Tenente-coronel do Exército Eurides Curvo. Este homem foi uma das figuras fortes do regime militar em Goiás, ocupando cargos de importância no Estado entre 1964 e 1971. Cotado para dirigir o temido Serviço Nacional de Informações (SNI) em Goiás, ele chegou a ser cogitado a assumir o governo no lugar de Otávio Lage, em 1971. Com trânsito entre oficiais de alta patente, Curvo participou de diversos episódios que ajudam a entender o contexto daquele tempo de tantos embates e segredos. Hoje, aos 86 anos de idade, ele revisita suas memórias e aceitou conversar com O POPULAR, com exclusividade, sobre os bastidores de fatos ocorridos há mais de 45 anos. Em suas lembranças, algumas pessoas ganham destaque, como o capitão Marcus Antônio Fleury, ex-diretor do SNI e da Polícia Federal em Goiás e que morreu no último mês de março. O que se depreende de suas recordações é um regime que abrigava lutas internas e pensamentos distintos sobre como governar. Discordâncias entre oficiais e até disputas por espaço ocorreram entre figuras centrais dessa estrutura. Alguns episódios de que Curvo tomou parte ilustram tal situação e um deles foi o Inquérito Policial Militar (IPM) aberto em 1966 para choques que envolveram estudantes e militares em Goiânia. Conflito Tudo começou com a divulgação da notícia, não confirmada, de que o líder estudantil Tarzan de Castro, militante do PC do B preso na Fortaleza de São João, no Rio de Janeiro, havia morrido. Revoltados, universitários e secundaristas saíram às ruas em protesto naquele 26 de setembro. Eles decidiram ocupar o Colégio Pedro Gomes. A Polícia Militar foi chamada e houve confronto. O cabo Raimundo de Carvalho Andrade, alfaiate da PM, foi atingido por um tiro e morreu. “Eu morava num sobrado no Setor Sul, quando o coronel Pitanga Maia, comandante do 10º Batalhão de Caçadores (10º BC) e meu vizinho, tocou a campainha às 11 da noite. Ele disse que o general Nogueira Paes, do Comando Militar do Planalto, queria falar comigo”, narra Curvo. “Quando entrei em contato com o general, ele disse que estava no Palácio da Alvorada com Castelo Branco e que o presidente, naquele momento, estava ao telefone falando com o governador Otávio Lage sobre a abertura de um Inquérito Policial Militar em Goiás e que eu iria conduzi-lo.” Curvo respondeu que preferia não ter recebido a incumbência e que já havia pedido o trânsito para a reserva do Exército. “O general Nogueira me disse que eu deveria aceitar a missão como sendo a última que faria na ativa. Ele me garantiu que o presidente já tinha assinado minha aposentadoria.” A transferência de Curvo para a reserva, já com a patente de tenente-coronel, foi publicada no Diário Oficial da União de 5 de outubro de 1966. Otávio Lage Na noite em que foi avisado que presidiria o IPM, Curvo foi instruído a se encontrar com o então governador Otávio Lage. “Naquela noite, o governador me disse que havia achado boa minha indicação, mas pediu que eu indiciasse o deputado Olímpio Jayme, então presidente da Assembleia Legislativa, como comunista. Respondi que lamentava mas que não estava a serviço dele, governador, e sim do presidente.” A relação entre os dois, que nunca foi a de fraternos amigos, se deteriorou ainda mais depois daquela conversa. Otávio Lage era reticente quanto ao homem que havia sido o braço direito de seu antecessor, o marechal Emílio Ribas Júnior, interventor federal em Goiás em 1964, com a queda de Mauro Borges, e, a partir de 1965, governador eleito pela Assembleia Legislativa então presidida pelo deputado Iris Rezende. Na gestão de Ribas Júnior, o coronel Curvo havia acumulado o comando da Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública entre 1964 e 1965. Naquele final de 1966, porém, as novas atribuições que ganhara do Planalto, segundo Curvo, geraram ciúmes entre seus colegas de farda, incluindo o homem mais temido do regime militar em Goiás, o então tenente e depois capitão Marcus Antônio Fleury. Como diretor da Polícia Federal e do SNI no Estado, Fleury ficou conhecido pelo implacável combate que deu aos opositores do regime. Poder “Ele mandava em tudo”, confirma Curvo, que tentou distanciar o tenente de seu IPM. “A nossa instrução era deter os líderes estudantis no 10º BC para esvaziar o movimento. O coronel Pitanga Maia deu a ordem para que não houvesse nenhuma inquirição extra oficial dos detidos.” O temor era de que os estudantes presos fossem agredidos dentro do quartel. “Eu avisei que nada poderia acontecer com os detidos. Pedi a visita do médico do Exército toda manhã para saber se havia alguma queixa por parte deles.” Curvo conta que Fleury pediu para fazer interrogatórios com alguns presos. “Disse que não, ou então seria melhor ele, Fleury, conduzir o IPM. Ele não quis aceitar. Após isso, Castelo Branco me chamou para uma audiência. Queria resultados preliminares da investigação. Alertei o presidente da baixa qualidade de políticos que estavam usufruindo da revolução. Ele me respondeu: ‘Menino, política é comigo!’”, rememora. Versões Segundo o coronel, ele apenas relatou os acontecimentos. “Não denunciei ninguém no IPM. Aos estudantes envolvidos, sugeri uma punição no âmbito de suas escolas.” Os donos dos veículos de comunicação que divulgaram a notícia da possível morte de Tarzan de Castro tiveram de dar explicações. Recordando o episódio, Tarzan afirma que ele salvou sua vida. “Aquilo foi um ato de coragem e no outro dia, diante do que aconteceu, os militares tiveram de me apresentar vivo à minha mãe e à minha advogada.” Ele não acredita que o cabo da PM tenha sido morto por estudantes. “Existe a versão de que a bala que matou o cabo da PM foi disparada pela arma de algum colega de farda durante o tumulto com os estudantes.”-Imagem (Image_1.182002)