Usualmente, ao falarmos de preservação ambiental, pensamos no cuidado de florestas e esquecemos que as cidades também devem ser cuidadas desde uma perspectiva ecológica. Em tempos de incerteza climática, mega desastres e de refugiados climáticos, as cidades se tornam os epicentros das tragédias.

Não há dúvidas de que, para o mundo enfrentar os problemas ambientais, as cidades devem se transformar. O que está em jogo é evidente: sem uma mudança de paradigma para as cidades, a crise climática continuará. Para uma cidade ser ecologicamente correta é necessário considerar o papel social e cultural da natureza. O planejamento urbano deve superar a visão de que natureza e cidade são alheias. Os eventos climáticos recentes no Sul do país demonstram a necessidade de entender a natureza como parte integrante das urbes e não apenas como um elemento externo.

No nosso estado, secas prolongadas seguidas de chuvas, embora torrenciais, cada vez mais escassas, afetam a disponibilidade de água; impondo racionamentos e projetos de saneamento mais complexos e caros, impactando também a economia.

Crises anteriores como a pandemia nos alertaram e evidenciaram a falta de acesso à água potável e a áreas arejadas em setores vulneráveis. A saúde e o bem-estar de uns podem valer mais que de outros porque no mesmo período, o setor imobiliário se renovou ante novas demandas. A pandemia mudou a percepção das pessoas; as medidas de distanciamento social e a necessidade de ficar em casa, aumentou a procura por moradias situadas em áreas paisagisticamente atrativas, mas com uma manutenção hídrica dispendiosa a custas do potencial hídrico da cidade.

Uma considerável parcela da população ainda mora em áreas desprovidas de áreas verdes, enquanto outra mora em locais onde uma natureza artificial e pontual é vendida como sustentável e saudável. São infinitos os anúncios onde as palavras de destaque são “cidade verde” ou “construção sustentável”.

O Plano Diretor de Goiânia, aprovado em 2022, evidenciou o contrário desses anúncios. A pressão vinda do setor imobiliário materializou um projeto de crescimento de mercado sem resguardo do patrimônio ambiental. Determinados locais da cidade se transformaram em oásis paisagísticos, pois a construção de parques é designada pelo valor imobiliário e não pela necessidade de melhorar a qualidade de vida de todos.

A aspiração por locais mais positivos para o meio ambiente é também aspirar a um futuro positivo para nós. Ao se governar a cidade, a natureza deve ser considerada não meramente um adorno. Não são necessárias mega construções “verdes” para expandir a cidade; a adaptação da infraestrutura já construída deve integrar a natureza para todos os setores.

Os políticos que se apresentem nas eleições serão observados pela pauta ambiental e o tema não pode ficar só no discurso. É necessário criar uma visão compartilhada de futuro, não homogênea, mas sim inclusiva, no qual todas as vozes tenham o mesmo valor.

Aura Luz Fernandez Abarca, doutoranda em Geografia pelo IESA-UFG. Mestre em Desenvolvimento e Planejamento Territorial pela PUC-GO. Engenheira Ambiental e pesquisadora no Núcleo Goiânia do Observatório das Metrópoles. Artesã e imigrante.

Cidades baseadas na natureza

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Aura Luz Fernandez Abarca

Quando a Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE-GO) chega aos seus 60 anos de história, é importante, além da usual e necessária comemoração, realizar uma revisitação pessoal.

Ingressei nos quadros da PGE em 2006. De lá para cá transitei por diferentes unidades administrativas internas do órgão e por diversas secretarias. Desse modo, esse contínuo deslocamento me permitiu perceber a instituição por diversos ângulos.

É inegável o amadurecimento da carreira nesses quase 20 anos.

De tempos em que margeavam o Governo, em uma cultura e ambiente em que Procuradores eram conhecidos por nomes e brilhavam individualmente, passou-se a uma instituição de viabilização de atividades estatais de aspecto central. Hoje, em qualquer mesa de discussão a respeito de uma decisão governamental, há um Procurador do Estado.

A confiança e a fiança, antes marcadas por contornos individuais, migraram para um âmbito institucional. Ser Procurador do Estado tornou-se sinônimo de competência e segurança para o setor público. Esse reconhecimento é evidenciado na composição do Conselho de Governo, unidade plenamente ativa e diuturnamente consultada pelo Governador do Estado. Para exemplificar o quanto dito: de seus seis membros, três são agentes de carreira da PGE, confirmando o reconhecimento e a consolidação da instituição.

Justaposto a esse amadurecimento e consolidação, notei, ainda, uma modificação de rumos quanto ao papel e atividade do Procurador do Estado no arcabouço de carreiras jurídicas estatais.

Não existe atividade em zona mais cinzenta, considerando a Magistratura, Defensoria e Ministério Público, do que a Advocacia Pública. O advogado público anda a todo momento lidando com o controle, a autotutela, o contencioso, a consultoria e a mediação. Transita entre Governo e Estado. É o para-choque de “emoções sociais” de qualquer gestor, diante de uma eventual disfuncionalidade de controle externo ou mesmo na montagem do intrincado quebra-cabeça de concretização do planejamento governamental.

