A infância, etapa única e insubstituível na formação humana, está sendo encurtada diante de nossos olhos. Chamamos de adultização infantil o fenômeno no qual crianças e adolescentes são expostos a comportamentos, responsabilidades e padrões do mundo adulto antes de estarem emocional e cognitivamente preparados. Essa antecipação artificial da maturidade compromete o desenvolvimento emocional, social e moral, gerando efeitos que podem atravessar toda a vida.

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, 88% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos já possuem redes sociais — e 27% utilizam o TikTok. Esse cenário levanta um alerta importante. Plataformas digitais, quando não mediadas por adultos de forma consistente, intensificam a exposição a padrões estéticos, linguagens e comportamentos sexualizados, moldando precocemente a autoimagem, a autoestima e as referências culturais dessas crianças.

Some-se a isso o marketing infantil, que transforma a criança em “consumidor adulto em miniatura” e reforça estereótipos que ela não deveria carregar, muitas vezes impondo padrões nocivos. Recentemente, o influenciador digital Felca (Felipe Bressanim Pereira) expôs, em seu vídeo “Adultização”, como algoritmos e influenciadores podem impulsionar conteúdo que sexualiza menores de idade.

A repercussão foi avassaladora: mais de 20 milhões de visualizações em poucos dias, perfis removidos, investigações do Ministério Público e o tema chegando ao Congresso Nacional. A mobilização foi tamanha que o episódio reacendeu um debate urgente sobre os perigos digitais e a responsabilidade coletiva na proteção da infância.

Os sinais de adultização não estão apenas na internet. Eles aparecem no uso precoce de roupas e maquiagens sexualizadas, na reprodução de falas e gestos adultos, no acesso irrestrito a conteúdos impróprios e na pressão social para “parecer mais velho” antes da hora. São indícios que, quando ignorados, deixam marcas. Quando a escola e a família não atuam juntas para conter esses excessos, a criança perde não só o direito de viver plenamente a infância, mas também a base afetiva, ética e emocional que sustentará sua vida adulta.

Como educadora, defendo que as escolas assumam um papel ativo nesse enfrentamento. Precisamos incluir a educação digital responsável no currículo escolar, resgatar o valor do brincar livre e orientar pais e responsáveis sobre como identificar e agir diante de sinais de adultização. É necessário criar espaços de diálogo, acolhimento e afeto que devolvam à criança a liberdade de ser criança — sem pressa, sem pressão e sem exposição precoce.

A infância é um direito garantido por lei e um dever de todos proteger. Mais do que um simples período da vida, é o alicerce sobre o qual se constrói o futuro de cada ser humano. Se não houver ação imediata, corremos o risco de formar adultos frágeis, inseguros e desconectados de sua essência. Proteger a infância é investir em uma sociedade mais saudável, mais justa e verdadeiramente humana.

Tatiana Santana, professora, mestre em Letras e doutoranda em Educação. Diretora&nbsp;do Colégio Externato São José e&nbsp;coordenadora regional da ANEC (Associação Nacional de Educação Católica do Brasil)

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Infância nas telas e a adultização

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Tatiana Santana

Em 2025, o Ano Internacional do Cooperativismo, vale a pena fazer uma provocação: as cooperativas, que são muitas vezes tratadas como “alternativas” no mercado econômico, podem estar anos à frente em práticas que o mundo corporativo ainda tenta aprender? Será que governança é um assunto somente para multinacionais e conselhos administrativos? Talvez seja hora de rever esse conceito.

Governança corporativa pode não ser um tema muito popular nas rodas de conversa. Mas deveria ser. Porque é justamente nela que mora um dos maiores segredos de longevidade, solidez e protagonismo de um sistema que une mais de 20 mil dentistas em todo o país – a Uniodonto – e que compõe hoje a maior rede de cooperativas odontológicas do mundo.

