O sistema tributário atual é complexo e desatualizado. É uma fábrica de contencioso judicial, causando insegurança jurídica e afugentando investidores, enfraquecendo a economia, impedindo a geração de empregos e a melhoria da renda do trabalhador. No ano passado foi aprovada a reforma tributária sobre o consumo de bens e serviços na Emenda Constitucional 132/23.

Foi criado o IVA dual (dois impostos), sendo a CBS da União e o IBS dos estados e municípios. O governo federal, que enviou ao Congresso Nacional a proposta aprovada, alega muitas melhorias em relação ao sistema atual, como a simplificação e a redução da sonegação, que permite diminuir alíquotas, que são muito altas.

Com entusiasmo, o governo continua argumentando sobre avanços na economia, afirmando que o PIB vai crescer, que o país vai gerar mais renda e empregos de qualidade, com melhores salários. Garante também que não vai haver aumento na arrecadação e até pode haver diminuição da carga tributária, pois o novo sistema dificulta a sonegação e estabelece alíquota zero para a cesta básica.

Do outro lado, os estados e municípios olham tudo isso com enorme incredulidade e desconfiança. Afirmam que haverá, sim, aumento na carga tributária, que o novo sistema ainda é complexo e, pior, temem que o Comitê Gestor seja um monstro indomável de muitas cabeças e doravante todos terão de ir até Brasília com o “pires na mão” para conseguir recursos, já que a reforma teria quebrado o pacto federativo, retirando sua autonomia financeira e administrativa.

O Comitê Gestor fará a gestão e a distribuição (split payment) dos impostos arrecadados com o IBS para os estados e municípios. O índice porcentual de cada ente federado será calculado em relação ao que arrecadam hoje. A melhor técnica legislativa deve ser adotada para proibir veementemente que a União tenha qualquer poder ou tipo de ingerência no comitê Gestor.

Claro que nenhum dos dois lados tem total razão. Não temos garantia se realmente haverá melhorias econômicas, crescimento do PIB ou melhores empregos. Do outro lado, também não haverá quebra do pacto federativo e a consequente retirada da necessária autonomia financeira e administrativa de estados e municípios. É preciso muita atenção e cuidado para certificar que a lei que vai criar e regulamentar o Comitê Gestor impeça interferência da União.

A regulamentação foi aprovada pela Câmara dos Deputados, segue agora para votação no Senado Federal e trata justamente dos detalhes do sistema. A bancada da bala conseguiu retirar as armas de fogo da incidência do imposto seletivo, o denominado imposto do pecado, que vai incidir sobre produtos que causam mal à saúde e ao meio ambiente. Tais como: cigarros, bebida alcoólica e produtos que causam poluição ambiental.

Os deputados conseguiram também incluir na cesta básica carne, peixes, queijo e sal. Ficou também definido que, mesmo com o aumento dos produtos da cesta básica com alíquota zero, o teto máximo para alíquota do imposto será mantido em 26,5%.

Muito importante registrar que o Brasil vai adotar o sistema de cashback. Isso significa que haverá uma devolução total do imposto pago para as pessoas muito pobres, aquelas do CadÚnico. Vai abranger energia elétrica, água, esgoto e gás. Poderá haver também cashback parcial de outros tipos de bens e serviços. É esperar para ver.

Isto posto, todos devemos estar muito atentos com a regulamentação da reforma tributária, que deverá ocorrer até o fim do ano. Governo federal, Câmara dos Deputados e o Senado Federal apontam que a regulamentação deve ocorrer ainda em 2024, mesmo em ano eleitoral.

Cairon Santos, advogado tributarista, professor e&nbsp;contador

Atenção à regulamentação

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O Brasil tem testemunhado uma expansão significativa no número de faculdades de medicina nas últimas décadas. Atualmente, existem 389 escolas médicas no país, colocando-o no segundo lugar mundialmente, atras apenas da Índia.

Essa expansão resultou em um aumento expressivo de vagas oferecidas. Em 2023, o país contava com 23.287 vagas nas 389 faculdades de medicina.

