Desde setembro estou na Espanha para uma pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Barcelona, na área de mudanças climáticas e, infortunadamente, tenho acompanhado de perto o pior desastre climático do século no país, cujas inundações resultaram de chuvas intensas de uma DANA (depressão isolada em altos níveis). Este evento guarda semelhanças com o pior desastre climático do Rio Grande do Sul (RS), que também sofreu com enchentes devido às chuvas intensas e persistentes. Ambos acontecimentos são reflexos das mudanças climáticas e, infelizmente, tendem a se tornar mais recorrentes.

A intensidade das chuvas em ambas as regiões impressiona: no Rio Grande do Sul, algumas cidades tiveram mais de 600 mm em três dias, com Santa Maria registrando 135 mm em um único dia (o equivalente à média mensal). Na Espanha, Turis registrou 179,4 mm em uma hora e 618 mm em um dia (superando a média anual!). Outra infeliz coincidência é o registro relativamente próximo de mortes: 213 vítimas na Espanha até o momento e 183 confirmadas no Rio Grande do Sul.

No entanto, a principal semelhança entre os desastres é a inércia dos governantes. Apesar das evidências e impactos climáticos alertados por cientistas há décadas, pouco tem sido feito para implementar medidas de adaptação e mitigação, sendo que estratégias e tecnologias eficazes e economicamente viáveis são bem conhecidas. Governantes em Valência e no Rio Grande do Sul são bastante criticados pela população por desmantelarem políticas ambientais, expondo a população aos riscos.

Como observa o pesquisador Paulo Artaxo: “parece que não caiu a ficha”. De fato, muitos governantes têm sido negligentes. Um exemplo é que as últimas Conferências das Partes (COP) se limitam a discussões, sem acordos concretos, corroborando a crítica de Greta Thunberg de que, há 30 anos, ouvimos dos líderes mundiais apenas “bla-bla-bla” sem ações efetivas.

Nos últimos dias, além da cidade espanhola de Barcelona, outras cidades no mundo, como Bolonha (Itália), Rive-de-Gier (França), Talisay (Filipinas), Meca (Arábia Saudita), Shiraz (Irã), Kinshasa (Congo), Roswell (USA), enfrentaram intensas chuvas e inundações. O que isso significa para Goiânia e outras cidades goianas? Se a atuação do poder público não melhorar, a perspectiva é preocupante.

Temos verificado algumas iniciativas que podem conduzir Goiás no enfrentamento à crise climática, como a Estratégia Goiás Carbono Neutro 2050 e o Programa Goiás Resiliente, conduzidos pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), além da organização dos Fóruns Goiano e Goianiense de Mudanças Climáticas. Todavia, é urgente que os governantes avancem para além de planos e implementem medidas concretas para garantir a qualidade de vida e a sobrevivência da população.

Diego Tarley Ferreira, bacharel, mestre e doutor em Geografia, consultor em geoprocessamento e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG)

O custo da inércia na crise climática

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Diego Tarley Ferreira

A proposta de redução da jornada de trabalho de 44 horas semanais – seis dias de trabalho por uma folga – nasceu do desabafo de um jovem trabalhador, em setembro de 2023. Rick Azevedo, 30 anos de idade e balconista de farmácia, publicou um vídeo em uma rede social indignado com a falta de tempo para sua vida pessoal por conta da escala 6x1, que classificou como “uma escravidão moderna, ultrapassada”. O desabafo atraiu apoiadores e rendeu a criação do Movimento Além do Trabalho (VAT), a eleição de Rick como o vereador mais votado do PSOL no Rio de Janeiro e uma petição pela redução da jornada de trabalho, com mais de 2,5 milhões de assinaturas.

A mobilização ganhou força na semana passada e anabolizou a proposta de emenda constitucional (PEC) da deputada federal Érika Hilton (PSOL/SP) por uma jornada de quatro dias de trabalho por três de folga (4x3). Na quarta-feira (13) a PEC, apresentada em maio, mas sem as 171 assinaturas mínimas para tramitar, recebeu apoio de 194 deputados federais, entre eles os goianos Adriana Accorsi e Rubens Otoni (PT) e Zacharias Calil (União).

