Num mundo em grandes transformações, com aumento de eventos climáticos extremos, ainda que haja aqueles que negam seus efeitos, a realidade “nua e crua” bate às nossas portas, janelas, alaga ruas, casas, destrói construções e espaços públicos, causando prejuízos e mortes. Precisamos repensar a gestão climática das nossas cidades.

Não há líder mundial ou local que mude a realidade gritante das mudanças climáticas e há décadas os cientistas têm alertado para esses riscos e para a necessidade de um novo olhar para nossas cidades, que deve contemplar além da mitigação das suas causas, a priorização para a adaptação a esses fenômenos, visando salvar vidas e evitar tragédias.

Um dos projetos de grande sucesso é do arquiteto chinês Kongjian Yu, que morreu em 23 de setembro, em um acidente aéreo no Pantanal. Sua proposta é justamente reter a água da chuva dentro do espaço urbano, a fim de reduzir enchentes e criar reservas hídricas para os períodos de seca. Esse projeto já solucionou o problema em várias cidades do mundo.

São soluções simples e fáceis de serem aplicadas, como parques alagáveis ou espaços verdes que possam servir de esponja em caso de chuvas intensas, telhados verdes (telhados com vegetação), praças-piscina (locais que podem ajudar na retenção da água da chuva e evitar alagamentos) e calçamentos permeáveis. Temos parques, praças e canteiros que podem auxiliar nisso. Outros espaços podem ser criados para evitar enchentes e alagamentos.

No entanto, a realidade de Goiânia é totalmente diferente dessa proposta. Tivemos neste ano, a instalação de grama sintética nos canteiros central de uma importante avenida para substituir a grama natural e deixar a cidade “verdinha” no período da seca. Um verdadeiro absurdo do ponto de vista técnico ambiental, tendo em vista os inúmeros malefícios do plástico, em especial, sua capacidade de aumentar a temperatura local e dificultar a absorção da água da chuva.

Foi tão esdrúxula a mudança que bastou a primeira tempestade da nova estação para que parte dela fosse arrancada pela própria água da chuva. Como se não bastasse, foram retiradas, sem justificativa plausível, várias árvores nativas das margens da Marginal Botafogo. Pode-se notar que onde a marginal está encostada no córrego, o risco de alagamento é muito maior, justamente porque o espaço com vegetação no entorno do seu curso d’água, chamada “área de preservação permanente”, não foi respeitada.

Isso provoca vários problemas, como o transbordamento de seu leito. A Marginal Botafogo padece de gravíssimos problemas de infraestrutura, muitos deles oriundos da falta de um planejamento onde fosse respeitada sua área de inundação. Mesmo assim, nas poucas áreas onde ainda existia vegetação, ela foi retirada de forma arbitrária.

Dessa forma, bastou essa primeira tempestade para que, na área onde houve a retirada das árvores, começasse a formar uma grande erosão. Vale lembrar que as raízes das árvores são importantíssimas também para a contenção. Essa erosão teve que ser contida pelas máquinas da prefeitura, que começaram a trabalhar rapidamente, quem sabe também, para conter as críticas que, com certeza, viriam...

Rendo minhas homenagens ao arquiteto chinês das “cidades esponjas” e torço para que nosso povo tupiniquim continue na luta pela nossa sobrevivência nos espaços urbanos, que com certeza, passa pela proteção das nossas áreas verdes e pela criação de mais espaços para tornar nossa cidade esponja e resiliente, trazendo segurança e qualidade de vida para a população.

Luciane Martins de Araújo, advogada, professora e pesquisadora. Mestre em Direito e doutora em Ciências Ambientais

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

A grama artificial e as árvores

Artigos

Título - Artigos

Assine - Offers Target - 2

Matéria - Artigos

Luciane Martins de Araújo

Nem sempre o centro está no lugar onde se decide. Muitas vezes, ele está onde se vive. Onde se empreende. Onde se resiste. Onde o Brasil insiste em acontecer — mesmo sem manchete, sem visibilidade, sem acesso. É nesse deslocamento de sentido — do centro político ao centro da vida real — que o Sebrae se posiciona. E poucas ações demonstram isso com tanta clareza quanto a Caravana Empreender com Você, que em 2025 chega à sua terceira edição com presença confirmada em 25 cidades goianas.

