Segundo a secretária de Estado da Economia, Cristiane Schmidt, não só o estado já tem condições de deixar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) como pode ser convidado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) a deixar o regime. Em entrevista ao POPULAR, a titular faz um balanço dos primeiros quatro anos de gestão na área fiscal do estado e avalia as perspectivas para o próximo mandato, para o qual o governador Ronaldo Caiado (UB) foi reeleito.O assunto fiscal desses primeiros quatro anos de governo foi o RRF, desde as tentativas de adesão até a concretização com a assinatura em dezembro do ano passado. O que o regime significou para o estado?O RRF pertence a um grupo muito maior de políticas austeras orçamentárias e fiscais que começaram a ser adotadas desde janeiro de 2019 quando o governador Ronaldo Caiado assumiu o poder. Lá atrás, para lembrar, nós herdamos um estado com uma calamidade financeira gigantesca, com mais de duas folhas sem serem pagas, com consignado sem ser pago, mais de 4.600 fornecedores, com R$ 6 bilhões de uma dívida de curto prazo e apenas R$ 11 milhões no caixa. O RRF veio a somar com uma série de medidas que foram tomadas ao longo de quatro anos. Como por exemplo a eliminação de mais de 20 fundos que faziam engessar o orçamento. Isso deu maior liberdade para o governador fazer as suas escolhas de políticas públicas. Nós entramos no RRF, de fato, no dia 1º de janeiro de 2022 e nossas dívidas foram suspensas por força de uma liminar no STF, antes de entrarmos no RRF. A dívida está sendo renegociada para pagarmos, em 30 anos, com correção do IPCA mais 4%, ou seja, condições maravilhosas. Algo que o governador está fazendo não só para a gestão dele, mas para as futuras. Isso tudo que nós fizemos nos aliviou no fluxo de caixa possibilitou ao governador ter o que sempre quis: responsabilidade social com o desenvolvimento econômico, que não estão desatrelados à responsabilidade fiscal. A gestão fiscal austera permitiu, por exemplo, aumentarmos de menos de R$ 250 milhões que eram gastos com o Protege antes de 2018, para R$ 3 bilhões. As ações sociais do Protege, que eram menos de 20, passaram para 60. Em dados da STN, nós investimos em 2021 mais de R$ 4,5 bilhões. O governador Ronaldo Caiado entende que ele precisa investir na sociedade.Em entrevista à CBN na semana passada, a senhora falou que a poupança está entre R$ 9 bilhões e R$ 10 bilhões. Já é possível mesmo deixar o RRF?Poupança tem uma definição muito precisa pela STN. Então vamos colocar aqui disponibilidade de caixa. Eu acho isso uma marca de sucesso do governador ter chegado com um caixa de R$ 11 milhões e estar deixando entre R$ 9 bilhões e R$ 10 bilhões. Ter caixa elevado significa que ele tem agora um colchão para lidar com as adversidades que virão em 2023. E vou te dizer quais são (as adversidades): tivemos uma queda no ICMS do combustível, do GLP, do diesel, de telecomunicação, vários bens e serviços importantes, em que nós vamos ter uma perda prevista de R$ 5,5 bilhões para o ano que vem, entendendo que, neste ano, de julho até dezembro, tivemos uma perda confirmada de R$ 2,2 bilhões. Então, hoje, a gente estaria fechando com R$ 12 bilhões e não com R$ 10 bilhões. Mas infelizmente não foi possível em razão da aprovação da LC (lei complementar) 192 e 194, por uma imposição federal. Mas, de qualquer maneira, por que os estados precisam ter um caixa bom? Para poder lidar com as adversidades. Pela LOA de 2023, Goiás já tem mapeado os gastos que vai ter. Hoje, temos um time de especialistas em estimação de receita para errarmos cada vez menos. Temos uma LDO que já está no benchmark da União. Estamos estudando junto ao Ipea, à União, e a estados que têm os melhores PPAs do Brasil, para que nós tenhamos uma melhora gradual do que temos que fazer. Passamos os últimos dois anos trabalhando para incrementar a nossa arrecadação por via da diminuição da sonegação e da competição desleal. Nós já inauguramos o nosso COE, que é a Central de Operações Estaduais do Fisco de Goiás, para que os nossos auditores possam ter instrumentos muito mais inteligentes e produtivos. No ano passado, tivemos um aumento de folha porque demos aos servidores os seus aumentos