No início da industrialização no Brasil, nos anos 1930, operários lutaram contra a jornada excessiva de trabalho. Sem regulamentação alguma, cada fábrica tinha suas próprias regras e era comum carga horária entre 14 e 18 horas por dia. Em 1932, decretos do presidente Getúlio Vargas limitaram a jornada a oito horas diárias e seis dias por semana (48 horas semanais). Essa regra foi rediscutida na Constituinte de 1987. Os partidos progressistas propuseram 40 horas de trabalho, mas prevaleceu a jornada de 44 horas, apoiada por partidos do centro e da direita.

De volta à pauta política, a proposta foi tratada com desdém pelo mesmo segmento político e econômico que há 37 anos derrotou as 40 horas. “Vocês sabem qual é o tema hoje mais importante no Congresso Nacional? É o 6x1 (risos). O governo devia estar preocupado é se o dólar está a 6”, ironizou o governador Ronaldo Caiado na quinta-feira (14) ao criticar o governo federal, como se a PEC tivesse nascido no Palácio do Planalto. A reação contrária do setor econômico reverberou na voz do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: “Ela vai aumentar o custo do trabalho, vai aumentar a informalidade e vai diminuir a produtividade”, disse.

Reações como essas não debatem a PEC, mas tentam interditar sua discussão. A economia brasileira não comporta 4x3? O que oferecer aos trabalhadores, a maioria do comércio e da indústria, que se mobilizam contra o 6x1? É possível a jornada de 40 horas da Constituinte (o 5x2)? Há 92 anos os trabalhadores lutaram contra a carga horária excessiva. Os da era da desindustrialização e de novas formas de trabalho propiciadas pela revolução tecnológica lutam “por vida além do trabalho”, por viver bem, com tempo para estudar, consumir, para o lazer, para estar com amigos e familiares e para a religião.

As bombas que o extremista bolsonarista Francisco Wanderley Luiz explodiu em frente ao STF na quarta-feira aconteceu na hora em que a deputada Érika Hilton e Rick Azevedo concediam entrevista coletiva no Congresso Nacional para confirmar as 194 assinaturas na PEC e reduziram sua visibilidade. Essa coincidência é simbólica, mas expressiva de como a violência política interdita o debate público.

A direita liberal apoiou o extremismo do ex-presidente Jair Bolsonaro, fez vistas grossas à sua campanha contra o sistema eleitoral, ao discurso de ódio e contra as instituições públicas, em especial contra o STF, que produziram extremistas como Wanderley. Na mesma declaração em que desdenhou o debate do 6x1, o governador Caiado criticou o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alegando que as forças de segurança federais deveriam ter identificado o extremista antes de ele explodir as bombas e se suicidar.

“Tem de ter a lei e a mão pesada do Estado (...) para as pessoas entenderem que estão vivendo em uma democracia e ter respeito pelos outros e pelas regras que o Congresso Nacional determina”, disse. O governador cobra de Lula o que não faz, pois ele defende anistia aos golpistas do 8 de janeiro e nunca levantou sua voz forte contra os inúmeros atos antidemocráticos de Bolsonaro. Manter o estado democrático de direito é estar vigilante com aqueles que usam a força para desestabilizar a democracia e também ouvir os anseios da população, como o 6x1.

Cileide Alves, jornalista

Da escala do 6x1 às bombas no STF

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Cileide Alves

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Não faz muitos anos, antes de entrar na Casa Rosada, na Praça de Mayo, fiquei remoendo as histórias que conhecia e tiveram suas articulações e suas resistências entre paredes de quase um metro de espessura, mas transparentes aos olhos da CIA e do FBI. O prédio inaugurado em 1862 pelo presidente Bartolomé Mitre, só no século XX, testemunhou seis golpes. Nos quatro primeiros instalaram ditaduras passageiras e nos dois últimos, regimes duros e sangrentos.

A história diz que a construção da Casa Rosada começou com a unificação dos prédios da Aduana e do Forte de Buenos Aires. Sobre a cor rosa há duas versões: A junção das cores de dois importantes partidos políticos da época e a de que a gordura de vaca foi utilizada pela sua boa aderência na fixação da cal e, como esse material vinha ensanguentado, resultou no tom róseo das paredes.