Consequentemente, o número de médicos formados anualmente tem crescido. Estima-se que o Brasil esteja diante da possibilidade de formar 50.000 médicos por ano, um número que supera a demanda atual e pode gerar desafios no mercado de trabalho.

Em termos de profissionais em atividade, o país registrava, em abril de 2024, 575.930 médicos ativos, o que corresponde a uma proporção de 2,81 médicos por 1000 habitantes, a maior já registrada no Brasil. No que diz respeito à residência médica, o Brasil enfrenta desafios na oferta de vagas.

Embora o número de médicos tenha crescido, a quantidade de vagas de residência não acompanhou esse ritmo, resultando em um contingente significativo de médicos sem especialização. Em 2022, o país possuía 321.581 médicos com um ou mais títulos de especialistas, representando 62,5% dos profissionais em atividade.

A qualidade das faculdades de medicina tem sido motivo de preocupação. Estudos indicam que 80% das faculdades estão localizadas em municípios sem a infraestrutura ideal o que pode comprometer a formação dos futuros médicos. A população brasileira enfrenta desafios significativos no acesso à assistência médica. Embora o número de médicos tem aumentado, a distribuição desigual dos profissionais pelo país resulta em regiões com escassez de atendimento.

Além disso, a qualidade da formação médica é uma preocupação crescente, com a proliferação de faculdades sem infraestrutura adequada. O sistema único de saúde (SUS) é a principal fonte de atendimento, para grande parte da população (70%), enquanto uma parcela menor (25%), possui planos de saúde privados.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e outras associações médicas têm manifestado preocupação com a expansão desordenada dos cursos de medicina e a qualidade da formação oferecida. Eles alertam para o risco de formar profissionais sem a devida qualificação, o que pode comprometer a assistência à saúde no país.

Para enfrentar esses desafios, é fundamental implementar um planejamento estratégico que inclua a regulamentação rigorosa na abertura de novas faculdades de medicina, assegurando que atenda aos padrões de qualidade necessários. Com a expansão das vagas de residência médica, garantindo que todos os formados tenham acesso à especialização.

Além disso, políticas de incentivo para a distribuição equitativa de médicos pelo território nacional, reduzindo as disparidades regionais. E com o fortalecimento do SUS, assegurando recursos de infraestrutura adequados para atender à demanda da população.

Somente com uma abordagem integrada e comprometida será possível melhorar a assistência médica no Brasil, garantindo que a população tenha acesso a serviços de saúde de qualidade.

Antônio de Moraes Júnior, médico urologista

O ensino médico "está doente"

Antônio de Moraes Júnior

O Código de Processo Penal, amparado pela Constituição Federal, confere ao Ministério Público o poder requisitório de instauração de inquérito policial nos casos de crime de ação penal pública. A norma constitucional, quando determina as funções institucionais do MP, faz uso, propositalmente, da palavra “requisitar” ao se referir à autoridade conferida ao órgão ministerial para exigir a instauração de inquérito policial.

Em que pese a doutrina moderna entender que prevalece a autonomia funcional do delegado de polícia, em razão da inexistência de hierarquia entre delegados e promotores, o entendimento tradicional, ainda prevalente, é que a medida de requisição ministerial de instauração de inquérito policial é impositiva, por força do princípio da obrigatoriedade, exceto ao se tratar de ordem manifestamente ilegal. Portanto, é imprescindível a estruturação de requisição fundamentada pelo Ministério Público, pautada em indícios instrutórios mínimos, dada a seriedade da medida.

Quando notícia de fato delitivo se chega ao conhecimento da autoridade ministerial por meio de denúncia apócrifa, é necessário que o promotor de Justiça construa investigação preliminar, de modo a corroborar ou afastar o teor do que lhe foi denunciado. Esse entendimento foi sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual a notitia criminis apócrifa, isoladamente, carece de verificação pelos órgãos públicos da mínima plausibilidade da imputação para a instauração de inquérito policial. Contudo, principalmente com a difusão das mídias digitais, é crescente o movimento de “denuncismo” no Brasil.