meritórios. Claro que a gente sempre gostaria de dar mais, mas isso esbarra nas possibilidades de um estado.Diante desse cenário, se o governador quiser já deixar o RRF, é possível? O que significa para Goiás?Sim. Fizemos o nosso ajuste de maneira adequada e já temos condições, caso o governador queira, de sair do RRF. É uma decisão a ser tomada, mas, mais do que tudo, é muito provável que sejamos convidados a sair do RRF pela União porque a gente já está em condições de equilíbrio. Então, provavelmente esse convite vai ser feito. Mas se não for feito, se o governador assim desejar, sair do RRF também é uma opção. Acho que, hoje, o ponto focal é que o estado de Goiás tem opções numa dinâmica sustentável de dívida e receita. A gente tem um balanceamento de receitas e despesas de maneira adequada. Isso dá um conforto para a sociedade e para os servidores. O governador é muito preocupado com as questões de emprego e renda e quando você percebe o PIB do Brasil e o PIB de Goiás, o local cresce acima do nacional. Então, Goiás tem uma economia pujante. O ProGoiás foi um programa de incentivos fiscais para melhorar a vida do empresário, para que ele não tenha que ficar com obrigações acessórias como era antigamente. Para que ele possa ser rápido, consiga fruir dos seus benefícios, na hora em que ele entra ProGoiás, em menos de dois meses, antes era quase dois anos. E digo mais, existe um precatório que é de até R$ 20 mil, que é o que a gente chama de RPV (Requisição de Pequeno Valor), cujo estoque está sendo completamente equacionado agora no começo do ano. Neste ano de 2022, a gente está finalizando o estoque de 2019 e no ano que vem a gente já vai finalizar o estoque de 2022. Isso tira o estado de Goiás do regime especial, que foi feito para todos os estados que tinham precatórios atrasados. Hoje, quando um prestador de serviço faz um serviço para o estado, a gente paga imediatamente, quando ele demonstra a comprovação do trabalho feito. E o resumo de tudo isso está na Capag B. Porque ela diz que, de maneira inédita, o estado tem o menor nível de risco da história de Goiás. Se o governador quiser tomar um empréstimo, vai tomar em condições melhores, se abrir uma licitação, vão aparecer mais empresas querendo trabalhar com Goiás a preço menor, porque vai ter maior competição, e a uma qualidade melhor. O governo de Goiás nem garantia tinha. Agora, se sair do RRF, porque a gente não pode tomar empréstimo estando no regime, terá (garantia). Eu, na verdade, teria muita cautela para tomar empréstimo. Eu acho que é a última medida, caso você não consiga ter a margem fiscal para endereçar os seus projetos. Por exemplo, estados com Capag A são aqueles que não têm um endividamento alto. E é nisso que a gente quer chegar. A gente quer chegar a um nível de endividamento de menos de 60% da nossa RCL (receita consolidada líquida). Que é a dívida consolidada sobre a RCL. Temos que mirar na Capag A porque queremos ser competitivos, queremos ser um estado em que o governo tenha margem fiscal permanente para continuar investindo em boas políticas públicas. Por exemplo, hoje, para fazer uma licença ambiental, você demora muito pouco tempo. Você vê que tem secretarias que eram desestruturadas e hoje são estruturadas. Hoje, o Protege tem um conselho, que tem o setor privado e o setor público ali dentro, e o setor privado tem total transparência sobre todas as ações e tudo o que é escolhido no Protege, tem os boletins.O estado deixando o RRF, como fica o teto de gastos, até para usar esse valor que está na poupança?Goiás hoje tem dois tetos de gastos. Um é o teto de gastos da lei complementar (federal) 159, que se sair do RRF, cai. Esse teto restringe investimentos. No teto da (lei complementar) 156, você tem apenas as despesas primárias correntes, você não tem a parte de despesas de capital, que seriam os investimentos, como tem na 159. Então, no momento em que você tem uma exclusão, você sai do RRF, você não tem mais o teto da 159, você pode usar para fazer os mais diversos investimentos. E eu tenho certeza que a Goinfra, a Agehab e todos vão estar preparados para isso, pela gestão austera que o Pedro (Sales) está fazendo tanto na Goinfra como na Agehab. Já o teto de gastos