Em 1982, o ex-ditador Leopoldo Galtieri, superdimensionou seu poder e subestimou a força de Margaret Thatcher, a Dama de Ferro do Reino Unido, determinando a tomada do arquipélago das Malvinas, sob domínio da Grã-Bretanha desde 1833. Ao vencer a guerra, Thatcher aumentou seu prestígio e se reelegeu em 1983, enquanto a Argentina chorou por seus jovens mortos e empurrou a junta militar ladeira abaixo. Experimentou crises econômicas seguidas, mesmo com a restauração do governo democrático.

Já fomos longe falando dos hermanos. Vamos esquecer Mitre, Peron, Evita, Videla, Viola, Galtieri e outros- já moradores no suntuoso Cemitério Chacarita- e reaquecer as memórias de Colemar Natal e Silva, Augusto da Paixão Fleury Curado, Luiz Ramos de Oliveira Couto, Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, Alfredo de Faria Castro, Dario Délio Cardoso, Vasco de Sousa, Americano do Brasil e outros que idealizaram o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG) , ainda na antiga Capital.

A criação do IHGG teria ocorrido no dia 2 de agosto de 1918, se tivesse sido cumprida a Lei Estadual nº 629, por iniciativa de Americano do Brasil, que já determinava a sua instalação no dia 26 de julho de 1919. Foram muitos os desencontros que causaram o adiamento.

Na Revolução de 30, Pedro Ludovico assumiu o Estado na condição de interventor. José Honorato da Silva e Souza, que fazia parte do Governo, convocou uma reunião com intelectuais no Palácio da Instrução, no dia 7 de outubro de 1932, data em que foi lavrada a ata de fundação do IHGG.

Nessa última sexta-feira, parei em frente à nossa Casa Rosada e, nos limites da minha rasura, mergulhei na história de Goiás, tão bem protegida por paredes de tijolos e cimento e ao alcance dos olhos de quantos se interessem pela formação de um povo, caminhos percorridos e movimentos de sua cultura. Quanta sabedoria a iluminar o interior da Casa Rosada!

As milhares de lâmpadas que desenham o espetáculo de sua fachada são um convite a entrarmos nesse mundo da história que vai além dos nossos últimos 300 anos. Sugiro ao Presidente Jales Mendonça, que fique por aí 20, 30 anos, o quanto puder. Suas iniciativas no IHGG já garantiram sua imortalidade. Nossa Casa Rosada não foi pintada com sangue de vaca.

Hamilton Carneiro, graduado em Letras, cientista político e publicitário. Exerce o 
marketing político-eleitoral.&nbsp;É membro do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás

A Casa Rosada

Hamilton Carneiro

Enchente na Espanha. Seca na Amazônia. Fumaça pelo Cerrado. Esses foram os exemplos que eu usei para convencer um desconhecido ao meu lado na sala de espera do dentista de que as mudanças climáticas são reais. E ele respondeu: “concordo, mas o clima sempre mudou”.

Sim, o desconhecido estava certo. Mudanças climáticas sempre existiram. Clima, por definição, é a mudança das características atmosféricas dentro de um período de tempo. Esse período pode se referir a centenas de milhões de anos atrás, como na era dos Dinossauros, quando a Terra era bem mais quente do que hoje. Ou se referir ao mês passado, quando as chuvas começaram a aliviar o calor aqui para nós, goianos.

Mas, apesar do clima ser dinâmico no tempo e espaço, algo aconteceu a pouco tempo que ainda não havia acontecido na história da Terra. Pela primeira vez, uma única espécie é responsável por alterar toda a atmosfera do planeta. E essa espécie é a nossa.

O ser humano, há apenas dois séculos, iniciou um ambicioso projeto conhecido como revolução industrial. Essa revolução aconteceu pela inovação em se queimar combustíveis fósseis (i.e. carvão mineral, gás natural e petróleo) para impulsionar o processo de industrialização.

Com isso, as coisas mudaram drasticamente: surgiram os mais diferentes tipos de bens e serviços; a produção econômica mundial aumentou cerca de 50 vezes e a população humana na Terra passou de 1 para mais de 8 bilhões de pessoas.

Mas nem tudo são mil maravilhas. Ao inovar na queima de combustíveis fósseis, nós desencadeamos a liberação para a atmosfera de enormes quantidades de carbono estocadas a milhões de anos debaixo da terra. Os gases provenientes dessa queima, ao impedirem a dissipação do calor da superfície terrestre para o espaço, fizeram com que a Terra se transformasse numa estufa superaquecida.

