto no Centro. Eu sempre tive muito prazer e muita disposição para administrar. Eu não vivia em banquete, bebendo cachaça. Levanto cedo, às 5 horas, e pego para valer. O sr. disse que Nion Albernaz deixou uma marca. Ele dizia muito que a gestão não deveria cuidar só de obras de infraestrutura e asfalto e precisava ter flores e estimular a autoestima da população, por isso ficou conhecido como prefeito das flores. E agora, sua gestão neste último ano está plantando flores nas principais avenidas, com gasto (mais de R$ 5 milhões) que nunca houve anteriormente. Por que essa decisão?Eu achei que, por ser a minha última administração, eu tinha de enfeitar a cidade. Porque tudo tem o seu tempo. Naquela época, se eu fosse me envolver com asfalto e com rosa, com florzinha, não dava. Agora, não. A cidade está arrumada, concluí tudo, então vamos enfeitar. Na área da saúde, o prefeito eleito prometeu construir um hospital municipal. O sr. falou que melhorou o atendimento e a situação hoje é muito boa. Diante disso, há necessidade de construção de um hospital?Ah, tem. Tudo quanto se fizer nas áreas de saúde e educação, é pouco. A população aumenta impressionantemente. Embora tenhamos aqui os hospitais estaduais, federais, faculdade e tudo, se puder construir mais um, mais dois, ótimo. E na verdade Goiânia atende a população do interior também. Nunca mandamos um doente embora. Qual é o desafio do próximo prefeito, na sua opinião?É cuidar. Manter. Manter a arrecadação, não fazer extravagância. Na administração pública, a coisa mais fácil que tem é gastar dinheiro. Se você fechar os olhos, em uma semana você quebra um Poder. E aí qual é o meu segredo administrativo? Eu fui prefeito em 1965 e dei um show, modéstia à parte. Fui prefeito em 2004 e dei outro show. Fui reeleito em 2008, quando fiz aquela besteira de ser candidato a governador. Eu não devia ter feito aquilo. Mas qual é o segredo para sair bem? É o que eu fiz no meu primeiro dia de governador, em 1983. Tomei posse e o meu primeiro decreto foi de aquisição de material em toda a administração só com autorização expressa do governador. Fiz isso sempre. Trago para as minhas mãos a responsabilidade de se adquirir até parafuso. Secretário de Finanças tem a função de arrecadar. Gastar é só comigo. Isso me impede de viajar. Se eu viajo, surge uma despesa imediata e eu não estou aqui para assinar. Como faz? Por isso eu não viajo. Mas hoje é possível fazer tudo isso on-line, não?Não sei. Eu não entendia muito dessas coisas. Eu gosto é aqui no papel. Aí eu tomo conhecimento de tudo. Se eu não fizesse isso, tinha o risco de desandar. Uma das promessas que fez quando disputou em 2004 foi de resolver o problema do transporte coletivo, inclusive em seis meses. Continuamos com muitos problemas na oferta do serviço e uma tarifa alta. Essa não foi uma promessa não cumprida?Você então devia publicar minha resposta. Eu assumi o governo, comprei imediatamente 200 ônibus zero quilômetro e vem o senhor governador Marconi Perillo, convoca os prefeitos da Região Metropolitana, cria essa entidade e tomou conta de tudo. Como eu ia enfrentar um governador e todos os prefeitos? Não os mandei às favas porque eu não quis brigar. Enfiei a viola no saco e fui cuidar de varrer a cidade. Mas de lá para cá a Prefeitura poderia ter tomado providências para melhorar, não?Não seria possível em um mandato como o meu agora envolver um projeto dessa natureza que não ia terminar. O Estado assumiu, ele que se vire. Agora, a imprensa não mandou o Marconi à PQP. Ele merecia por vir interferir em questão municipal, querendo se tornar o líder da Região Metropolitana de Goiânia. Eu enfiei a viola no saco e fiquei quieto. Uai, tomou? Tomou, então deixa para lá. E virou isso aí. O sr. acha que não podia ter feito nada, então?Ele como governador junta os prefeitos, cria-se o sistema metropolitano, para levar ônibus lá para Bela Vista, Goianira, isso tudo. Eu não fui convidado e não entraria. Hoje está ele para lá (Marconi mora em São Paulo desde que foi derrotado na disputa ao Senado, em 2018) e o povo aqui sofrendo. Mas foi uma coisa dele. Se eu fosse abrir briga com o governador, eu esquecia minhas coisas. Não asfaltaria o que asfaltei, não construiria a infraestrutura que construí. Você vê nossos córregos canalizados, não há mais problemas. Goiânia é uma cidade arrumada. O que está deixando de planejamento sobre o coronavírus? Há municípios se preparando para garantir insumos e estrutura para vacinas, ou se prevenindo contra uma segunda onda. O que vai deixar?A Secretaria da Saúde está voltada para esta questão, vivendo o problema de dia e de noite. Tivemos de suspender a inauguração da maternidade e instalar lá mais de cem leitos de UTI para acudir o vírus. Mas no momento em que desativá-los, a maternidade estará funcionando. É um palácio que vamos inaugurar. Se tivermos aumento de casos, serão acudidos lá. Mas é uma obra que eu quis deixar para a eternidade. E quero insistir que vocês não mostram isso: Goiânia é a única cidade que não tem favela. Porque o Iris é apaixonado por moradia. Eu entendi muito cedo que a casa é o primeiro item para dar dignidade a uma família.-Imagem (Image_1.2163119)