Não se trata apenas de estatutos ou organogramas bem desenhados pela cooperativa. Governança é prática cotidiana, está no dia a dia. Para nós, é o exercício do equilíbrio entre os interesses dos cooperados, o compromisso com os beneficiários e a perenidade da cooperativa como negócio.

Em recente discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente da Uniodonto do Brasil e vice da Aliança Cooperativa Internacional nas Américas (ACI-Américas), José Alves, destacou que “as cooperativas promovem democracia, inclusão social e preservam recursos naturais”, afirmando seu compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Isso reforça que quem vive o cooperativismo sabe que ESG (Ambiental, Social e Governança) é prática, não modismo.

Empresas que adotam modelos tradicionais de governança vivem, com frequência, o dilema da separação entre capital e trabalho. Já nas cooperativas, o capital é o trabalho. O dono é quem faz. Isso exige um modelo de decisão muito mais horizontal e uma escuta mais ativa, que não só melhora os resultados, como antecipa as soluções. É como se tivéssemos inventado o ESG antes mesmo de o termo se tornar essa grande tendência e de ter a relevância que tem hoje.

É comum ouvir em grandes eventos e nos discursos que as empresas do futuro serão mais humanas, mais coletivas, mais éticas e que vão valorizar o propósito. Bem-vindo ao universo cooperativo que já nasce com tudo isso em seu DNA.

Mas atenção: governança corporativa não é amadora nem improvisada. Ao contrário do que se imagina, ela é regida por regras claras, ritos bem definidos e responsabilidades distribuídas. E é justamente essa estrutura que garante legitimidade às decisões, fortalece a confiança interna e externa e sustenta o crescimento do negócio.

Cooperativas não são o “plano B”. São o “modelo A” de um novo tempo. Em um Brasil que busca mais e mais caminhos para crescer com maior inclusão, produtividade e responsabilidade social, o cooperativismo é uma aula prática de economia compartilhada. Gera renda, distribui valor e mantém raízes locais fortes, com responsabilidade. E mais: faz tudo isso com viabilidade financeira.

A governança pode não fazer barulho, mas é ela quem garante que a engrenagem continue a girar com consistência, propósito e, especialmente, com futuro.

Fábio Prudente, presidente da Uniodonto Goiânia

Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Governança e sua engrenagem

Fábio Prudente

Fundamental na disputa acirrada entre os dois lados da polarização nacional, o Centrão se descola aos poucos de Jair Bolsonaro, mas não na direção de Lula. Fica a meio caminho, com seus partidos e líderes divididos, uns observando, outros para lá ou para cá e vários já torcendo por Tarcísio Gomes de Freitas em 2026.

O grande teste para a articulação política de Lula e para se saber qual a tendência majoritária do Centrão será nesta última semana do Congresso, antes do julgamento de Bolsonaro no STF pela trama do golpe de Estado. No foco, duas pautas essenciais para o governo: a CPMI do INSS e a isenção do IR até R$ 5 mil de renda.

O governo entrou mal e o bolsonarismo abocanhou os dois postos chaves da CPMI. O presidente, senador Carlos Viana (Podemos), chegou ao Congresso na onda bolsonarista de 2018, está no quinto partido e defende anistia para golpistas e impeachment para Alexandre de Moraes. O relator, deputado Alfredo Gaspar (União), está no primeiro mandato e se declara “de direita, com orgulho”

Logo, o objetivo não é apurar quem e desde quando roubou aposentados e pensionistas, mas sim atacar Lula e disputar espaço, nas redes sociais e na mídia, com a abundância de provas contra Bolsonaro no STF. A articulação política do governo, à frente Gleisi Hoffmann, não tem força nem quadros para competir na CPMI. Se há algo que o Planalto possa fazer, é pedir socorro ao Centrão.

