Em mais um capítulo das denúncias de irregularidades no governo federal, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado ao Ministério da Educação, enviou e-mail à prefeitura de Uruaçu solicitando que o município forjasse um ofício solicitando R$ 49,4 mil que já haviam sido pagos meses antes. A prefeitura confirma o recebimento da mensagem, mas nega tê-la respondido.O caso foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo e confirmado pelo POPULAR. O e-mail em questão consta em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre o FNDE, órgão que está no centro de denúncias de corrupção, e foi enviado à prefeitura goiana em 23 de fevereiro deste ano.No texto, uma servidora narra que o município recebeu a destinação do recurso em 17 de dezembro de 2021, mas relata que o órgão não encontrou “ofício que solicita o empenho”. “Solicitamos que encaminhe segunda via do ofício, impreterivelmente, até dia 25/02/2022”, diz o e-mail, que ainda oferece um modelo de ofício e ressalta que o documento “deve ter data anterior ao empenho e ser personalizado com os dados do município e da iniciativa”.O e-mail, apesar de citar somente o empenho, não fala que o recurso já havia sido pago em 23 de dezembro, menos de uma semana depois do empenho e dois meses antes de o pedido de um ofício forjado ser feito ao município goiano, segundo consta no Portal da Transparência.O recurso enviado a Uruaçu é da chamada emenda de relator (RP9), modalidade de emendas de deputados federais e senadores conhecida como orçamento secreto, no qual deputados e senadores aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) conseguem indicar uso de orçamento dos ministérios, sem critérios claros e sem divulgação obrigatória de quem as fez.Tanto que o próprio FNDE cita o orçamento secreto como justificativa para o pedido. “Como o empenho foi realizado com Emenda de Relator (RP-9), somos obrigados a registrar a solicitação, por parte da prefeitura.”Leia também:- Dois mil alunos de Cmei serão transferidos para escolas em Goiânia- Cmei de Goiânia pode perder cobertura que protege pátio e corredores- PL não atinge 30% de mulheres candidatas a deputada estadualA afirmação faz referência ao fato de que o órgão precisa atender determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu divulgação das indicações de gastos com RP9 e dos documentos que embasaram a distribuição, como os ofícios das prefeituras. A medida deu mais clareza à destinação dos recursos bilionários do orçamento secreto, mas não resolveu a falta de transparência, como mostra a própria situação de Uruaçu.A reportagem solicitou posição do FNDE a respeito do assunto, mas não recebeu resposta. Também foi feito questionamento à Controladoria-Geral da União (CGU) sobre possível apuração sobre o caso, mas não houve retorno.VítimaO prefeito de Uruaçu, Valmir Pedro (PSDB), diz ao POPULAR que só soube do e-mail na manhã desta quarta-feira (19) e ressalta que a prefeitura não o respondeu. “A prefeitura não tem nenhum envolvimento em irregularidades. Pelo contrário, a prefeitura é vítima disso. Executamos obras de responsabilidade do FNDE com recursos próprios.”Valmir Pedro diz que não solicitou recursos via orçamento secreto, e não há registro de ofícios desse tipo de emendas para Uruaçu no portal da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização da Câmara dos Deputados (leia abaixo)Segundo o prefeito, havia três creches com obras paradas na cidade, quando ele assumiu a prefeitura em 2017 e que, depois de cobrar o FNDE para liberação dos recursos para terminar as obras, foi informado de que não havia orçamento para isso. “Então, decidi colocar recursos próprios do município para terminar uma delas. Concluí uma e tive que colocar pouco mais de R$ 200 mil para fazer a cobertura de outra porque as paredes já estavam caindo”, diz.As obras a que o prefeito se refere são duas creches: a que foi concluída com recursos da prefeitura teve convênio assinado em 2012 com valor R$ 1,4 milhão; a segunda teve