Mais do que uma agenda de atendimentos, a Caravana é um movimento estratégico que leva o Sebrae aos territórios da escuta e da prática. Mais do que aguardar o empreendedor bater à porta da instituição, o Sebrae é que bate à porta dele. E isso muda tudo porque o centro não é estático. Ele se move com a realidade. O centro do problema — a ausência de informação, o acesso restrito, a solidão empreendedora — está muitas vezes em pequenas cidades e em vilas, povoados e distritos. E é exatamente aí que o Sebrae precisa estar: no centro das dificuldades para gerar soluções de impacto.

Interiorizar, nesse contexto, não é apenas geografia. É uma escolha de gestão de compreender que não há política de desenvolvimento que funcione sem proximidade. É reconhecer que o pequeno negócio é, muitas vezes, o grande motor econômico das cidades do interior. E que investir em quem empreende fora do eixo centralizado é investir na estabilidade econômica de todo o estado.

Não se trata apenas de atender onde há demanda, mas de construir uma presença contínua, estruturante e transformadora nos territórios. O Brasil não pode continuar sendo um país cujo investimento em desenvolvimento está concentrado nas regiões já desenvolvidas. O verdadeiro salto de inovação e inclusão virá quando enxergarmos o interior como protagonista — e não como coadjuvante da história nacional.

Esse tipo de iniciativa também inaugura um novo tipo de relação com os territórios: mais colaborativa, mais sensível, mais conectada com os parceiros locais. Onde o Sebrae chega, chegam junto as parcerias com prefeituras, associações comerciais e agentes financeiros. E o que parecia distante finalmente se torna acessível: orientação, capacitação, formalização.

É esse desenvolvimento que queremos consolidar: o que se move do centro institucional ao centro das necessidades reais. O que enxerga o interior não como margem, mas como força motora. O que entende que estar presente é mais do que estar disponível. É estar junto.

É a ação que troca o mapa de gabinete pelo chão da feira, que entende o tempo do interior e respeita a potência de cada território. Que não vai para ensinar, mas para construir junto. Que escuta antes de propor. Porque, no fim das contas, o centro sempre será onde está quem empreende. E é para lá que o Sebrae vai continuar caminhando.

Marcelo Lessa Medeiros Bezerra, diretor Técnico do Sebrae Goiás

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Na porta do empreendedor

Marcelo Lessa Medeiros Bezerra 

Em meio à promessa de ser “luzeiro do mundo”, os Estados Unidos enfrentam hoje uma sombra profunda: um colapso vivencial que corrói a alma da nação. O que outrora era “terra da oportunidade” transformou-se em “vale de ossos secos”, onde o vazio interior suplanta as conquistas materiais.

Com efeito, dados recentes mostram um aumento alarmante de transtornos mentais-emocionais no coração do Tio Sam: mais de 50 mil suicídios anuais e uma epidemia de psicotrópicos, barbitúricos, opioides, como fentanil e outros, que ceifam vidas em zonas rurais e urbanas, refletindo uma desesperação pandêmica coletiva.

Nesse contexto, grandes pensadores, inspirados na tradição existencialista de Sartre e Heidegger, diagnosticam esse mal como uma perda de sentido, agravada por isolamento, desigualdades e, especialmente, como uma erosão de valores morais e espirituais.

John Vervaeke, cientista cognitivo canadense, alerta para uma “crise de significado” (meaning crisis), onde a hipermodernidade técnico-científica não reflete as perguntas fundamentais ao ser humano, como: “Qual o propósito da vida?”. Assim, ele propõe conexões comunitárias afetuosas para combater a depressão generalizada.

Emmy van Deurzen, terapeuta britânica, argumenta que a Europa, bem como toda a sociedade ocidental, ignora questões como morte, liberdade e isolamento, priorizando o consumismo efêmero. “Precisamos confrontar o absurdo da vida para encontrar coragem”, afirma, ecoando Camus.