Já o projeto do IR foi promessa de campanha de Lula e tem forte apelo na classe média, relevante eleitoralmente. O bolsonarismo vai deixar passar, a quase um ano da eleição de 2026? Improvável. Se não pode votar contra o interesse popular, se organiza para derrubar a compensação para a perda de arrecadação: o aumento nas alíquotas da renda acima R$ 50 mil. Mais uma cacetada no equilíbrio fiscal. De novo: chama o Centrão!

Mais uma vez, Flávio Dino acerta no conteúdo, sem considerar o contexto. Após causar um terremoto nos bancos com sua decisão óbvia de que brasileiros (leia-se Moraes) não são atingidos pela Justiça de outros países (leia-se Lei Magnitsky), ele agora abre inquérito para investigar R$ 695 milhões em emendas PIX, sem origem, destino e fiscalização.

Dino está certo? No conteúdo, absolutamente. Na oportunidade, nem tanto. Ao mexer no vespeiro das emendas na semana de pautas sensíveis no Congresso e a dias do julgamento de Bolsonaro, o ministro pode ter empurrado o Centrão para o barco bolsonarista, contra governo e Supremo. Afinal, paira no Congresso a percepção de que STF e Planalto jogam juntos. Logo, devem ser combatidos juntos. O governo paga o pato.

Eliane Cantanhêde, jornalista

Chama o Centrão!

Eliane Cantanhêde

Uma viagem ao Japão não é apenas um deslocamento geográfico; é, sobretudo, uma travessia no tempo e na mentalidade coletiva de um povo que construiu sua modernidade sem abrir mão de suas raízes milenares. Diante de uma cultura marcada pela fusão equilibrada entre tradição e inovação, é inevitável traçar paralelos, bem como contrastes, com o Brasil que aspiramos edificar.

Ver de perto como o passado pode dialogar com o presente e sustentar o futuro, e como o respeito às tradições serve de base para o progresso, foi uma das experiências mais marcantes da minha viagem. No Japão, tecnologia de ponta e infraestrutura eficiente convivem com gestos cotidianos de civilidade, como o cerimonial do chá ou o simples curvar-se para agradecer. Há um evidente esforço em preservar o que é coletivo, sem comprometer o avanço.

Segundo o Global Peace Index 2024, o Japão ocupa a 17ª posição entre os países mais seguros do mundo, com taxas baixíssimas de criminalidade e um sistema de segurança pública centrado na proximidade com o cidadão. A cultura disciplinar, as restrições rigorosas à posse de armas e a ênfase em valores morais são elementos centrais de uma sociedade que confia mais na prevenção do que na repressão.

Na educação, os resultados são igualmente expressivos. O país aparece entre os primeiros colocados no Pisa 2022: 3º lugar em matemática, 4º em ciências e 5º em leitura. Esses números revelam uma cultura que valoriza o esforço, a disciplina e o compromisso com o coletivo; uma educação que não apenas transmite conteúdo, como também molda cidadãos. Ali, a honestidade é padrão; a desonestidade, exceção e, quando ocorre, é duramente reprovada.

As ruas limpas, os parques bem cuidados, os trens silenciosos e os pequenos gestos de respeito mútuo são reflexos de uma consciência coletiva consolidada. Mais do que civilidade, são evidências de um projeto educacional e social centrado no bem comum, no qual o zelo pelo espaço público é também parte da formação cidadã.

O Japão que vi me fez sonhar com a Goiânia que desejo: uma cidade limpa, segura, arborizada, com cidadãos conscientes de seu papel na preservação e no cuidado dos espaços comuns. Uma cidade em que os moradores participam da fiscalização do bairro, em parceria com o poder público, para garantir qualidade de vida e bem-estar coletivo. Vi, na infraestrutura japonesa (funcional, acessível e sustentável), um modelo possível de ser adaptado com criatividade à nossa realidade urbana.

No entanto, não basta importar modelos. Precisamos reconhecer nossas potencialidades e enfrentar com coragem os desafios que nos travam. O Brasil possui um capital humano expressivo, uma biodiversidade inigualável e vastas riquezas. Contudo, ainda caminha lentamente na construção de um projeto nacional baseado na educação, na ciência, na valorização do trabalho e na ética pública.