convênio assinado em 2014 ao custo de R$ 1,2 milhão e está apenas com 53,2% das obras concluídas, segundo dados do Ministério da Educação.Valmir Pedro relata que, depois de fazer os investimentos nas escolas, foi à Brasília solicitar ressarcimento dos recursos junto ao FNDE. “Fiz essa gestão junto ao órgão, mas o município não foi ressarcido. O que foi pago foram R$ 49 mil referente à sétima parcela da obra que ainda está parada”, afirma. Questionado se sabia que o recurso da parcela havia saído do orçamento secreto, ele diz que não.BalcãoO FNDE está no centro de denúncias de corrupção desde que seu controle foi entregue pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) aos partidos do chamado Centrão. Como já mostrou o POPULAR, o órgão autorizou a construção de 32 novas unidades de ensino e quadras cobertas no estado em 2021, mesmo com 146 escolas estejam com obras paralisadas ou inacabadas no estado, como a de Uruaçu.Porém, o órgão fez poucos empenhos para as novas obras e isso também as inviabiliza, uma vez que as prefeituras não conseguem, em muitos casos, sequer começá-las. O anúncio dos envios, entretanto, foi capitalizado politicamente por deputados federais e senadores que afirmam ter feito as indicações. Casos como esses ficaram conhecidos no país como “escolas fake.”Essas denúncias surgiram no início do ano, em meio a pedidos de propina para liberação de recursos no Ministério da Educação. O ex-ministro da pasta Milton Ribeiro chegou a ser preso em junho por conta dos escândalos, que envolveram dois pastores de Goiás, e que foram apontados como participantes do esquema.16 municípios solicitaram recursos via emendas de relatorDezesseis cidades de Goiás constam em ofícios solicitando recursos das emendas de relator, chamada de orçamento secreto, tendo como origem dos recursos o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Os pedidos não denotam, por si só, nenhuma irregularidade e constam nas listas publicadas pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização da Câmara dos Deputados por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).Os 16 municípios somam R$ 6,3 milhões em solicitações de recursos do FNDE, sendo Quirinópolis o município que tem a maior solicitação de recursos: R$ 2,2 milhões de um ofício assinado pela deputada Flávia Morais (PDT). É seguido por Gameleira de Goiás, cidade de aproximadamente 4 mil habitantes, que solicitou R$ 600 mil do FNDE via orçamento secreto para adquirir equipamentos e mobiliários escolares.No caso do FNDE, a maior parte dos ofícios são assinados por deputados: Zacharias Calil (UB) e José Mário Schreiner (UB) assinam quatro, cada. O primeiro destina R$ 1 milhão a quatro cidades (R$ 250 mil para cada): Aragoiânia, Buriti de Goiás, Pirenópolis e Vila Propício; o segundo, R$ 952 mil (R$ 238 mil, cada) a outras quatro: Ivolândia, Jaupaci, Nova Crixás e Planaltina de Goiás.Flávia Morais também beneficiou Montividiu e Varjão, e Adriano do Baldy (PP), Buriti Alegre e Goiatuba. Completam a lista ofícios dos prefeitos de Monte Alegre de Goiás e São Luiz do Norte.GeralAo todo, 91 cidades são citadas em ofícios solicitando recursos do orçamento secreto em 2021, dos quais 40 são assinados pelos próprios prefeitos, mesmo que tenham estruturas e linguagem semelhantes entre si. Dois foram enviados por vereadores, casos de Padre Bernardo e Valparaíso de Goiás, cidades do Entorno do Distrito Federal (DF).Somando pedidos do Estado de Goiás, foram R$ 96,5 milhões solicitados ao relator do orçamento direta ou indiretamente. A localização de empenhos, liquidações e pagamentos desses recursos, porém, é difícil, uma vez que a Câmara dos Deputados publica apenas os ofícios, mas não dá informações sobre o andamento das solicitações.Essa falta de transparência é o que dá força para críticas da modalidade de emendas parlamentares e denúncias de mau uso do dinheiro público em várias partes do país, visto que não se sabe exatamente quem recebeu recursos do tipo.-Imagem (Image_1.2544452)