Mesmo depois de já ter anunciado a aposentadoria na política, Iris Rezende foi decisivo na aliança de partidos antes rivais, o DEM do governador Ronaldo Caiado, e o MDB, cujo presidente estadual, Daniel Vilela, foi anunciado com grande antecedência o vice na chapa que busca a reeleição. A morte de Iris, no último dia 9, consuma essa nova realidade, em que o situacionismo regional tende a se apresentar fortalecido e deve ter outros reflexos nas articulações para as próximas eleições, conforme análises de três cientistas políticos ouvidos pelo POPULAR: Pedro Célio Alves Borges, sociólogo, professor aposentado na FCS/UFG; Itami Campos, doutor em Ciência Política (USP), professor titular da UFG, aposentado; e Maria Aparecida Guimarães Skorupski, professora da PUC Goiás. Eles também falam sobre o comentário feito por Caiado, do seu desejo de unir os antigos UDN e PSD, historicamente antagônicos, em um novo arranjo político no Estado.Articulações para 2022Pedro Célio - A ausência de Iris vai marcar as próximas eleições, especialmente no primeiro período, em que se negociam alianças e formação de chapas. Os sinais já vinham se fazendo notar desde alguns meses, quando Iris confirmou a aposentadoria da vida pública. O fato é que mesmo sem entrar pessoalmente na disputa, Iris prosseguiu influenciando. Ele certamente atuou com peso na definição do acordo entre o governador Ronaldo Caiado e o MDB para as composições de 2022. Sem dúvida, a sua morte consuma essa nova realidade.Itami Campos - Com a aliança DEM-MDB, o situacionismo regional tende a se apresentar fortalecido, pois o MDB tem um expressivo número de filiados, além de uma representativa presença nos municípios. Ronaldo Caiado (DEM), se reeleito, tende a demarcar sua forte presença estadual, a questão que se apresenta diz respeito à continuidade do seu projeto/administração, pois parece ser difícil, hoje, precisar o futuro, com a dispersão de sua composição política.Maria Aparecida - O MDB se enfraquece muito sem a presença de Iris, que cobrava uma fidelidade ao partido, que era muito pessoal a ele. Daniel Vilela, como vice-governador de Ronaldo Caiado (DEM), mostra submissão a uma força que agora ficou sozinha. Antes, eram Caiado e Iris. Agora, qual seria outra força para se opor? Caiado está correndo numa raia com muito pouca competição, e ele tem certa flexibilidade em suas posições, porque vai de Bolsonaro a Lula, quando Lula era governante.Lideranças emergentes Pedro Célio - A juventude de Gustavo Mendanha (ex-MDB, prefeito de Aparecida de Goiânia) pede ainda algum prazo para termos definido o seu perfil. No caso de Daniel Vilela, não tão neófito assim, as marcas já visíveis diferem totalmente das de seu pai (Maguito Vilela, morto em janeiro) e das de Iris, mesmo descontando as diferenças de épocas e condições. O desafio de Daniel é dispor de um vácuo, e não elimina a exigência de que ele se mostre merecedor da herança.Itami Campos - Difícil comparar o perfil, seja do Daniel Vilela, seja do Gustavo Mendanha com o construído por Iris Rezende. Não há clareza ainda de como o MDB se apresentará em 2022, se dividido ou com que liderança. Daí se questionar – qual seria sua trajetória para o futuro? Neste sentido, as ausências de Iris Rezende e de Maguito Vilela vão dificultar a unidade partidária e possíveis projetos de governo. Neste cenário, ainda não se apresenta com clareza uma liderança capaz de agregar uma força política expressiva no partido, no MDB.Maria Aparecida - É preciso reconhecer que Gustavo Mendanha está fazendo uma boa administração em Aparecida de Goiânia. Hoje ele está sem partido, mas isso, no Brasil, não é muito definidor, você anoitece num partido e amanhece em outro... é preciso consistência na liderança. Ele talvez seja um páreo para confrontar com as posições e a forma de gestão do Caiado, mas isso não está definido ainda. Daniel Vilela é uma liderança emergente, mas em relação a seu pai, Maguito Vilela, e a Iris Rezende, ele não tem a mesma consistência. Quando eleito deputado, foi em função do prestígio do pai, só que, enquanto presidente do MDB, ele está muito vulnerável.Ausência de IrisPedro Célio - Há um realinhamento político e partidário em curso no país e em Goiás. Entre as suas tendências estão ausências de líderes que a população estava acostumada a ver, ouvir e seguir. Sem Iris e Maguito, há ainda o declínio de Marconi Perillo, que também deixa lacunas e interrogações. No entanto, algumas projeções iriam se desenvolver e se afirmar mesmo se Iris continuasse no cenário. A onda conservadora que teve auge em 2018 ainda não se esgotou; a reacomodação de lideranças e mesmo de discursos ligados a essa onda vai ter força na redefinição das legendas e das coligações para 2022; o retorno de Lula e do PT à competição pode ser visto também como fato inesperado nesta conjuntura, visto o retrocesso de suas bandeiras em 2018. Essas tendências é que vão dar contornos ao novo momento.Itami Campos - Iris era um expressivo líder que aglutinava aliados e, pela sua forte liderança, estabelecia os caminhos do MDB goiano. Vale destacar que com sua aposentadoria e o afastamento da