Foi esse o caminho encontrado: o de viabilizar, de maneira oportuna, célere, eficiente e desejada, o plexo de políticas públicas escolhido pela população nas urnas.

Não há inteligência artificial, programa ou produção em série que possa substituir o Procurador do Estado nesse aspecto de suas atribuições. Ele está condenado (ainda bem!) a estudo incessante, argumentação, prospecção de dados, engenhosidade, coragem e audácia até o encerramento de suas atividades profissionais.

Tenho grande orgulho e paixão pelas atividades da Procuradoria-Geral do Estado. Atividades vocacionadas à resolução de problemas, superação de desafios e proscrição de acomodação. Ser Procurador do Estado permite isso e muito mais.

Que venham outros 60 anos e que sejam tão marcantes quanto os anteriores, reafirmando o papel indispensável da PGE na construção de um Estado eficiente.

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Jorge Luís Pinchemel é procurador do Estado de Goiás e Secretário de Estado da Casa Civil&nbsp;

PGE em Goiás: 60 anos

Jorge Luís Pinchemel

O dia nacional da consciência negra comemorado no Brasil em 20 de novembro faz alusão a morte de Zumbi, líder e herói da resistência do povo negro no Brasil. A data criada no início da década de 1970, passou a ser feriado nacional, a partir de dezembro de 2023, pela Lei Federal 14.759, reconhecida como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

A instituição do feriado é simbólica, representa mais uma conquista dos movimentos sociais que lutam pelos direitos dos negros. Luta longa que antecede a lei Áurea. De lá para cá são mais de 130 anos de resistência.

Em cada passo dado, na busca por Justiça e Igualdade Social, existe a presença incontestável da sociedade civil organizada, reivindicando, propondo, articulando nos espaços de poder, políticas públicas para a população negra, que reparem os séculos de exploração e marginalização e impactem positivamente as vidas negras.

Ainda há pessoas que acreditam que o Brasil não é um país racista. É tarefa fundamental conscientizar as pessoas que existe racismo no Brasil e que ele é naturalizado.

É preciso conhecer as conquistas do povo negro e colocá-las em prática: É crime previsto no Código Penal (1940), a Injúria Racial; os territórios quilombolas foram reconhecidos, assim como, a discriminação, o preconceito e o racismo foram tipificados na Constituição de 1988; o racismo foi tipificado como crime pela Lei 7.716, em 1989.

Em 2003, tornou-se lei o ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira (Lei 10.639); em 2010 foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial pela Lei 12.288, assegurando a efetivação de igualdade de oportunidades e a defesa de direitos.

A lei de cotas para o Ensino Superior foi sancionada em 2012, o que mudou o perfil do jovem das universidades públicas brasileiras, como aponta pesquisa do IBGE (2019). Pela primeira vez os negros passaram a ser maioria nas universidades públicas; em 2023, a lei 14.532 alterou o Código Penal equiparando a injúria ao racismo e punindo quem faz apologia a ele.

Existem reflexos destas conquistas, no entanto, é necessário enfatizar, que por conta deste racismo, são os negros a parte mais vulnerável da nossa sociedade. Pesquisa SIS (Síntese de Indicadores Sociais) do IBGE (2019), afirma que 70% da população que está abaixo da linha da pobreza é composta por negros e pardos.

Pessoas que vivem sem dignidade, com a infância e juventude sem acesso a educação e refém do sistema bruto que extermina jovens negros: a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil (Atlas da Violência, de 2022). Para superarmos as desigualdades sociais precisamos enfrentar o racismo estrutural. Parafraseando Robin Diangelo: Não basta não ser racista. Precisamos ser antirracistas!

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Geralda Cunha é mestra em Educação, radialista, jornalista e ativista pelos Direitos Humanos

Não basta não ser racista

Geralda Cunha

Um país colonizado, forjado pelas chagas, suor e sangue de mãos negras. As mesmas mãos que tanto semearam ainda lutam pela colheita dos frutos. Libertaram os negros, mas prenderam a terra que até os dias de hoje concentra-se nas mãos de homens brancos, conforme dados verificados no último censo agropecuário do IBGE.

Como política de busca de reparação, a Constituição Federal de 1988 garantiu a titulação. O Decreto 4887/2003 regulamentou o processo de regularização das terras das comunidades quilombolas.

Há no senso comum um entendimento de que a regularização dos territórios quilombolas trata-se de uma benesse a esta população, mas, na verdade, alcança muitas outras dimensões. A regularização dos quilombos significa reconhecimento e preservação da cultura viva dos povos tradicionais: as formas de cultivos, a relação com a terra, a arte e o artesanato, as danças, a culinária, a criação advinda da adversidade.