Nosso desafio é sair da condição de exportador de matérias-primas para nos tornarmos protagonistas no desenvolvimento de tecnologia, inovação e soluções sustentáveis. E isso começa pelo essencial: investir de forma séria e estratégica na formação do cidadão, da educação básica à consciência política.

Michel Afif Magul, advogado, com especialização&nbsp;em Relações Internacionais&nbsp;e mestre em Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável

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Um espelho para o Brasil

Michel Afif Magul

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi criado para proteger quem compra produtos ou contrata serviços, trazendo regras próprias que substituem o Código Civil. Uma das mudanças mais importantes é que ele adota a responsabilidade objetiva do fornecedor, ou seja, o consumidor não precisa provar culpa para exigir reparação por problemas no produto ou serviço. Essa proteção vale não apenas para o consumidor direto, mas também para pessoas equiparadas, previstas no artigo 17.

O CDC diferencia dois tipos de problemas: vícios e defeitos. O vício é uma falha que reduz a utilidade ou o valor do produto ou serviço, mas cujo prejuízo se limita ao próprio bem. Nesses casos, todos os envolvidos na venda — fabricantes, comerciantes, distribuidores — são responsáveis de forma solidária.

Já o defeito, ou acidente de consumo, ocorre quando essa falha causa danos que vão além do bem, afetando a saúde, a integridade física, moral ou o patrimônio do consumidor. Aqui, a lei responsabiliza apenas o fabricante, produtor, construtor e importador, excluindo o comerciante. Essa distinção é importante para definir quem responde e até onde vai a indenização.

Outro ponto essencial são os prazos decadenciais. O artigo 26 do CDC prevê que o consumidor tem 30 dias para reclamar de vícios em produtos ou serviços não duráveis (como alimentos) e 90 dias para os duráveis (como eletrodomésticos ou veículos). Esses prazos começam a contar a partir do recebimento do produto ou término do serviço, quando o defeito é aparente ou de fácil constatação.

É importante não confundir prazo decadencial com garantia. A garantia, legal ou contratual, é a obrigação do fornecedor de entregar um produto ou serviço adequado. Já o prazo decadencial é o tempo que o consumidor tem para formalizar a reclamação depois de identificar o problema.

Isso significa que, mesmo dentro da garantia, se o consumidor deixar passar o prazo para reclamar, poderá perder o direito. Por outro lado, quando se trata de vícios ocultos — aqueles que só aparecem depois de algum tempo — aplica-se a teoria da vida útil do produto. Nesse caso, o prazo para reclamar só começa quando o defeito se manifesta, desde que esteja dentro do tempo de durabilidade razoável para aquele tipo de bem ou serviço. Essa interpretação evita que o consumidor fique sem proteção por problemas graves que surjam após o término da garantia, mas ainda no período esperado de uso.

Além disso, o CDC incorpora a teoria da adequação legal, que garante que todo produto ou serviço deve atender não apenas ao que foi prometido pelo fornecedor, mas também aos padrões mínimos de segurança, qualidade e funcionalidade exigidos pela lei. Isso significa que, mesmo sem promessa expressa do vendedor, o bem precisa cumprir requisitos básicos para ser considerado adequado.

No fim, o CDC garante uma proteção ampla: diferencia vício de defeito, define prazos claros, mantém a independência entre garantia legal e contratual, adota critérios mais justos para vícios ocultos e exige a conformidade dos produtos com a lei. Apesar de ser um sistema mais complexo que o europeu — que adota prazos fixos e uniformes —, ele oferece mais segurança, equilíbrio e boa-fé nas relações de consumo, assegurando que o consumidor tenha meios eficazes para reivindicar seus direitos.

Marcus da Costa Ferreira, desembargador e corregedor-geral da Justiça do Estado de Goiás

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