política ao terminar seu mandato de prefeito, deixa aberta a liderança partidária do MDB. E com sua morte o MDB perde sua principal liderança. Contudo, Iris Rezende a partir de sua aproximação política com o governador Ronaldo Caiado (DEM) tornou possível uma aliança de partidos antes politicamente rivais – DEM e MDB -, alterando o formato da política regional.Maria Aparecida - Iris tinha uma maneira de fazer política tradicional, na metodologia. Era uma liderança extremamente personalista e centralizadora. Essa forma já não combina mais com os tempos modernos. Tanto que nas últimas eleições houve competição e um certo afastamento. E se formos olhar os mais sentidos com a morte, veremos que eram gerações mais velhas, que tiveram nele uma forma de fazer política. Temos que considerar que a política em Goiás não tomou outro rumo justamente por ele centralizar. Não houve substituição de lideranças no MDB, ele continuou mandando até o fim. Foi assim com muitas tentativas de novos líderes, ele fazia com que se sujeitassem a ele porque tinha voto, tinha tradição política no Estado e o discurso que conseguia falar à população. A morte dele rompe com essa maneira de fazer política e nenhum político em Goiás conseguiu aprender e ser discípulo fiel daquilo que ele fazia. Oposição em GoiásPedro Célio - Para o PSDB e partidos de esquerda, o rearranjo das forças políticas passa pelas definições nacionais para o próximo ano. O PT já estabeleceu que o apoio a Lula é condição para as suas decisões locais. O PSDB está refém do que pode vir a ser a chamada terceira via; sua disputa interna entre os governadores de São Paulo e Rio Grande do Sul parece não se conectar a qualquer vértice politicamente relevante. Sem contar que não sabemos com que postura se dará o retorno de Marconi à política regional, nem mesmo qual cargo ele disputará.Itami Campos - As disputas tendem a se particularizar, pois são muitos partidos buscando espaço. Aliás, a dispersão partidária, no Brasil e, especialmente, em Goiás, dificulta e muito a construção de um ‘grupo político’ que se apresente com um projeto capaz de agregar força e se mostrar como diferencial. Para mostrar essa dispersão partidária, vejamos como se tem apresentado a representação política goiana: no Senado, são 3 representantes goianos, cada um de um partido diferente; na Câmara dos Deputados são 17 representantes de 14 partidos, apenas 3 legendas têm 2 deputados; e na Alego, com 41 representantes, 20 partidos elegeram deputados, com apenas 2 – PSDB, com 6, e DEM, com 4, com maior representação, 9 partidos elegeram 2 deputados e 9 elegeram apenas 1. Essa dispersão, embora muitos não apresentem princípios consistentes e diferentes, dificulta muito uma possível composição, uma consistente articulação política. Os interesses, sejam eleitorais, sejam particulares, trazem um alto custo na formação de maiorias e de apoio à competente gestão pública. Por sua vez, o quadro político de oposição, seja de centro-direita, seja de esquerda tende a atrair novos nomes e as disputas vão mostrar as possíveis alternativas a partir da eleição de 2022.Maria Aparecida - O PSDB em Goiás sofreu um baque muito grande, Marconi (Perillo, ex-governador) não está falando ao povo goiano ainda, neste momento. O PT está muito desgastado e também não consegue levar à frente sua proposta. Hoje se discute a possibilidade do ex-reitor da PUC Goiás ser candidato a governador, ele tem prestígio social, mas não tem colégio eleitoral capaz de sustentar. As últimas eleições foram decididas num prazo muito próximo das eleições. Haja vista a Câmara de Goiânia, com parlamentares novos de partidos nanicos, mas que não são lideranças expressivas para continuar um processo que Iris tirava de letra. Forças antagônicas (antigos UDN e PSD)Pedro Célio - Não vejo novidade na atuação conjunta dos ex PSD e UDN. Em muitos momentos eleitorais e administrativos do Estado essa configuração já se fez notar. Na ditadura parte expressiva do PSD foi para a Arena; depois, Iris, ele próprio, comandou aproximações desse calibre durante a democratização; e mesmo no período recente políticos identificados nas siglas de UDN e PSD já se coligaram. A base de Marconi é prato cheio nesse sentido. A de Caiado também. Itami Campos - As disputas de lideranças por presença na chapa governista, bem como de alianças partidárias, não se apresentaram claramente. O governador Ronaldo Caiado (DEM) tem sido hábil nesta articulação, que sem dúvidas faz parte do processo político regional, onde o situacionismo sempre é dominante politicamente e, pela força do Executivo, atrai prefeitos, deputados e outras lideranças. Por sua vez, a possível aliança DEM-MDB, na atualidade, brasileira e regional, pouco tem a ver com o antagonismo do pré-1964 entre PSD e UDN.Maria Aparecida - Falar em unir os antigos UDN e PSD é um discurso equivocado. Hoje nós temos várias outras forças que estão vindo por aí e que não se relacionam a essas antigas siglas, a UDN representada pelos Caiado e o PSD pelos Ludovico e seus descendentes. Não existe isso mais, nem programas de governos ligados a essas antigas plataformas existem mais.