Com esse aumento de temperatura, eventos extremos como secas e enchentes estão cada vez mais comuns em todas as partes do planeta. Por exemplo, no mesmo ano em que o Brasil apresentou a maior seca já registrada da sua história, parte do Rio Grande do Sul foi destruída pelas enchentes. E, infelizmente, a tendência é só piorar.

Por isso, a cada ano, a ONU reúne os líderes de todos os países para decidir ações concretas para mitigar os efeitos dessa crise climática atual. A próxima reunião, daqui a um ano, será realizada aqui no Brasil. Ela será uma grande oportunidade para nós influenciarmos a decisão dos demais países a favor de um futuro mais seguro para a nossa e também para as próximas gerações.

Mas, isso só será viável se os próprios brasileiros compreenderem que as mudanças climáticas atuais são causadas pelo próprio ser humano. Não adianta nós concordarmos que há uma crise climática em curso, se nós mesmos não temos consciência de que ela é nossa responsabilidade.

Eu gostaria de ter respondido ao meu desconhecido na sala de espera do dentista: “sim, o clima sempre mudou, mas agora nós somos os grandes responsáveis”. Mas ele foi chamado antes para resolver o seu problema, convicto de que o problema dos outros também seria resolvido.

Davi Mello Cunha Alves, graduado em Biologia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), mestre e doutor em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG)

Mudanças climáticas são reais?

Davi Mello Cunha Alves

O tiro saiu pela culatra e as explosões na Praça dos Três Poderes, em Brasília, produziram efeitos exatamente opostos aos pretendidos pelo seu autor, Francisco Wanderlei Luiz. Se ele planejou enfraquecer o Supremo e fortalecer o golpismo, acabou unindo as instituições e as forças democráticas e isolando os bolsonaristas e os radicais em geral. E, afinal, foi a única vítima do seu próprio ato terrorista.

As duas explosões, uma à frente do Supremo, a outra próxima ao Congresso, confirmam o poder da internet, o quanto o discurso do ódio está disseminado e como cidadãos e cidadãs estão reféns da guerra ideológica. Mas, de outro lado, trouxeram a lembrança da articulação de um golpe de estado, a tentativa de cooptação das Forças Armadas e o trauma de 8 de janeiro de 2023. Logo, reativaram a resistência democrática, a importância do Supremo e da urgência da regulamentação da internet.

O País lembrou de como Alexandre de Moraes, alvo maior das redes e do terrorista, foi decisivo para evitar o golpe e punir os responsáveis. E, na prática, ele ganhou mais tempo para liderar a resistência. Ele é relator do inquérito do golpe, que foca no ex-presidente Jair Bolsonaro e será concluído pela PF na próxima semana, e agora, também, do inquérito das explosões, que é autônomo e vai demorar.

Já o bolsonarismo não tem nada a comemorar. Sem chance via Justiça, Bolsonaro contava com o Congresso para derrubar sua inelegibilidade, sob pretexto de conceder anistia aos golpistas do 8/1. A anistia, porém, parece sete palmos debaixo da terra. E o bolsonarismo passou recibo. Assim como Bolsonaro não para de bater no peito e dizer que será o candidato em 2026, ele agora diz que as explosões foram uma mera “coisa de maluco”. No mundo real, porém, Bolsonaro está inelegível e a investigação da PF é sobre terrorismo.

Num texto que não tem o estilo, os vocábulos, o conteúdo e a alma de Bolsonaro, ele defende pacificação e diálogo, que jamais defendeu na vida. Na mesma toada, Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil do seu governo, que está sempre no ataque, passou de repente a condenar a polarização e a defender o diálogo. As voltas que o mundo dá.

Os ataques à democracia e à paz começaram com multidões enroladas na bandeira nacional pedindo volta da ditadura e fechamento do Supremo e do Congresso, já no início do governo Bolsonaro, com a presença do presidente e até com o QG do Exército ao fundo. E se multiplicaram via internet.

É assim que cidadãos comuns vão saindo da realidade, mergulham no mundo virtual e acreditam nas fake news mais estapafúrdias, até se transformarem em terroristas. Seja provocando explosões, seja depredando STF, Planalto e Congresso. Em nome do quê? Da democracia? Isso é coisa de louco, sim, mas louco terrorista que não merece anistia.

Eliane Cantanhêde, jornalista