Escudando-se no anonimato, denúncias apócrifas com teor falso ou manipulado vêm abarrotando o sistema judiciário, em prejuízo de interesse particular ou público. Quando o Ministério Público age pautado exclusivamente em denúncia anônima, incide em inconstitucionalidade e pode cometer crime de abuso de autoridade. Por outro lado, o olhar atento do promotor, ao se deparar com denúncia anônima, garante a aplicação justa e eficaz da lei e protege a lisura dos órgãos de persecução penal.

Nesse sentido, diante de notitia criminis inqualificada, o Ministério Público tem o dever de aferir indícios mínimos que corroborem a plausibilidade do fato narrado antes de requisitar a instauração de inquérito policial.

Lembremo-nos que o Direito Penal é a última medida possível ao Estado para a repressão a comportamentos ilícitos, e somente quando nenhuma outra medida for cabível para o reestabelecimento da ordem poderá entrar em ação. E não é sem razão, uma vez que, quando atuante, envolve sempre constrição de direitos, de forma gravosa.

Por isso, as autoridades precisam e devem se valer de poder de que dispõem para sua atuação. Mas com o conhecimento do peso de sua autoridade, do peso do exercício de tal poder para, na observância absoluta dos efeitos do exercício de seu desiderato, fazer atuar o Direito Penal.

Alexandre Lourenço, advogado, especialista em investigação defensiva, ex-delegado-geral da Polícia Civil&nbsp;de Goiás e ex-secretário de Segurança Pública do Estado (interino)

Com: Maria Carolina Barreto, advogada e pós-graduanda em Direito Penal Econômico

Denuncismo e abuso de autoridade

Alexandre Lourenço

Em seu segundo mandato à frente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump pressionará o Brasil e o governo Lula em torno de seus interesses - contra a expansão do comércio com a China, a intensificação das relações com os Brics, a substituição do dólar como moeda padrão dentro do grupo e outros. Porém, o Brasil não deverá ser alvo muito relevante da política externa do novo presidente, que já possui uma grande agenda de prioridades.

Trump tomou posse na última segunda (20) para um novo mandato. Voltou ao cargo após a gestão do democrata Joe Biden ser incapaz de combater a grande inflação que assolou o país na pós-pandemia, diminuindo o poder de compra do norte-americano. Nos Estados Unidos, a aposta é que Donald Trump dará à América Latina uma atenção muito maior que qualquer outro governo neste século.

A tendência, porém, é que seu foco seja maior ao vizinho México e aos países da América Central. Uma das principais bandeiras de Trump na campanha foi a adoção de uma linha dura em torno da imigração ilegal, além da deportação de quem não tiver permissão. A política de “Guerra às Drogas” também pautará a agenda do republicano com a América Latina.

O grande desafio de Trump é conseguir cumprir suas promessas na região sem utilizar força acima do normal. Se o republicano quiser impor sua agenda aos latino-americanos, correrá o risco de se tornar um vilão e fortalecer a esquerda no continente. Será interessante observar como será a atuação de Trump em relação aos seus aliados automáticos, como a Argentina de Javier Milei, e El Salvador de Nayib Bukele.

Contudo, não se pode ter ilusões. A atenção principal de Trump será a agenda interna dos Estados Unidos e qualquer assunto externo que exerça grande influência dentro do país. As relações com a China e a Rússia serão prioridades, já que o eixo é de fato o grande concorrente econômico e militar dos americanos. A discussão Otan-Europa-Guerra na Ucrânia é outro tema que será destaque nos primeiros meses. Oriente Médio continuará como prioridade.

A retórica de Donald Trump é muito forte, mas pouco acaba se transformando em ações concretas. Essa deverá ser a tônica do republicano em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que espera conseguir seu apoio para se tornar elegível e concorrer à presidência em 2026. No discurso, Trump poderá fazer acenos ao brasileiro, mas não são esperadas ações concretas. Vale lembrar que 2026 será um ano complicado para o republicano.

