A sociedade contemporânea vive um momento em que a sustentabilidade deixou de ser apenas um ideal e se transformou em necessidade. Consumidores, investidores e governos cobram das empresas não só resultados financeiros, mas também responsabilidade social, ambiental e de governança. Diante desse cenário, surge uma pergunta fundamental: como medir, comprovar e acompanhar se as organizações realmente cumprem esse compromisso?

A resposta passa inevitavelmente pela contabilidade. Não há sustentabilidade sem métricas confiáveis. É o trabalho contábil que traduz em números o impacto das atividades empresariais, permitindo que gestores avaliem riscos, corrijam rotas e planejem o futuro com transparência. Mais do que registrar resultados passados, a contabilidade tornou-se ferramenta estratégica para orientar escolhas que afetam diretamente a sociedade e o meio ambiente.

A chamada “contabilidade verde” está se consolidando como prática estratégica nas grandes empresas. Esse campo em expansão conecta-se ao movimento ESG, sigla para práticas ambientais, sociais e de governança. Mais de 90% das 250 maiores companhias globais já publicam relatórios ESG, refletindo impactos ambientais e sociais. Além disso, organizações que adotam essa abordagem conseguem reduzir de 10% a 20% suas emissões de gases de efeito estufa, ao mesmo tempo em que atraem investimentos, que somaram US$ 40 trilhões em 2023, segundo o Global Reporting Initiative (2024).

O contador desempenha papel essencial na organização, validação e apresentação dessas informações, mostrando se a empresa está realmente alinhada a padrões éticos e sustentáveis. Esse processo não se restringe às grandes corporações, pois pequenas e médias empresas também se beneficiam ao adotar práticas ESG, que agregam valor e aumentam competitividade. Seja no acesso a crédito, na conquista de novos mercados ou na fidelização de clientes, o compromisso com sustentabilidade tornou-se um diferencial estratégico.

Esse movimento ganhou ainda mais força quando o Brasil, em outubro de 2023, tornou-se o primeiro país a adotar oficialmente os padrões globais S1 e S2 do Conselho International de Normas Sustentáveis (ISSB), que tratam da divulgação de informações financeiras ligadas à sustentabilidade e ao clima. Essa decisão posiciona o país na vanguarda da transparência corporativa e impulsiona empresas a seguirem critérios internacionais, fortalecendo a integração das práticas ESG aos relatórios contábeis.

Mais do que uma exigência do mercado, a contabilidade verde reflete uma visão de longo prazo. O verdadeiro sucesso empresarial não pode ser medido apenas pelo lucro imediato, mas pela capacidade de equilibrar crescimento econômico, responsabilidade social e preservação ambiental. Essa visão integrada garante perenidade às organizações e contribui para um futuro mais justo e equilibrado.

Nesse caminho, ética e transparência continuam sendo a essência da profissão contábil. São esses princípios que conferem credibilidade às informações e segurança às decisões. Em tempos de transformação e incertezas globais, é justamente esse alicerce que torna o contador protagonista da construção de uma economia sustentável.

O futuro já não se resume a relatórios financeiros tradicionais. Ele exige dados que contém a história completa das empresas: como impactam o meio ambiente, como tratam as pessoas e como se posicionam perante a sociedade. A contabilidade, com sua precisão e responsabilidade, é a ponte entre o presente e o futuro que todos queremos construir.

Sucena Hummel é contadora e presidente do Conselho Regional de Contabilidade de Goiás (CRCGO)

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

A serviço da sustentabilidade

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Sucena Hummel

As declarações da presidente do Banco do Brasil, imputando as dificuldades do agronegócio à atuação de advogados que assessoram produtores na busca de recuperação judicial, geraram preocupação não só na advocacia, mas em todos que valorizam o debate qualificado sobre os desafios econômicos vividos pelos brasileiros.

É comum procurar explicações simples para fenômenos complexos, como o crescimento da inadimplência no agronegócio, durante períodos de instabilidade. Entretanto, é um erro perigoso considerar a advocacia como a ‘vilã’ desse cenário, pois não é.

