As ruas e a democracia sempre mantiveram relações muito estreitas desde os seus primórdios. Já na Grécia Antiga, a Praça Pública (Ágora) era o espaço onde se realizavam debates e se tomavam as decisões que definiam o destino das cidades. Na contemporaneidade, as redes sociais se revelaram um importante espaço de mobilização política, sobretudo a partir dos protestos da Primavera Árabe, em 2010, quando a maioria das manifestações foi articulada e organizada por meio delas.

Guardadas as devidas diferenças de conteúdo, mas com forte semelhança quanto à forma, as manifestações de junho de 2013, no Brasil, podem ser consideradas um reflexo do modo de protestar inaugurado pela Primavera Árabe. Contudo, no Brasil de 2013, não foi fácil compreender o clamor das ruas, já que apareciam reivindicações de toda natureza: desde pedidos de retorno à ditadura militar até protestos contra e a favor do aborto.

Quando a classe política descobriu o potencial das redes na formação da opinião pública, iniciou-se uma exploração desmedida — e quase desavergonhada — desse veículo de informação. Assessores passaram a disputar com afinco cada ângulo dos plenários da Câmara e do Senado, a fim de captar trechos isolados de falas — muitas vezes totalmente fora de contexto — com o intuito de influenciar a opinião pública em favor de seus correligionários e contra seus adversários.

Não demorou para se perceber que, no âmbito da política partidária, a eficiência técnica das redes caminhava em sentido diametralmente oposto ao compromisso ético e à verdade dos fatos, servindo para difundir notícias falsas, calúnias e difamações a milhões de pessoas em poucos instantes. O anonimato dos emissores contribuiu para transformar as redes, não poucas vezes, em arenas de disputas extremamente hostis, odiosas e violentas.

Assim, convocatórias feitas pelas redes sociais podem levar às ruas pessoas que sequer acompanham a agenda política do país, mas que são mobilizadas pelo efeito de notícias falsas disparadas por robôs, tornando-se massa de manobra. Com a internet, chegou-se a acreditar que estávamos diante de um meio de comunicação totalmente democrático frente ao monopólio da informação exercido pelas grandes agências de comunicação. Entretanto, com o tempo, percebeu-se que o controle das redes sociais pelas big techs pode ser ainda mais nefasto que o dos tradicionais jornais e emissoras de televisão, cabendo muitas vezes a estes fazer o filtro daquilo que circula nas redes para frear as fake news.

As manifestações do domingo, 20 de setembro, contra a chamada “PEC da Impunidade” revelaram um dado interessante: tratou-se de um ato político que, direta ou indiretamente, contou com a participação das grandes e tradicionais empresas de comunicação do país, das redes sociais, de organizações e movimentos sociais e, sobretudo, da população em geral, que resolveu ir às ruas.

As redes sociais foram um importante veículo de articulação e mobilização popular em curto espaço de tempo; no entanto, o que realmente impediu o Congresso Nacional de institucionalizar a corrupção na prática política do Parlamento brasileiro foi a presença do povo nas ruas. Ir às ruas continua sendo uma prática política eficaz.

Os senadores só resolveram enterrar a famigerada PEC quando perceberam que aquela multidão representava votos. Assimilar essa relação dialética entre as redes, as ruas e a imprensa oficial pode significar um ganho para a sociedade brasileira em termos de cidadania.

Frei Paulo Cantanheide, doutor em Educação. Especialista em Direitos Humanos e professor da UEG, Campus Cora Coralina -Cidade de Goiás

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

As ruas e as redes

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Frei Paulo Cantanheide

Voto

A maioria dos deputados federais goianos evitou posicionamento nas redes sociais após a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que amplia o foro privilegiado e protege os parlamentares em relação a investigações criminais e também abre brecha na área cível. Dos 17 representantes de Goiás, 14 votaram a favor da proposta. Só Adriana Accorsi, Rubens Otoni (ambos do PT) e Flávia Morais (PDT) foram contra.

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O tema incendiou o X (ex-Twitter) ao longo desta quarta (17), onde as tags “PEC DA BANDIDAGEM” e “PEC DA IMPUNIDADE”, escritas em caixa alta, ficaram entre os assuntos mais comentados do dia, somando mais de 250 mil postagens.

O POPULAR levantou as redes de todos os 17 deputados goianos e encontrou apenas três manifestações diretas, por meio de postagens, sobre o tema: Adriana, Flávia e Ismael Alexandrino (PSD) se posicionaram publicamente. O restante da bancada preferiu não tocar no assunto - mesmo com a enxurrada de críticas.