Além de marcar a metade de seu mandato, as eleições legislativas, no ano que vem, renovarão toda a Câmara dos Representantes e um terço do Senado. Ou seja, o poder que Trump gozará este ano, com controle total do Parlamento, poderá cessar logo. Além disso, a partir do fim de 2026, haverá início à discussão de sua sucessão.

O republicano não poderá concorrer à reeleição em 2028, já que a Constituição não permite mais de dois mandatos para uma mesma pessoa. Ou seja, Trump terá pouco tempo para mostrar trabalho enquanto a tinta de sua caneta diminui rapidamente.

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Eduardo Sartorato é jornalista e mestre em Relações Internacionais pelas universidades de Viena e Wroclaw

Brasil fora do radar de Trump

Eduardo Sartorato

Donald Trump e Mark Zuckerberg shipparam. À semelhança de Elon Musk, o CEO da Meta se converteu ao trumpismo em defesa da desinformação e da extrema direita. Mais do que a garantia do controle da privacidade e dos dados nas mãos de poucos, a aliança entre big techs e Washington é geopolítica. Trata-se de um imperativo para manter (ou recuperar?) a hegemonia estadunidense no século 21.

Em 2023, quando Chris Miller publicou o livro que este título parafraseia, a preocupação central eram as disputas tecnológicas entre Estados Unidos e China em torno dos semicondutores (ou chips). Agora, essas disputas estão mais intensas e as big techs se comportam de maneira mais agressiva em relação às rivais chinesas. Os ‘ships’, Trump/Musk, Trump/Zuckerberg e outros, entraram na guerra dos chips.

Os chips são essenciais para a fabricação de produtos, de eletrônicos a sistemas de defesa e de inteligência artificial, e constituem um pilar da economia global contemporânea. No entanto, a cadeia produtiva dos semicondutores é extremamente concentrada e interdependente, envolvendo poucos países e com funções bem definidas.

Taiwan, por exemplo, é responsável por 37% da capacidade computacional mundial. No segmento de chips de memória, duas gigantes sul-coreanas dominam 44% do mercado global. Já a produção das sofisticadas máquinas de litografia ultravioleta extrema, indispensáveis para fabricar semicondutores avançados, é um monopólio absoluto da empresa holandesa ASML.

A guerra dos chips se popularizou no primeiro governo Trump. O mandatário impôs restrições a empresas chinesas, como a Huawei, no acesso à tecnologia do país. O objetivo era claro: proteger a indústria tecnológica estadunidense e preservar a segurança nacional diante do avanço da China no setor. Essa postura, além de ter implicações geopolíticas, intensificou o interesse de big techs pela indústria dos semicondutores.

A Meta está investindo no desenvolvimento do próprio chip de inteligência artificial. Já Musk expressou seu desejo em contar com a própria fábrica de semicondutores. Até o momento, as empresas do bilionário sul-africano ainda dependem de outros fabricantes, como a Nvidia.

O retorno de Trump terá efeito paradoxal na guerra dos chips/‘ships’. Por um lado, a rivalidade sino-americana atingirá novos patamares e a defesa de interesses unilaterais e corporativos será o guia da política externa trumpista. Por outro, o protecionismo criará um front interno e afetará, também, empresas tecnológicas estadunidenses, como a Nvidia e a Oracle, que já se posicionam de maneira contrária às restrições aos chineses.

As medidas protecionistas comprometem a competitividade das empresas nacionais no mercado internacional e não fortalecem a segurança nacional. Uma eventual falência, por exemplo, da Nvidia poderia desencadear uma crise no ecossistema tecnológico dos Estados Unidos, a começar pela falta de insumos à Tesla. Os ‘ships’ podem perder a guerra, mas os chips continuarão a triunfar no futuro.

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Giovanni Hideki Chinaglia Okado é mestre em Relações Internacionais&nbsp;e professor da PUC Goiás e&nbsp;Renata Iracema Samuelsson&nbsp;é graduanda em Relações Internacionais pela PUC Goiás