O advogado não fixa taxas de juros, não impõe obstáculos burocráticos e tampouco se envolve em estratégias governamentais que impactam a competitividade do agronegócio brasileiro. Também não é responsável por atritos internacionais. Sua função é técnica, consistente na busca de soluções legais e na orientação para resultados positivos, visando facilitar acordos que previnam e até evitem a derrocada financeira do produtor e, consequentemente, a redução de toda cadeia produtiva.

É verdade que a recuperação judicial não pode ser trivializada, pois como medida extrema que é, só deve ser empregada quando todas as outras opções de negociação se mostraram impossíveis. E, por sua natureza excepcional, requer atuação responsável dos operadores do direito, dos credores e de todas as instituições interessadas no progresso do País e no desenvolvimento dos brasileiros que trabalham e produzem.

Transformar o trabalho sério do advogado em bode expiatório e/ou insinuar que a advocacia atua de forma predatória, caracteriza defesa unilateral de uma das partes do processo produtivo, fragilizando o elo essencial para a construção de soluções que exigem diálogo entre devedores e credores.

O agronegócio brasileiro necessita de ambiente de crédito sólido e estável. Para isso, é essencial que produtores, instituições financeiras, cooperativas de crédito e de produção, entidades governamentais e advogados, atuem de forma integrada. A transparência e o fortalecimento dos mecanismos de renegociação extrajudicial, bem como o respeito às funções de cada ator vinculado ao processo de criação de riqueza, são essenciais.

Generalizações apressadas sobre a atuação da advocacia não contribuem para esse objetivo. Ao contrário, criam ruídos que dificultam a confiança necessária entre as partes. É importante reconhecer que o advogado cumpre papel essencial na manutenção da legalidade, na segurança das operações e na prevenção de litígios mais onerosos, até minimizando-os.

O agronegócio é o principal impulsionador da economia brasileira pela qualidade de seus agentes, inclusive porque em todas as nações a segurança alimentar é essencial na formação de uma sociedade saudável e soberana, pois sustenta a população e contribui significativamente para o crescimento do PIB. Manter a força do agronegócio requer união e dedicação para soluções concretas, sem discursos que procurem apontar culpados por um problema que é de todos.

Felicíssimo Sena é advogado&nbsp;&nbsp;e ex-presidente da OAB - GO.

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Atuação da advocacia no agro

Felicíssimo Sena

O retorno do período chuvoso em Goiás traz alívio para o calor intenso e a baixa umidade. Com ele, porém, surgem outros desafios, como alagamentos e acidentes provocados pela queda de árvores e frutas.

Na edição de fim de semana, O POPULAR destacou um fator adicional de preocupação: com as chuvas, aumenta o risco de contaminação do Rio Meia Ponte pelo chorume gerado no Aterro Sanitário de Goiânia.

Embora o tema não seja tratado com transparência pelos órgãos responsáveis, a reportagem apurou indícios relevantes em processos judiciais e nas respostas enviadas pelas autoridades.

O chorume, resultado da decomposição de resíduos sólidos, é rico em metais pesados e altamente tóxico para o solo, a vegetação, os recursos hídricos e a fauna.&nbsp;O problema se arrasta há cerca de 14 anos, sem&nbsp;uma solução eficaz.

Questionados pela reportagem, os órgãos envolvidos minimizam a gravidade da situação — uma estratégia equivocada. O silêncio contribui para a perpetuação do problema. A crise no Aterro Sanitário de Goiânia não é recente e, diante da falta de transparência na sua gestão, tende a se prolongar por muitos anos.

Chorume no Meia Ponte

Editorial

Matéria - Opinião - Editorial

As mudanças climáticas constituem um dos principais desafios para a humanidade no século XXI. Não existe atividade humana que não seja impactada, direta ou indiretamente, pelos seus efeitos. Suas consequências vão da segurança alimentar, com alterações nos regimes de chuva e aumento da frequência de eventos extremos, à saúde pública, marcada pela propagação de doenças e pelo agravamento de condições respiratórias.

