A leoa não sabe o que é culpa. Nós sabemos — ou acreditamos saber, pois a culpa é uma construção humana, não animal. A morte do jovem em surto que entrou na jaula da leoa, na Paraíba, devolve à nossa consciência uma pergunta antiga: o que acontece com uma sociedade que perde sua capacidade de cuidar? A filosofia, quando convocada, revela uma verdade incômoda: o mal não nasce dos monstros, mas das estruturas que fracassam. Hannah Arendt já dizia que ele brota do vazio entre o dever e a ação, da incapacidade de pensar e julgar — como exemplificado em Eichmann, que “cumpria ordens” e transformava o indivíduo em “supérfluo”. O jovem não morreu pela força da leoa, mas pela ausência de uma rede que o amparasse antes do precipício. O mesmo vazio aparece na morte de Benício, em Manaus, após a administração equivocada de adrenalina. Um erro elementar, que expõe o que fingimos não ver: a deterioração do saber médico. Claude Bernard advertia que “quem não sabe o que procura, não sabe interpretar o que encontra”.