O cientista político, professor e jornalista Clóvis de Barros Filho é uma das maiores autoridades no Brasil quando o assunto é ética. Para ele, o tema não pode ser marcado por verdadeiro ou falso. Apesar disso, acredita que alertas sobre assuntos óbvios podem produzir bons resultados. A convite do Estado de Goiás, Clóvis esteve no Teatro Rio Vermelho ontem, onde ministrou palestra de pouco mais de uma hora para plateia de servidores públicos. O governador Ronaldo Caiado (DEM) e auxiliares do governo acompanharam a “aula”. Quais pontos destacar em uma palestra sobre ética para servidores públicos?A reflexão sobre o significado de servir já bastaria para esclarecer muito sobre ética. As condições éticas no ato de servir. A reflexão sobre os limites da servitude e do ato de servir e o necessário diálogo com o tal do público para identificação de valores comuns que possam presidir a ética dessa convivência. A ética será sempre uma discussão de como deverá ser o comportamento humano com vistas à melhor convivência possível. Se você disser, por exemplo, que a árvore é azul, você tem a árvore verde como um objeto pela frente. Com isso, pode dizer que a afirmação é falsa. A ética não tem a realidade à sua frente porque discute como deveríamos agir. É um tipo de pensamento que não pode ser marcado por verdadeiro ou falso, pois não tem o mundo na frente para contrastar se está certo ou está errado. E o servidor público é um profissional como qualquer outro. Tem sua carreira, pretensões e ambições. Ele visa promoções, aplausos e glória, como é inerente a todo o ser humano. Por esta razão, às vezes, acaba esquecendo o que significa servir, estar à disposição de, à serviço de. Tudo aquilo que é ganho pessoal acaba assumindo uma primazia que muitas vezes anula a condição de servidor. Por isso, insisto que pequenos alertas, que parecem sempre muito óbvios, quando ditos de maneira clara, acabam produzindo inquietação necessária do bom pensar.Como o brasileiro percebe a ética de forma geral? De maneira restritiva e sobretudo normativa. Ele tem certeza que a ética nada mais é que um conjunto de normas. Não que seja um pensamento equivocado, mas poderia ser ampliado para uma discussão sobre que tipo de sociedade queremos viver e o que consideramos uma sociedade justa.Em suas palestras o senhor fala sobre a relação entre transparência e ética. Como estes dois conceitos se encontram?A transparência é um princípio de conduta protetivo de muitas coisas valiosas na sociedade, mas ela não marca sozinha a busca pela Justiça. É perfeitamente possível que tenhamos soluções de Justiça no sigilo e na confidência.Qual a importância da discussão sobre corrupção dentro do serviço público?As discussões são importantes, mas já existem. Na nossa sociedade são poucos temas que superam corrupção em termos de diálogo e conversa. Talvez seja necessário um pouco mais do que simplesmente discutir. Talvez seja necessário perceber que, para além de toda a discussão, é preciso uma formação moral mais adequada, desde criança. Formação que ensina a não levar para casa o que é seu e faz voltar à escola pela orelha para devolver algo que pegou escondido. Aquilo que nossos antepassados faziam melhor do que nós.Isso mudaria a realidade?Com essa formação moral mais ajustada, talvez na consciência de cada um fosse menos plausível e menos previsível a apropriação como seu daquilo que não é próprio. Razão pela qual acredito que mais eficiente que todas as discussões do mundo está a formação de uma consciência moral mais calibrada para que cada um saiba estabelecer limites e definir aquilo que não faria de jeito nenhum, simplesmente porque sabe que não é canalha.