da 156, legalmente, nós temos que levá-lo até o fim de 2023, é uma obrigação federal que temos que temos que ter.Teria alguma vantagem o estado continuar no RRF?A vantagem é a suspensão da dívida, que continua sendo renegociada a uma taxa muito boa. A União é que paga os bancos, que são os credores do estado. E a gente refinancia junto com a União. É como se nós tivéssemos de alguma maneira pegando um crédito no mercado. Se nós computarmos os mais de R$ 3 bilhões de renegociação das dívidas com o Banco do Brasil, como o Banco Mundial e também por meio da lei 8.727, se colocarmos o fato do pagamento da dívida externa e mais a entrada do RRF, a gente tem um benefício para o estado de aproximadamente R$ 10 bilhões. Isso é uma coisa incrível. Mesmo que a gente quisesse pegar crédito no mercado, um crédito ao ano de quase R$ 2,5 bilhões é quase que impossível. Mas uma vez que já estamos estruturados e uma vez que a gente já tem disponibilidade de caixa, eu dou margem ao governador para fazer as opções que ele quiser, e, claro, talvez sejamos convidados pela STN para sairmos, é uma possibilidade, não tem nada certo aí. E essa decisão é do governador ou da STN, não é uma decisão da secretária da Economia. Eu só tenho a agradecer a todo o respaldo que foi dado pelo governador para que a gente pudesse ter o sucesso que Goiás teve, pois hoje Goiás é um exemplo nacional na sua gestão fiscal. Por exemplo, o Rio Grande do Sul entrou depois da gente no RRF e está pleiteando a entrada muito antes do governador Eduardo Leite entrar no poder. O Rio de Janeiro está em uma pendenga desde 2017, dentro do RRF, com problemas fiscais e orçamentários. E Minas Gerais nem entrou porque não aprovou nenhuma lei na sua Assembleia. Quando nós chegamos em 2019, nós éramos o quarto estado em pior situação fiscal do Brasil, perdíamos para Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Goiás conseguiu entrar primeiro no RRF, fez todo um ajuste extremamente responsável, saiu de uma Capag quase D para uma Capag B e está em direção a uma Capag A, podendo agora sair do regime de maneira tranquila. Agora, sem responsabilidade fiscal, é apenas um mar de desejos. Quando nós chegamos em 2019, segundo a STN, Goiás foi o que menos investiu no Brasil. Perdíamos apenas para o Acre. Já em 2021, Goiás foi o primeiro em termos de ampliação na sua gama de investimentos, fazendo os maiores investimentos nos últimos 20 anos, comparando tudo a valor presente, não em valores nominais.A senhora falou que tem uma estimativa de perda de R$ 5,5 bilhões com as perdas de ICMS sobre os combustíveis e energia em 2023. Como vai ser feita a compensação?Se a gente conseguir uma compensação federal, ótimo, nós já entramos com uma ação no STF, como outros 11 estados entraram, para ver se a gente consegue a compensação, como prevê a Lei Complementar 192 e 194 de dezembro de 2022. Dos R$ 2,2 bilhões que nós tivemos de perda, espera-se alguma compensação. Agora, a compensação futura é o grande problema federativo brasileiro hoje. Foi retirado dos governadores um dinheiro do dia para a noite. Eu falava que internamente não tínhamos risco nenhum, que o risco maior era o da União tirar receitas dos estados. Para todo mundo, era uma visão pessimista a minha. Mas eu já sabia que ia ter essa perda de receita porque essa lei já estava sendo gestada dentro do Congresso Nacional e era a grande preocupação dentro do Comsefaz, pelos secretários. Naquela ocasião, era o único alerta que eu havia dado porque tudo internamente estava indo muito bem. Mas tinha um risco, naquele momento a gente não sabia o que ia acontecer, mas havia um risco dos governos estaduais e municipais terem perdas de receita por uma lei que poderia vir a acontecer na União e ela de fato ocorreu.Há uma esperança da progressão das ações do Difal, que estão sob análise no STF. Uma decisão desfavorável aos estados teria que impacto nas contas?O Difal é muito pontual. Como o presidente da República não sancionou a lei até dezembro, houve uma contestação de que deveria ter anualidade, porque seria um tributo novo, só que não é um tributo novo. Então, toda essa contenda está sendo discutida no STF, porque os estados entendem que não deve ter anterioridade. As