Heranças eram cofres: abriam-se, contavam-se os bens, dividam-se as chaves. Mas a nossa geração inventou um cofre com um diário dentro e trancou os dois com senhas que ninguém conhece. Entre carteiras de cripto e mensagens confidenciais, o que é patrimônio transmissível e o que é intimidade inviolável? A Justiça iluminou o caminho com um farol. Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que o inventário do século 21 precisa olhar para dentro dos aparelhos, mas não às cegas. Diante do vácuo legislativo, a Corte determinou a abertura de um incidente processual para identificar, classificar e avaliar os bens digitais, conduzido pelo juiz e apoiado por um profissional de tecnologia, o inventariante digital. Não é ficção. O caso nasce do acidente aéreo que vitimou a família de Roger Agnelli, onde iPads sem senha fecharam o acesso a possíveis ativos e a memórias íntimas. A Apple respondeu que não tem como abrir, uma vez que a criptografia foi desenhada para não ser contornada.