Em tempos em que as mudanças climáticas soam como um aviso de que a maneira colonizadora de lidar com a terra, com as pessoas e os demais elementos da natureza são devastadores, o modo de viver e deixar viver quilombola apontam-nos importantes lições. Basta estarmos atentos para ver, ouvir e sentir.

São as comunidades tradicionais que guardam o conhecimento ancestral, a diversidade alimentar, a convivência pacífica entre lavoura e floresta, a cura pela terra e pelas plantas. São elas que detém o saber sobre o tempo e as sementes. São elas que mesmo desterritorializadas se preocupam antes com a nascente de água aterrada dos territórios usurpados do que consigo mesmas, pois enxergam nas fontes uma extensão de suas próprias vidas.

Por isso que neste dia da Consciência Negra exaltamos a luta das comunidades quilombolas pela plena liberdade dos povos e da terra. Defendemos a regularização dos territórios que devem ser pensados não apenas como uma reparação histórica à população quilombola, mas talvez como uma chance de postergarmos as milhares de formas de vida - incluindo a humana - neste planeta.

Neste contexto, a Universidade Federal de Goiás realizará no período de 4 a 7 de junho de 2025 mais uma edição da Feira Agro Centro-Oeste Familiar (Acof), onde expositores e expositoras das mais de 50 comunidades quilombolas de Goiás estarão compartilhando sua arte, culinária, ciência, medicina. Não perca este momento de troca de saberes.

Em sua 22ª edição, a ACOF mostrará mais uma vez o potencial que a agricultura familiar tem de garantir segurança alimentar e nutricional, utilizando sustentavelmente os recursos ambientais e diminuindo as desigualdades sociais no campo de na cidade. Vamos varrer o racismo do Brasil e nos reencontrarmos com nossas firmes e potentes raízes africanas.

Ludmilla Carvalho, engenheira agrônoma e chefe da Divisão de Territórios Quilombolas do Incra em Goiás.&nbsp;Assinam como coautoras do artigo Graciella Corcioli, professora da Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (UFG), e Nadia Dal Molin, assistente técnica da Divisão de Territórios Quilombolas do Incra em Goiás

Cultura quilombola e o futuro

Ludmilla Carvalho

A liberdade da gente negra brasileira tem sido tema de celebração pública, desde 1888. Foi de Porto Alegre/RS, porém, que os fundadores do Grupo Palmares, entraram para a história do Brasil ao lançarem a data afro-brasileira – o Dia de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1971 e irradiada nas décadas seguintes, no âmbito da sociedade civil.

Assim se manteve, até 20 de novembro de 2024 quando o Brasil celebra, após 53 anos de luta negra, o feriado Nacional de Zumbi dos Palmares e Dia da Consciência Negra, com base na Lei 14.759 decreto do Congresso, e sanção do presidente, em 21 de dezembro de 2023.

O Grupo Palmares idealizou a data alusiva a Zumbi dos Palmares, em 1971. E não teria uma luta simples, nem breve. Havia uma muralha a transpor. Da mesma forma como veio a ser com o 20 de novembro, o 13 de maio também foi um espaço simbólico em disputa no Brasil. As duas datas indicaram, de forma constante na história da República que a liberdade da gente negra está no centro dos debates públicos, na qualidade de âncora e dilema da nacionalidade.

A descoberta do 20 de novembro dera-se a partir do contato com obras que abordavam a história dos quilombos brasileiros, em especial o de Palmares. A primeira estudada pelos militantes, foi O Quilombo dos Palmares (1947), do escritor Edison Carneiro (1912-1972). Aquele/as dirigentes estavam atentos ao debate historiográfico sobre os quilombos brasileiros e à especificidade e anterioridade do Quilombo de Palmares.

A partir destes referenciais e sob influência no contexto internacional do panafricanismo e das independências africanas –, o Grupo Palmares lançou sua visão por uma data da memória de luta afro-brasileira, sobre uma data possível, referenciada na documentação histórica, a da morte de Zumbi, em 20 de novembro de 1695.

A discussão pública abordava as questões: da inexistência de programas de reparação histórica no pós-abolição e a consequente cidadania inferiorizada da gente negra. Mexer nesse passado fazia sentido para mobilizar a luta do presente. E levantou debates sólidos sobre as memórias da abolição, os patrimônios culturais negros e a historiografia nacional.

Os movimentos negros construíram esta data, que é reconhecida hoje nacionalmente como Dia da Consciência Negra. Inscrevendo Zumbi dos Palmares como herói nacional. Fato intensamente disputado, para garantir a condição de um dia cívico para reflexão sobre a nacionalidade brasileira na chave antirracista.

O dia 20 de novembro sendo feriado nacional, promove não apenas a marcação do legado negro na construção do país, hoje atacado por negacionistas históricos. Mas representa o mínimo que o Brasil nos deve. Reparação e/ou justiça simbólica para a gente negra brasileira.

Janira Sodré Miranda, professora no Instituto Federal de Goiás&nbsp;e membro da Rede de Historiadores Negros/a