Nos comentários das publicações, a reportagem constatou presença considerável de internautas reclamando ou questionando o voto a favor da PEC. Eles cobraram posicionamento condizente com “os interesses do povo” e alegaram “decepção”. Na maioria dos casos, os comentários foram ignorados. Apenas alguns deputados chegaram a responder os internautas.

Em um post, ao responder pergunta da internauta Nathalia Caetano sobre o voto a favor da PEC, Alexandrino disse que “não é uma pauta que eu gostaria de votar, mas infelizmente, para evitar excessos do STF, ela é necessária”. Sobre o mesmo tema, ao seguidor Antônio Luiz Espíndola escreveu que “não há democracia com um STF hipertrofiado e atropelando o parlamento. A PEC das Prerrogativas reestabelece (sic) o equilíbrio”. Mais cedo, pelos stories do Instagram, Alexandrino já havia compartilhado uma postagem do perfil oficial da Câmara dos Deputados dizendo que a PEC não é sobre “privilégio, mas tem a ver com cargo”.

Magda Mofatto (PRD), que também não fez postagens sobre a PEC, em resposta ao internauta Carlos Eduardo Silva, reforçou a ideia de defesa da “autonomia do Congresso frente ao Supremo Tribunal Federal (STF)”. “E sobre o foro privilegiado, veja bem. Se o Bolsonaro tivesse sido julgado pela primeira instância, como foi o Lula, ele teria muito mais meios e tempo para se defender. Esse foro privilegiado para te colocar num julgamento político não cumpre os requisitos constitucionais”, escreveu a deputada.

Do grupo dos três goianos que votaram contra a PEC, apenas Otoni não se manifestou nas redes. Adriana fez vídeo classificando a votação como “ataque à democracia” e dizendo que a pauta que verdadeiramente interessa ao povo “foi deixada de lado”.

Já Flávia publicou texto em que disse respeitar a decisão da maioria, mas que não considera necessário que o “Congresso autorize a abertura de investigações contra parlamentares quando houver indícios de cometimento de crime”.

Deputados federais goianos evitam se posicionar nas redes sobre PEC da Blindagem

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Congresso Nacional

Não basta que a classe política e a elite intelectual do país elaborem uma carta constitucional sem a efetiva participação da população e sem que os crimes cometidos pelo regime anterior sejam devidamente punidos para que se possa falar em democracia. O modo como foi conduzido o processo de redemocratização do Estado brasileiro, após o golpe militar de 1964, já denunciava que a democracia levaria tempo para se consolidar, visto que muitas práticas políticas, assim como pessoas ligadas ao antigo regime, continuaram ativas.

Uma pergunta recorrente nas análises políticas e jurídicas do momento é se a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) estaria exagerada, se o tribunal não estaria “aparecendo demais”. Eu diria que a principal razão dessa indagação está no fato de que, historicamente, o Judiciário raramente exerceu protagonismo político, o que acostumou analistas e a própria sociedade à sua ausência.

Se considerarmos o Judiciário como guardião da Constituição, é curioso lembrar que, já no início da chamada “nova República”, Getúlio Vargas, em vez de convocar eleições presidenciais para 1938, instaurou o Estado Novo, mantendo-se no poder até 1945. Onde estava o Judiciário durante esse período?

A primeira redemocratização foi conduzida por generais — como Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra — que exigiram a deposição de Vargas. Coube ao Judiciário duas aparições discretas: em fins de 1945, quando o poder foi entregue a José Linhares, presidente do STF, que governou o país até as eleições de 2 de dezembro; e em 1947, quando o tribunal cassou o registro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), após denúncia do presidente Dutra sobre suposta aliança entre o partido e a União Soviética.

Em 1954, quando os generais pressionaram Vargas a renunciar — levando-o ao suicídio —, onde estava o STF? Pouco tempo depois, Juscelino Kubitschek quase não tomou posse. Segundo denúncia do então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, havia um complô entre o presidente em exercício, Carlos Luz (presidente da Câmara), e políticos da UDN (partido conservador de direita), para impedir a posse de JK. Mais uma vez, o impasse foi resolvido pela própria classe política e pelos militares, cabendo a Nereu Ramos, presidente do Senado, assumir interinamente até a posse de Juscelino.

Da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, até a deposição de João Goulart, em 1964, o STF quase não aparece na história política do país. Somente após a Constituição Federal de 1988 o tribunal começou a entrar em cena de maneira mais constante, embora por vezes de forma tímida ou confusa — como no processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Hoje, contudo, parece decidido a assumir de fato seu papel constitucional.

