A farra das recuperações judiciais (RJs) no agronegócio ameaça lançar em queda livre a reputação do setor, mas já faz estragos. De acordo com a Serasa Experian, o número de produtores no Brasil que solicitaram recuperação judicial mais que dobrou em 2024, em comparação com 2023, subindo de 534 para 1.272, sendo que Goiás figura entre os estados que mais registraram pedidos.

Quando se soma o crédito disponibilizado pelo Sistema Sicoob em Goiás, a instituição é a segunda maior em oferta de crédito ao produtor rural. É um avanço de décadas que, pela recorrência de RJs fraudulentas, tende a durar pouco.

Sendo assim, a quebra de confiança já se estabeleceu. No primeiro quadrimestre da safra 2024/2025, entre julho e outubro de 2024, os desembolsos de crédito rural caíram 24,5% em relação ao mesmo período do ano safra 2023/24, e a tendência é reduzir ainda mais. A imagem positiva de âncora da economia e de crédito abundante foi substituída para empréstimo de risco elevado e insegurança contratual.

O setor do agro, que impacta boa parte do PIB goiano por seu efeito dinamizador em negócios como indústria, logística e comércio, está em xeque. Nesse contexto em que o setor financeiro é um parceiro do agro, acompanhamos e sabemos das dificuldades enfrentadas. Contudo, sabemos também que não é primeira nem a pior crise e que, em décadas, conseguiu se sobressair, renegociando as dívidas, melhorando o planejamento e usando soluções de mercado, sem forçar uma RJ e recorrer a fraudes, como supervalorização de ativos, ocultação de bens, criação de dívidas fictícias e desvios de ativos.

Ao contrário do que dizem os vendedores de RJ, tudo é monitorado e fácil de provar: há produtor que aumenta abruptamente a alavancagem financeira e, na sequência, com todas as parcelas em dia, pede recuperação judicial. O desafio do agronegócio está, portanto, na retomada da credibilidade, que é uma adversidade enorme, na medida em que, os números são cada vez mais desfavoráveis e coloca todas as análises em posição de cautela.

Em empréstimos de alto risco, a taxa de juros é bem maior – o que agrava com a Selic em alta. Com efeito, vale ressaltar que RJ não é Refis e, por essa razão, é lamentável que muitos produtores ainda acreditem no agressivo assédio de consultores para entrar com pedidos sem avaliar os riscos. No final, o lucro para os escritórios é milionário, mas, para os produtores, sobra muito menos do que o prometido – quando sobra.

O tema já é motivo de várias investigações no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por práticas suspeitas e os Supremos Tribunais Federal e de Justiça (STF e STJ) endossam e pedem mudanças na legislação ao Congresso. Para a Justiça goiana, é preciso também refletir sobre o assunto, já que RJs que deveriam estar em São Paulo estão migrando para Goiás. De fato, precisamos de uma câmara de conflitos e varas exclusivas no Tribunal de Justiça goiano sobre o tema, pois a especialização mitigaria riscos e afastaria essa migração suspeita de processos.

Diogo Mafia, médico, empresário e diretor-presidente do Sicoob UniCentro Br

A farra das RJs se agravou

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Diogo Mafia

Nos últimos anos, temos acompanhado uma transformação importante nas dinâmicas do comércio exterior, com impactos diretos na produção agrícola nacional e, em especial, goiana. A sinalização de que a China pretende ampliar a importação de soja brasileira, diante de um cenário global de tensões comerciais, é mais do que uma notícia interessante: é um indicativo claro de que estamos diante de um momento estratégico que precisa ser compreendido com maturidade e visão de futuro.

O interesse chinês já era esperado. O cenário internacional, marcado por conflitos comerciais entre potências econômicas, naturalmente provoca uma reorganização nas rotas comerciais. Nessa lógica, o Brasil desponta como um dos principais fornecedores mundiais de grãos e proteínas, e Goiás, por sua vez, assume papel de destaque nesse tabuleiro. Produzimos muito, com qualidade e capacidade de expansão. No entanto, para aproveitarmos plenamente essa conjuntura, é fundamental estarmos preparados para os desafios logísticos, diplomáticos e estruturais que acompanham oportunidades dessa magnitude.

A Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás (Acieg) acompanha de perto os movimentos do mercado global e entende que, para além do aumento da demanda, o que está em jogo é a consolidação de parcerias duradouras, baseadas na confiança mútua e na previsibilidade das relações comerciais.

Neste contexto, a própria Feira Internacional de Comércio Exterior do Brasil Central (Ficomex), que neste ano será realizada, em Goiânia, entre 4 e 6 de setembro, entra em cena como um evento estratégico para fortalecer as relações entre empresas e exportadores brasileiros com o mercado internacional. É uma plataforma que oferece oportunidades ao setor empresarial, que entende desafios e potenciais das micro às grandes empresas.

Não se trata apenas de vender mais, mas de construir pontes sólidas, sustentáveis e equilibradas. É nesse ponto que a diplomacia econômica torna-se um pilar estratégico: o diálogo aberto, a clareza nos acordos e a boa relação entre os países são fatores decisivos para o sucesso das negociações.

Também é preciso compreender que o Brasil, mesmo sendo um dos maiores produtores de soja do mundo, não consegue absorver internamente toda a sua produção. Isso exige de nós uma atuação coordenada para ampliação dos mercados internacionais, diversificação dos parceiros comerciais e fortalecimento das cadeias logísticas. Goiás, com sua vocação agrícola e capacidade de articulação, tem condições reais de crescer ainda mais.

Neste cenário, cabe ao setor produtivo goiano unir esforços, investir em infraestrutura, buscar inovação e, sobretudo, manter-se atento às demandas do mercado internacional. A oportunidade está posta. O desafio é responder à altura, com competência, responsabilidade e visão estratégica. O futuro das exportações brasileiras — e goianas — passa, cada vez mais, pela capacidade de dialogar com o mundo.

Rubens Fileti, presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás (Acieg)

Crescem os que estão atentos

Rubens Fileti

Comandante da guerrilha uruguaia, assaltante de bancos, enterrado vivo em masmorras por 13 anos —proibido de ler durante sete—, o “Dom Quixote disfarçado de Sancho” é tema de biografias, ensaios, relatos históricos, dezenas de livros. Ele mesmo não escreveu nenhum.

Como 99% dos políticos cucarachas —sobre todo los de acá—, Mujica era loquaz. Com o agravante de ter contraído na cadeia o vício de falar sozinho. Mas, ao ser solto, não soltou a voz nos palanques, como é de praxe com os milongueiros do caudilhismo.

Segue abaixo uma seleta das frases que falou. Elas revolvem a virada de um socialista na virada do século. Ao ascender ao poder, Mujica herdou a Queda do Muro, o féretro da ideia de revolução, a barafunda ideológica, a ruína da perspectiva socialista. Teve vitórias: a legalização do aborto, da maconha e do casamento dos de mesmo sexo.

Contudo, são crescentes as guerras, a deterioração ambiental, as massas miseráveis. Em tempos de capitalismo triunfante, Mujica foi um símbolo da esquerda. Mas símbolo do quê? De pragmatismo, de que outro mundo é possível, de resignação, de que não há mesmo alternativa?

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“O único caminho para a libertação nacional e a revolução socialista é a luta armada” —aos 35 anos, em 1967, quando era Facundo, comandante dos Tupamaros.

“Não seria quem sou se não fosse a solidão da cela. Seria mais fútil, mais frívolo, mais superficial.”

“O problema é que o mundo é dirigido por pessoas velhas que se esquecem de como eram quando jovens.”

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“Aprendemos que a luta do tudo ou nada é o melhor caminho para não mudar nada. A maior parte dos países que estão socialmente à frente tem uma vida política serena, de pouca épica, poucos heróis, poucos vilões” —aos 74 anos, em 2010, no discurso de posse na Presidência.

“Descobrimos que governar é bem mais difícil do que pensávamos. Que os recursos públicos são finitos e as demandas sociais infinitas. Que a burocracia tem vida própria e a economia tem regras ingratas, mas obrigatórias. Tivemos de aprender, com enorme dor e vergonha, que nem todos do nosso lado são imunes à corrupção.”