empresas obviamente estão pleiteando prazo para que tenha, mas isso diz respeito a um ano somente, porque nós vamos voltar a ter em 2023 em diante. A partir de 2023, não há nenhuma dúvida de que esse dinheiro vai voltar para os caixas dos estados. A única discussão que está tendo é o ano exclusivo de 2022, que foi para o pleno (do STF) e agora zerou o placar. Vai recomeçar toda a discussão. Mas isso diz respeito a um ano, não é grande preocupação para os estados. Ainda que se perca um ano, tudo bem, de 2023 em diante continua. A nossa grande preocupação é perder ad infinitum arrecadações relativas aos combustíveis, principalmente a gasolina, que era o que mais os estados tinham e ganhavam. Assim como as telecomunicações e energia elétrica. Esses são os três grandes setores em que de uma hora para outra os estados realmente vieram a perder uma quantidade significativa da sua receita. Esse tema está sendo discutido junto ao ministro Gilmar Mendes, numa negociação de estados com a União. Agora, já dentro da negociação, vai ter um grupo de trabalho em que vai ser discutida uma possível compensação.O estado desistiu de colocar os 49% das ações da Saneago à venda. Isso de alguma forma impacta o RRF?A decisão é do governador, ele é o eleito e ele é que toma as decisões que ele entende que são as mais adequadas para o estado. E, dentro do RRF, como estava prevista essa venda para 2024, se nós sairmos do RRF em 2023 ou até mesmo em 2024, tudo bem, não é um problema. Se nós tivéssemos a intenção de continuar para além de 2024, obviamente teria que ser conversado, mas não é o caso. A gente já chegou no equilíbrio, a gente já tem um entendimento que provavelmente vamos ser convidados a sair do RRF, seja em 2023 ou 2024. Então, a decisão do governador com relação a esse tópico não tem muita influência e é legítima.Depois desses quatro anos, a senhora acha que cumpriu sua missão? Vai continuar no cargo?Para continuar ou não, aí a gente sempre tem que sentar com o governador Ronaldo Caiado. Todos os secretários colocaram seus cargos à disposição. O trabalho nunca acaba, a gente sempre pode melhorar tudo que a gente está fazendo, a gente ainda não é uma Capag A, por exemplo, que agora viria ser a próxima meta. A gente tem que continuar aperfeiçoando nossas LOAs, para torná-las cada vez mais transparentes à sociedade, a gente ainda não conseguiu implementar os sistemas dentro da secretaria. Vamos implementar agora, de maneira contundente, a nossa diminuição da sonegação por via da inteligência artificial, junto com esse programa maravilhoso que o estado de Goiás está implementando no Fisco. Existem milhares de trabalhos que a Secretaria de Economia tem de desafios pela frente. E ficar ou não no cargo não é muito mais uma questão de que você precise ter uma secretária no meu perfil, eu sou fiscalista, eu sou austera, eu tenho uma responsabilidade social muito forte como economista. Para os próximos quatro anos eu não tenho dúvida que o governador Ronaldo Caiado vai fazer uma gestão brilhante. Ele vai deixar um legado incrível a partir de 2026, porque ele é um gestor muito responsável, então independente de quem vai sentar naquela cadeira, o governador Ronaldo Caiado é o gestor, é ele que foi eleito, é ele que dá o comando e eu estou muito satisfeita com todos os resultados. Tudo o que me propus junto ao governador eu cumpri. Acho que a Secretaria de Economia, nesses quesitos todos, cumpriu absolutamente todos os itens, foi até além do que a gente esperava. Eu me coloco sempre à disposição do governador, seja como secretária, seja como uma conselheira econômica, seja como amiga. Porque eu tenho não só muito respeito pelo governador Ronaldo Caiado, mas hoje nós somos grandes amigos. Posso dizer que temos uma afinidade que a gente construiu devido a todo o respeito que nós temos. Deu certo e a gente entregou coisas contundentes para a sociedade, pela via da responsabilidade social e desenvolvimento econômico. Goiás entra agora para este grupo de estados que mostra que isso é uma realidade que pode ser alcançada mesmo quando você tem uma situação inicial muito ruim.Leia também:- A corrida pela poupança de R$ 10 bilhões- Goiás ainda avalia ação no STF, apesar de acordo sobre ICMS