As intervenções nos processos democráticos, historicamente, sempre foram conduzidas pela aliança entre a elite econômica e a alta hierarquia das Forças Armadas, sem prestar contas à população. Ora, o povo assistia “bestializado”, na expressão de José Murilo de Carvalho; ora, engrossava o coro que legitimava a intervenção, como em 1964.

Percebe-se, portanto, que, no processo histórico, algumas coisas mudaram: por um lado, o STF busca exercer sua autonomia como representante legítimo do Poder Judiciário, regulando as disputas políticas pelo acesso ao poder central; por outro, uma parcela significativa do alto comando militar — talvez até mesmo a maioria — já não está disposta a cair no “conto do vigário” emitido pelos representantes políticos da extrema direita.

Além disso, parte da população entende que o país precisa de um mínimo de soberania. Mas, como afirma Jessé Souza, a elite de extrema direita continua sendo a “elite do atraso”, insistindo em acreditar que, se é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil.

Frei Paulo Cantanheide, doutor em Educação. Especialista em Direitos Humanos e professor da UEG, Campus Cora Coralina - Cidade de Goiás

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

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Eis que surgiu o STF

Mariosan

Charge

Matéria - Charge

No atual estágio da sociedade brasileira, há verdades tão evidentes que, embora pareçam óbvias, ainda precisam ser ditas. Uma delas é o papel essencial dos três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — que devem atuar de forma autônoma e independente em qualquer república democrática. No entanto, parte do atual Parlamento dá sinais preocupantes de desconhecimento desse princípio ou, pior, parece trabalhar para subverter a ordem democrática a partir de dentro do próprio Legislativo.

Historicamente, regimes autoritários iniciam-se com o fechamento do Congresso e a substituição do Judiciário por instâncias subordinadas ao poder central. A análise das atitudes recentes de um grupo majoritário na Câmara dos Deputados — muitos deles ligados ao chamado “centrão” — indica um descompromisso com os pilares republicanos.

Exemplo disso é o episódio em que o presidente dos Estados Unidos, influenciado pelo filho do ex-presidente brasileiro — réu por tentativa de golpe —, exigiu que o atual chefe de Estado interferisse em decisões do Judiciário, sob ameaça de sanções. A proposta contou com o apoio explícito de deputados, numa grave afronta à separação entre os poderes.

Esse mesmo grupo tem se destacado por iniciativas que priorizam interesses particulares, mesmo que em detrimento do bem coletivo. Um caso emblemático é a intervenção na legislação sobre energia eólica em alto-mar, que pode elevar a conta de luz em até 3,5% para beneficiar aliados donos de pequenas usinas hidrelétricas e termoelétricas.

Outro ponto contraditório é o discurso em defesa do equilíbrio fiscal, usado para criticar gastos sociais, ao mesmo tempo em que recusam a abrir mão das emendas parlamentares, que somam mais de R$ 50 bilhões por ano. Entre os projetos mais polêmicos está a proposta de ampliar o número de cadeiras na Câmara dos Deputados, de 513 para 531, com impacto estimado de R$ 64,8 milhões anuais.

Há ainda o Projeto de Lei 2159/21, apelidado de “PL da Devastação”, que afrouxa o licenciamento ambiental, colocando em risco o desenvolvimento sustentável do país. Os discursos inflamados de deputados conservadores em defesa da família caem por terra quando a pauta é a votação do marco regulatório das mídias digitais e das big techs — proposta que esses parlamentares adiaram ao máximo, favorecendo a disseminação de fake news nas redes sociais para fins de propaganda política.

Foi preciso que o vídeo-denúncia do youtuber Felca, apontando que a manipulação de algoritmos nas plataformas favorece a exposição e a exploração de crianças, viralizasse para que houvesse mobilização na Câmara e a retomada da pauta. Não é coincidência que os dois maiores escândalos de corrupção das últimas décadas — o Mensalão, no governo Lula, e o Orçamento Secreto, na gestão Bolsonaro — tenham tido como objetivo manter a governabilidade por meio da compra de apoio no Congresso, evidenciando uma estrutura parlamentar moldada pela barganha, não pela representação democrática.

Diante desse cenário, uma reflexão se impõe: enquanto o eleitor brasileiro dedica tempo e energia para escolher o chefe do Executivo, não estaria na hora de adotar o mesmo rigor e atenção na escolha de seus representantes no Parlamento?

Frei Paulo Cantanheide, doutor em Educação. Especialista em Direitos Humanos e professor da UEG, Campus Cora Coralina - Cidade de Goiás

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Contradições do nosso Parlamento

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