Essa abordagem, adotada por psicólogos como Irvin Yalom nos EUA, enfatiza essa angústia como catalisador para autenticidade, mas critica o sistema de saúde por medicalizar e mercantilizar o sofrimento existencial.

Jorge Portilla, filósofo mexicano, oferece uma cosmovisão latino-americana sobre a fatal “crise espiritual”, como presa ao materialismo protestante — teologia da prosperidade —, que leva ao vazio interior. Vê, notadamente, na exacerbação política atual um sintoma de fragmentação existencial da Igreja cristã, onde o “eu” individual suplanta o “nós” coletivo.

Francis Schaeffer, grande teólogo evangélico americano falecido em 1984, já prospectava esse dilema existencial como uma cisão entre razão e fé, agravada pela cultura materialista, hedonista, narcisista. Seus ecos ressoam com precisão na atualidade, onde redes sociais amplificam a tragédia da solidão e transformam a almejada liberdade em uma algema mental.

No Brasil, tal desespero retine, com veemência, nessa mesma polarização político-ideológica, e se potencializa na onda transnacional, inspirada no modelo norte-americano, aprofundando o caos, ao fragmentar a sociedade em trincheiras intransigentes, nutrindo medos sociais e extremismos que minam a saúde emocional coletiva.

Tudo isso, agravado por um ativismo populista que explora a fé religiosa para fins espúrios, que resulta em uma recessão democrática e um niilismo similar, ou até pior, ao dos EUA, exigindo uma reconciliação assertiva ao amor cristão, como o caminho de volta ao verdadeiro Evangelho, restaurando o “nós” comunitário, antes que a desesperança mórbida arraste toda uma geração para o infortúnio.

Essa crise não é nem inevitável nem irreversível, temos o diagnóstico e a receita: é produto de um secularismo desenfreado que commoditiza a existência; assim, precisamos volver ao sentido pleno do ser e de ser. Hoje e sempre, o nosso caráter existencial-espiritual não é luxo – mas sina de vida ou de morte.

Edemundo Dias de Oliveira Filho, advogado e pastor evangélico. Delegado de Polícia veterano.

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Terra do desespero

Edemundo Dias de Oliveira Filho

A contabilidade moderna exige uma abordagem integrada, que vá além da escrituração e da apuração fiscal. O profissional precisa compreender os processos da empresa, alinhar tecnologia, gestão de pessoas e análise de dados em busca de soluções eficientes. Nesse contexto, o contador é parceiro estratégico dos gestores: identifica riscos, aponta oportunidades de otimização, assegura a conformidade regulatória e contribui para a criação de valor sustentável.

Em um cenário de incertezas globais, a contabilidade oferece mais do que números. Ela disponibiliza interpretação, previsibilidade e segurança. Cabe ao contador atuar como elo entre os dados e a ação gerencial, reduzindo incertezas e possibilitando decisões fundamentadas. Esse papel é ainda mais relevante diante das mudanças estruturais do sistema tributário, que impactam diretamente o planejamento e a competitividade das organizações.

Nesta linha a história mostra que o contador mostra sua essencialidade, focada e estruturada em aspectos que contribuem para a evolução das empresas e empresários. O nosso trabalho promove a transparência e vislumbra horizontes mais seguros a sociedade e assertivos transformando dados em resultados.

Na sua essencialidade o Contador desempenha um papel institucional de transparência, conceito central da democracia, condição fundamental para a efetivação da accountability numa performance sobre boa governança.

Portanto, o seu papel precípuo é dar voz a sociedade que não sabem traduzir, esclarecer os fatos e estabelecer o elo entre a realidade vivenciada no dia a dia das empresas e desafios diários, como, por exemplo, a reforma tributária.

Vivemos tempos de desafios de todas as ordens, de incertezas globais que impactam nosso país e o PIB mundial. Embora pareça estarmos no limite de nossas forças, tamanha a demanda por nossa intervenção, ainda temos que percorrer caminhos e analisar de forma cabal o turbilhão de interesses da gestão pública, do ambiente político, do comércio e finanças deixando claro aos clientes e ao próprio poder púbico que a transparência é o elemento de dissuasão do comportamento desonesto.