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“Fui uma vez à Alemanha e me puseram num Mercedes-Benz. Só a porta pesava uns 3.000 quilos. Botaram 40 motocicletas na frente e outras 40 atrás. Fiquei com vergonha. Ficamos na casa para presidentes. Tinha quatro andares. Para tomar um chá você tinha de andar três quarteirões. Era totalmente inútil. Deviam transformá-la numa escola.”

“A sobriedade é uma forma de viver, uma luta para manter a liberdade. Se deixo que as necessidades se multipliquem ao infinito, tenho que viver para cobrir as necessidades e não sobra tempo para fazer o que me motiva. Pobre é quem precisa muito.”

“O homem deve superar o capitalismo, mas os caminhos que tentou foram de uma ingenuidade espantosa.”

“O capitalismo não é a solução, há que se buscar outra coisa. A América Latina não tem soluções, a América Latina procura. Pertencemos a essa busca.”

“Nada de colocar o Estado como patrão, porque já vimos esse filme. E nada de passar para o lado do capitalismo. Temos de achar outro caminho para chegar ao socialismo.”

“A sífilis é evitável; o capitalismo por enquanto não.”

“Confunde-se desenvolvimento com o fetiche de acumular coisas.”

“Não viemos ao mundo para desenvolver a economia, mas para sermos felizes.”

“Os ricos não querem mudar nada, os pobres não podem.”

“O que estou fazendo? Reinventando o capitalismo, mas não renuncio ao socialismo.”

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“A sociedade uruguaia protegeu os funcionários públicos muito mais que os trabalhadores privados. Na crise de 2002-2003, quase 300 mil perderam o emprego e 200 mil tiveram redução de salário. Todos trabalhadores privados, todos.”

“Não quero nos chamar de latino-americanos porque não descendemos só de latinos. Somos descendentes de negros, povos indígenas, asiáticos. Somos descendentes de todos os pobres e perseguidos do mundo que vieram para a América sonhando com um futuro.”

“A religião é uma forma de consolo, não de transformação social.”

“O tango é pura nostalgia; do que se teve e do que não se teve. O tango é para quem aprendeu na vida a perder.”

“Sou um velho meio louco” — aos 89 anos, em novembro, na última entrevista.

Mario Sergio Conti, jornalista, é autor de “Notícias do Planalto”

Mujica e o capitalismo

Mario Sergio Conti

O acesso ao crédito ainda é um dos maiores entraves para o desenvolvimento dos pequenos negócios. Mesmo com demanda crescente, boa gestão e potencial de expansão, muitos empreendedores esbarram na falta de garantias reais, no excesso de burocracia e na dificuldade de diálogo com as instituições financeiras. Sem crédito, o negócio deixa de contratar, investir e inovar — e, em muitos casos, sequer consegue sair da informalidade.

É um ciclo que se retroalimenta: quem mais precisa de apoio costuma ser quem tem mais dificuldade de acesso a ele. É preciso repensar essa lógica quando o assunto são os pequenos. O sistema de crédito no Brasil foi historicamente moldado para grandes operações.

As exigências de garantias reais, a análise de risco padronizada e os entraves ao microcrédito revelam uma estrutura que precisa ser repensada para tratar os pequenos como prioridade. A agenda do desenvolvimento exige isso: ampliar a base, descentralizar recursos e reconhecer os pequenos negócios como protagonistas da economia.

Mais do que uma demanda do mercado, o acesso ao crédito é uma pauta de política pública; não apenas como operação financeira, mas como vetor de inclusão produtiva e combate à desigualdade. É fundamental conectar instituições a soluções que considerem as particularidades dos micro e pequenos empreendedores.

A criação de fundos garantidores, parcerias com agentes de fomento e programas de orientação financeira têm contribuído para ampliar o alcance e a efetividade das políticas de crédito. Nesse sentido, estamos avançando no caminho para que o crédito seja, de fato, um instrumento democrático de desenvolvimento. Uma das ferramentas mais eficazes voltadas a esse objetivo é o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), criado pelo Sebrae e operacionalizado com diversos parceiros do sistema financeiro, que dá garantia de até 80% nas operações de crédito aos pequenos empreendedores.

