Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a designar o surto de contaminação causado pelo coronavírus como pandemia. Uma das primeiras medidas emergenciais tomadas para se conter o alastramento das infecções por Covid-19 foi o isolamento social. A partir dali a maioria dos empresários precisou se reinventar, enquanto aguardavam uma solução para a retomada da normalidade.

Entretanto, alguns setores da economia foram mais afetados que outros em razão da natureza de sua própria atividade empresarial. Entre esses setores, encontra-se o setor de eventos. Em dezembro de 2020, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) propôs um projeto de lei que previa um benefício fiscal para as empresas do setor, com a finalidade de garantir a sobrevivência delas, bem como gerar capacidade econômica para que elas voltassem a operar no pós-pandemia.

Foi nesse contexto que, em maio de 2021, foi aprovada a Lei nº 14.148 que dispõe sobre o Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse). Apesar de aprovada, o artigo que tratava sobre a redução a 0% (zero por cento) das alíquotas do PIS, da Cofins, da CSLL e do IRPJ, pelo prazo de 60 (sessenta) meses, foi vetado pelo presidente da República. O Congresso Nacional então deliberou sobre a questão e derrubou o veto, cujos dispositivos começaram a vigor ar a partir de março de 2022.

É fato que o Perse nasceu para ser um programa temporário. Sua finalidade sempre foi a de auxiliar a retomada desse importante setor econômico que segundo o Sebrae, antes da pandemia, era responsável por R$ 209,2 bilhões em faturamento, cerca de 2 milhões de empregos diretos e indiretos e pelo recolhimento de R$ 48 bilhões em impostos. No início do programa em 2022, a legislação contemplava 88 atividades, hoje são 38.

A última alteração legislativa, de maio de 2024, previu também um teto de R$ 15 bilhões para essas renúncias fiscais, que será considerado entre os meses de abril de 2024 a dezembro de 2026. A Receita Federal regulamentou a matéria, detalhou as condições para habilitação das empresas interessadas em fruir o benefício. Entre elas, estão a adesão ao domicílio tributário eletrônico, a regularidade cadastral e fiscal e a inexistência de débitos no Cadin.

O requerimento deve ser feito por meio do Portal de Serviços da Receita Federal, acessando o Sistema Benefícios Fiscais (Sisen). Outra novidade em relação ao tema trata da obrigatoriedade de apresentação da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi). É prudente que as empresas com perfil e interessadas em fruir o benefício façam uma pesquisa prévia sobre as possíveis pendências e procurem resolvê-las antes de fazer o requerimento da habilitação. Por fim, o mais importante é se atentar ao prazo final para requerer a habilitação que se encerra no dia 02 de agosto próximo. Afinal, o Direito não socorre aos que dormem!

Paulo Roberto Ferreira, auditor-fiscal da Receita Federal e vice-presidente do Sindifisco Nacional em Goiânia

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Perse 2024, última chamada

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Faz pouco tempo, à frente do programa Frutos da Terra, na TV Anhanguera, nosso produtor nos relatou ter se encantado com a performance do cantor que conhecera em um bar de Goiânia. E sugeriu uma oportunidade a ele para se apresentar no programa. Poucas semanas depois já era nosso convidado. Tivemos uma conversa breve. Ele tímido, e nós apressados: um dia curto para muito trabalho.

Quando pegou a viola e soltou a voz, vimos que as fronteiras goianas logo iriam se abrir e liberar aquele talento para o Brasil. Gusttavo Lima era mais um indiscutível valor que o Frutos da Terra estava revelando. Se admiramos Gusttavo como artista, o acompanhamos também em suas ações sociais. Melhor: divulga bem sua carreira mas, mantém-se absolutamente discreto em suas movimentações em favor dos vulneráveis. Não dá para esquecer quando lotou um avião de respiradores e enviou a Manaus para socorrer pacientes da Covid19.

Agora, mais recentemente, vimos o nome de Gusttavo na imprensa, estrelando pesquisas de intenção de votos para a disputa a presidente de República. Não estranhamos vê-lo na preferência de boa parte dos brasileiros. Seu apelo popular é indiscutível. Mas, entendemos que palco não combina com palanque. Não podemos confundir o sentimento de fã com a expectativa de eleitor. (embora, alguns eleitores misturem tudo)

Voltemos lá atrás: Já imaginou se tivesse se apresentado para cantar no Frutos da Terra, naquele dia, o político Ronaldo Caiado ao invés do Gusttavo Lima? Estranho para o programa e desconfortável para o Caiado. O público teria se arrepiado com suas dissonâncias graves. Ao passo que, no palanque, Caiado tem o domínio de quarenta anos de vida política. E tem seu nicho ideológico bem identificado.

Agora, o Gusttavo presidente? Não seria bom para ele, que teria seu público dividido por conta dos vários matizes ideológicos e nem para os brasileiros que, teriam um chefe desafinado com as questões que envolvem a política e a administração pública. E mesmo uma assessoria qualificada não muda o eixo em torno do qual giram outras convicções.

Ao longo dos últimos anos, vimos acordos que duraram enquanto eram atendidos os interesses das partes- o que é do jogo- e observamos traições que abreviaram a vida pública de seus protagonistas e os carimbaram para o arquivo da história. Alguns, até trocaram de ternos e ressurgiram transitando por outras vias. Uns poucos se adaptaram, outros voltaram para a gaveta.