Nesse contexto, as Conferências das Partes (COP) das Nações Unidas sobre Mudança do Clima assumem papel central. Esses encontros anuais reúnem quase todos os países do mundo para negociar metas, definir mecanismos de financiamento e estabelecer compromissos de redução das emissões de gases de efeito estufa. Em 2025, a COP 30 será realizada em Belém, no mês de novembro.

A escolha da capital paraense se deve à importância ambiental da Amazônia para o planeta, além de concentrar comunidades indígenas e tradicionais fundamentais para a conservação ambiental. Entretanto, estamos no Brasil, e o clássico “jeitinho brasileiro” não poderia ficar de fora de um evento dessa magnitude. Em 26 de julho, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a abertura de inquérito para investigar possíveis irregularidades em uma licitação de R$ 142 milhões ligada à COP 30. As acusações envolvem organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção, atingindo políticos, empresas contratadas e agentes públicos. É o Brasil sendo Brasil.

Para acomodar todos os participantes da COP 30, seria necessária ampla expansão e requalificação da rede de hospedagem de Belém. Contudo, a ampliação ficou aquém do necessário, e os preços dos leitos disponíveis ultrapassam qualquer parâmetro de razoabilidade. Carta assinada por 25 países negociadores, entre eles Áustria, Bélgica, Canadá, Holanda e Suíça, pediu condições mínimas de acomodação a preços justos. Aproveitando-se da oportunidade, um antigo hotel da cidade mudou de nome e elevou a diária de R$ 70 para R$ 6 mil. É o Brasil sendo Brasil.

Por outro lado, dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2022) revelam que Belém trata apenas 2,38% de seu esgoto. O restante é lançado diretamente nos rios sem nenhum tipo de tratamento. Com a chegada das cerca de 45 mil pessoas previstas para a COP 30, a tendência é que a pressão sobre o saneamento da cidade aumente, contribuindo ainda mais para a poluição dos rios da região. É o Brasil sendo Brasil.

Por fim, para causar boa impressão aos visitantes internacionais que vêm discutir medidas em prol do meio ambiente, está em construção a Avenida Liberdade, ligando o aeroporto ao centro e à região metropolitana. Contudo, a obra destruiu áreas de cultivo de açaí, cortou terrenos ao meio e inviabilizou o acesso a ramais e igarapés utilizados para transporte e pesca artesanal. É o Brasil sendo Brasil.

A COP não pode se reduzir a um ritual diplomático estéril. Ela precisa ser o motor de decisões efetivas, transparentes e monitoráveis, capazes de reverter a trajetória atual de aquecimento global e garantir um futuro habitável para as próximas gerações. E, para isso, não basta assumir compromissos internacionais; é preciso também não passar vergonha nas questões locais.

Emiliano Lobo de Godoi é professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG)

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

COP 30: Brasil sendo Brasil

Emiliano Lobo de Godoi

O relançamento de “Jeanne Dielman”, eleito o melhor filme de todos os tempos em 2022, é uma chance de ver um rito de passagem raro. Assiste-se à morte de uma diva e ao nascimento de uma ativista —e à síntese das duas na arte da atriz Delphine Seyrig. Na última enquete que a Sight and Sound faz a cada década, na qual votaram mais de 1.600 críticos do mundo todo, “Jeanne Dielman” chegou ao primeiro lugar, disse a revista, devido a sua “abordagem consciente e radical do cinema”.

Na estreia, em 1975, porém, teve recepção tépida até no circuito de filmes cabeça –menos por durar 3h20 e mais por acompanhar o dia a dia e a insípida vida sexual de uma dona de casa. Atributos que levaram Delphine Seyrig a encarnar Jeanne Dielman. Ela era até ali uma sílfide com o apolíneo perfil de Greta Garbo e a rouquidão lasciva de Marlene Dietrich. Alain Resnais a descobriu em Nova York, onde fazia teatro, e a chamou para interpretar a dama enigmática de “O Ano Passado em Marienbad”.

