Quem fez as contas informa que Dalton Trevisan publicou cerca de 700 contos que se passam em Curitiba, burgo onde “a chuva engorda o barro e dá de beber aos mortos”. Ali nasceu, viveu 99 anos e morreu na segunda-feira (9). Foi com extensíssimo conhecimento de causa que escreveu: “Não permita Deus que eu morra Sem que daqui me vá Sem que diga adeus ao pinheiro Onde já não canta o sabiá”. São versos da sua “Canção do Exílio”, que parodia a de Olavo Bilac. Se o ufanismo do parnasiano exalta as aves que aqui gorjeiam, a chacota de Dalton azucrina a Curitiba das “baratas leprosas com caspa na sobrancelha”, dos “ratos piolhentos de gravata-borboleta”. Embora o bom humor acentue o deboche, a energia que move a “Canção” e a literatura do Vampiro é bem outra: a negatividade. Conciso, cáustico, abrasivo, ele mereceu a coroa de loas dos obituários. Seu estilo incisivo, todavia, estava a serviço da negação do modo de ser dos curitibanos, esses brasileiros.