Neste cenário, o Conselho Regional de Contabilidade de Goiás, não tem medido esforços na promoção de treinamentos observando novas interfaces do mercado, como a hibridização, ou seja, o conhecimento de outras áreas como ascensão do open finance, da tokenização e o crescente uso da inteligência artificial, para citar algumas.

O contador precisa de um olhar transversal, adaptativo, para compreender os limites e as dificuldades de informar aos empresários que a regra básica do sucesso empresarial está na observância da transparência como fator preponderante para corrigir baixa a performance do negócio. Somos mais do que uma profissão, lutamos para construção de uma sociedade mais justa, aliada da conformidade, ética, transparência e da democracia.

José Gilmar Carvalho de Brito, contador, mestre em contabilidade.&nbsp;Diretor do Sescon-GO e conselheiro do CRC-GO

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Previsibilidade e segurança

José Gilmar Carvalho de Brito

É evidente que estamos vivendo uma “epidemia”, uma “crise de saúde mental”. Mas gostaria de ressaltar que também estamos enfrentando uma catástrofe moral.

A filósofa Hannah Arendt, em A crise na educação, já alertava: “a verdadeira crise não está nas crianças, mas nos adultos que deixaram de assumir a responsabilidade pelo mundo diante delas”. Quando os mais velhos se omitem, deixam de sustentar valores éticos básicos e de apresentar a realidade como ela é, as novas gerações crescem sem referências sólidas.

A saúde mental de crianças e adolescentes não se constrói isoladamente em consultórios, diagnósticos ou remédios. Ela nasce, sobretudo, em um ambiente ético, confiável e amoroso, no qual os adultos assumem a função de oferecer continência, de sustentar a vida psíquica em formação.

Donald Winnicott, pediatra e psicanalista britânico destacou que o bebê não existe sozinho, não é possível pensar uma bebê e uma criança destacado dos seus adultos cuidadores. Meninotes só podem existir em relação a um ambiente que o sustenta.

Winnicott sublinhou a importância daquilo que chamou de preocupação materna primária: um estado de sensibilidade especial que permite ao adulto ajustar-se às necessidades do bebê nos primeiros meses de vida, uma presença real, disponível, capaz de sustentar pequenas frustrações e ao mesmo tempo oferecer segurança. Esse equilíbrio entre gratificação e limites firmes é o que possibilita o amadurecimento emocional e a formação do caráter.

Vivemos, porém, um tempo em que muitos adultos não sustentam a verdade nas pequenas coisas. Não honram a palavra dada, justificam mentiras como se fossem “necessárias”, cultivam relacionamentos frágeis e descartáveis, tratam compromissos com leveza, relativizam a responsabilidade diante dos filhos e normalizam a violência doméstica. Nesse cenário, o que as crianças aprendem? Que a esperteza vale mais do que a honestidade, que a aparência importa mais do que a essência, que fugir das consequências é mais fácil do que assumir os próprios erros.

O resultado não é apenas adoecimento psíquico: é a dificuldade de formar caráter. E sem caráter, não há solidez emocional que se sustente.

Zygmunt Bauman, em Modernidade Líquida, destaca a fragilidade dos vínculos e da responsabilidade moral na vida contemporânea. A transmissão de valores e da capacidade de tolerar desconforto para não causar sofrimento só é possível quando mediada por um humano, por um adulto cuidador.

Se quisermos, de fato, cuidar da saúde mental das novas gerações, precisamos resgatar o básico: sermos adultos confiáveis. Pais, mães, professores, líderes e cuidadores que carreguam em si a coerência entre palavra e ação.

O ambiente, para Winnicott, não é acessório, mas condição de possibilidade da vida psíquica. É no seio de relações autênticas, cuidadosas e responsáveis que crianças e adolescentes aprendem a confiar, a simbolizar, a criar e a amar.

Não basta somente diagnósticar, nem medicalizar a infância. O desafio que está diante de nós é mais profundo: reconstruir ambientes sustentadores, onde a ética se faça prática cotidiana e onde a presença adulta se converta em referência para o desenvolvimento humano.

Maysa Balduino, psicanalista clínica, membro associada da SBP Goiânia e professora de Teoria Freudiana

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.