Assim como o filme, Seyrig causou espécie: era uma aparição, não uma mulher real. Alçada ao pódio de prima-dona do cinema de alto coturno, fez dois filmes com Buñuel, dois com Joseph Losey e quatro com Marguerite Duras. Quem disse que ela era uma aparição foi o impúbere Jean-Pierre Léaud de “Beijos Roubados”, de Truffaut. Seyrig, que fazia a esposa do seu patrão, foi a seu quarto e lhe explicou: “Não sou uma aparição, sou uma mulher, e sou excepcional porque todas as mulheres o são”.

Ato contínuo, propõe ao rapazote transarem por um par de horas e nunca mais se verem –e ele aceita mais que depressa. Seyrig domina a cena. Com um mínimo de frases e um máximo de sorrisos, cria uma imagem memorável do amor: a fusão de liberdade, alegria, libertinagem e encanto.

Com 42 anos, ela estava no auge quando uma moça de 24 a procurou. Era Chantal Akerman, diretora de meia dúzia de curtas-metragens experimentais que ninguém vira. Convidou-a para o papel-título de “Jeanne Dielman”, um longuérrima-metragem sobre três dias da vida de uma mulher banal, uma viúva que morava com o filho.

E assim é: Jeanne varre a casa, vai às compras, põe a mesa, faz o jantar, fala com o filho, lava a louça. Faz tudo em tempo real, contemplada a uma distância respeitosa por uma câmara imóvel. Eis que a campainha toca, entra um senhor de meia-idade e vai para o quarto. Tira a roupa enquanto ela se estende na cama. Inerte, Jeanne olha para o teto e ele a penetra muda e metodicamente. Finda a função, veste-se, deixa algumas notas na mesa e se vai.

Seyrig contou que aceitara ser a protagonista porque, para ela, havia bilhões de mulheres no mundo como Jeanne. Faziam sexo não por prazer, mas porque eram pagas. Seus maridos lhes davam dinheiro para cuidar da casa e dos filhos —e irem para a cama com eles. Tinham uma vida melancólica, mas não necessariamente imutável. Com Jeanne, por exemplo, ocorre algo que abala seu mundo.

A partir de “Jeanne”, a atriz engajou-se no feminismo. Participou do Movimento de Libertação das Mulheres e assinou o Manifesto das 343 que admitiam ter feito aborto, o que era crime, e pediam mudanças na lei. Para além da participação política, dirigiu filmes militantes.

Um deles teve tema brasileiro, o documentário “Inês”. Ele conta a trajetória de Inês Etienne Romeu, que durante a ditadura foi seviciada na Casa da Morte, o centro de torturas montado por militares em Petrópolis. Feito em 1974, quando a ditadura parecia inamovível, e Inês mofava na cadeia, o filme de 20 minutos foi vital na campanha internacional pela sua libertação.

Fez também um longa-metragem marcante, o documentário “Seja Bela e Cale a Boca”, inovador na técnica e no tema. Seyrig foi a segunda pessoa na França (a primeira foi Godard) a usar uma câmera de cinema portátil e com gravador embutido.

Com ela, entrevistou 26 atrizes americanas e francesas —um arco que vai de Jane Fonda a Maria Schneider. Sem a presença de uma câmera enorme e barulhenta, nem de microfones, e falando a uma colega, elas explicam com vagar que vieram de baixo, que são profissionais, donas de casa, vítimas e vanguarda de uma indústria machista.

Seyrig pretendia, também ela, dar um depoimento para o filme. Desistiu ao perceber que tudo o que queria dizer já fora falado pelas entrevistadas. Condensou sua experiência em “Seja Bela e Cale a Boca” com uma frase solidária e generosa, além de feminista: “Eu sou as outras”.

Mario Sergio Conti é jornalista, é autor de “Notícias do Planalto"

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