E, recentemente, a instituição anunciou uma alteração nas regras, válida pelos próximos dois anos, que define que pequenas empresas que têm mulheres como sócias majoritárias ou como representantes legais podem contar com 100% de garantia nas operações. O fundo elimina uma das barreiras mais frequentes para quem está à frente de um negócio, mas não possui bens em nome próprio para oferecer como garantia.

Outra frente importante tem sido a aproximação direta entre empreendedores e instituições financeiras, por meio de mutirões, atendimentos especializados e espaços de negociação. Ao promover encontros e facilitar o diálogo, o Sebrae reforça o papel de ponte entre quem precisa e quem pode financiar. A mobilização contínua é chave para destravar recursos, derrubar barreiras históricas e construir relações de confiança.

Com essas e outras ações de instituições, empresas e poder público é que conseguiremos ampliar o acesso ao crédito e promover o crescimento dos pequenos negócios. Pois não se trata apenas de liberar dinheiro, mas de reconhecer o protagonismo de quem empreende, construir confiança, derrubar barreiras e ativar a economia real.

João Carlos Gouveia, economista. Diretor de Administração&nbsp;e Finanças do&nbsp;Sebrae Goiás

Crédito essencial

João Carlos Gouveia 

Sem a intenção de romantizar ou poetizar a infância, criança é alegria, é sorriso que ilumina o instante, diversão que corre solta, sonho que embala o futuro, fantasia que desafia o real. Criança é promessa que se renova, sacralidade que vibra, transcendência que nos conecta ao eterno.

Mas, a realidade Brasil afora grita na contramão desse ideal e da legislação brasileira a ponto de tornar-se necessário instituir, há 25 anos, o 18 de maio como o “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”, iniciativa que se alinha aos princípios do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes..

Os dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em relação aos crimes de estupros e estupros de vulneráveis as vítimas são, em sua imensa maioria, meninas (88,2%), negras (52,2%), com idade até 13 anos (61,6%), vítimas de familiares ou conhecidos (84,7%), nas próprias residências (61,7%). Além de enfrentarem os traumas da violência sexual, muitas ainda precisam lidar com a gravidez resultante de uma violência que mal conseguem compreender.

Segundo a Rede “Um Grito pela Vida”, iniciativa da Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil (CRB) e da Rede Internacional Talitha Kum, o tráfico de pessoas atinge anualmente mais de 20 milhões de pessoas, incluindo crianças e adolescentes, em todo o mundo. Esse crime figura entre as três maiores fontes de renda ilícita global e escancara uma grave violação de direitos humanos, reforçando a urgência de ações de enfrentamento.

As causas da violência são complexas e estruturais, enraizadas no modelo de desenvolvimento capitalista que perpetua desigualdades, no desemprego, na violência doméstica, nas migrações forçadas e na influência da mídia e das redes digitais, dentre outras dinâmicas que sustentam o ciclo de opressão e exclusão.

Por isto, a Campanha Nacional “Faça Bonito – Proteja nossas crianças e adolescentes”, tem como finalidade mobilizar, sensibilizar, informar e convocar toda a sociedade a participar desse que considero um verdadeiro enfrentamento em defesa dos direitos dessas crianças, assegurando-lhes atendimento humanizado e eficaz quando são vitimados por essa violência. Esta é uma enorme conquista que demarca a luta pelos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes no Brasil. O convite este ano é para florir mais uma vez o país no mês de maio, e fortalecer o símbolo, que remete à lembrança dos desenhos da primeira infância e evoca o cuidado para o desenvolvimento saudável da infância e da adolescência.

É urgente promovermos a cultura da promoção integral, com ações contínuas e coordenadas para proteger crianças e adolescentes da violência sexual em vista de que nenhuma criança ou adolescente vivencia as marcas da violência sexual ou da impunidade. Quem fica calado também é culpado; denuncie, disque: 100 ou 180. Ecoemos, veemente e analogamente, o Grito do frade dominicano, Antônio Montesino, no século 16: “Com que direito vocês estão praticando violência sexual contra crianças e adolescentes”? Por acaso, não são gente?

Frei José Fernandes Alves,&nbsp;rade dominicano&nbsp;e membro da Coordenação&nbsp;do Comitê de Direitos Humanos Dom&nbsp;Tomás Balduino