Os ciclos na política não duram uma eternidade e todos sabem disso. Quase sempre, no poder, alguns se movimentam em voos panorâmicos sobre os que estão no nível do solo, enquanto o eleitor navega sobre seu teclado nervoso e de grande alcance. Suas ferramentas lhe facilitam acesso a informação-para o bem e para o mal.

Atualmente, convivemos com tribos devidamente orientadas a procura de veias salientes para a inoculação de suas Fake News. E essas se alastram na velocidade de uma pandemia. Governador Ronaldo Caiado, alea jacta est. Cantor Gusttavo Lima, vestra frui tempore.

Hamilton Carneiro é graduado em Letras, cientista político e publicitário. Exerce o&nbsp;marketing político-eleitoral.&nbsp;É membro do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.

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Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Graves e agudos

Hamilton Carneiro

A cena parece inofensiva: um adulto empurrando um carrinho de bebê com um boneco hiper-realista, de silicone, vestido com roupas de recém-nascido, com nome, certidão de nascimento e... identidade afetiva. Mas por trás do que aparenta ser apenas um hobby curioso, cresce um fenômeno que desafia a psicologia, interroga a sociedade e exige respostas da educação: a “adoção” emocional de bebês reborn por adultos como substitutos de vínculos reais.

Reportagens recentes têm trazido à tona casos extremos — como pessoas que tentam registrar os bonecos como filhos, brigam por sua guarda e os levam a consultas médicas. O que parece inusitado, é na verdade o sintoma de uma sociedade cada vez mais marcada pelo esvaziamento das relações humanas, pela solidão e pela substituição do afeto por objetos.

Essa realidade acontece em paralelo a transformações profundas nas estruturas familiares. Dados do IBGE mostram que a taxa de fecundidade no Brasil caiu de 2,32 filhos, por mulher, em 2000, para apenas 1,57, em 2023, com projeção de 1,44 até 2041. O tamanho médio das famílias também encolheu: de 3,62 pessoas por domicílio, em 2008, para 3,07 em 2018. Crescem os lares unipessoais e as famílias com um único filho.

São modelos de vínculos que estão se reconfigurando. Com menos filhos, mais autonomia infantil precoce e mais presença digital que física, muitos adultos vivem hoje uma maternidade/paternidade emocional frustrada, silenciosa. Em vez de enfrentar o vazio, substituem o vínculo pela ilusão do controle: o bebê reborn não chora fora de hora, não cresce, não contesta. Ele é a fantasia da relação sem conflito e, portanto, sem verdade.

Profissionais da saúde mental já apontam o alerta. Psicólogos têm observado que a “rebornização” das relações é uma tentativa inconsciente de anestesiar frustrações, lutos não elaborados, desejos não realizados. A Organização Mundial da Saúde já havia identificado o isolamento social como um dos fatores mais graves na piora da saúde mental global, agravada após a pandemia.

Mas o que podemos e devemos fazer como profissionais da educação? A escola é, por excelência, o lugar da experiência coletiva. É onde a criança aprende a negociar, a dividir, a esperar, a ouvir o outro e a entender que o mundo não gira ao seu redor. É onde se aprende que a amizade exige paciência. Que o colega é diferente. Que nem sempre o lanche virá na hora exata, nem o jogo terminará com vitória.

O papel da escola, então, não é apenas ensinar conteúdo. É reconstruir o lugar das relações verdadeiras. É frear a lógica do consumo afetivo onde o carinho é terceirizado, a infância é estetizada e o afeto é substituído por performance.

A “geração reborn” precisa reencontrar a dor e a beleza da convivência. Precisa voltar a conviver com o inesperado, o outro, o mundo real, imperfeito, barulhento, humano. E a escola é um dos poucos espaços sociais capazes de fazer essa travessia. Porque o afeto não se fabrica. Se vive. Se constrói.

Tatiana Santana é professora, mestre em Letras e doutoranda em Educação. Diretora do Colégio Externato São José e coordenadora regional da ANEC (Associação Nacional de Educação Católica do Brasil)

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Os artigos publicados não refletem a opinião de O POPULAR. Sua publicação obedece ao propósito de estimular e fomentar a diversidade e o debate de temas locais, nacionais ou mundiais.

Bebês reborn e a infância em crise

Tatiana Santana

A proposta de emenda à Constituição (PEC), que limita a carga horária semanal de trabalho a 36 horas, a PEC 6x 1, da deputada Erika Hilton, deve retomar à pauta da Câmara Federal. É um debate importante, que tem de ser amadurecido, pois a organização do tempo de trabalho no Brasil deve ser revista com urgência. Está na hora de ouvir os setores da sociedade para permitir equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras.

A atual lógica de jornadas longas, compromete a saúde física e mental dos trabalhadores, e mantém desigualdades históricas, principalmente para as mulheres brasileiras. Significa viver para trabalhar, sem espaço para autocuidado, convívio familiar ou direito ao lazer. Esse modelo limita escolhas, adoece e marginaliza.

Há séculos, a realidade da vida da maioria das mulheres é marcada por rotinas exaustivas e múltiplas jornadas. O fim da escala 6x1, sem redução de salário, é uma pauta trabalhista e de justiça social.

A realidade incontestável é que mulheres trabalham mais horas por semana, somando o emprego formal às responsabilidades domésticas e de cuidado. Dados do IBGE de 2022, apontam que as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais ao trabalho doméstico; os homens, 11,7. Um abismo de tempo que impacta o acesso das mulheres ao lazer, descanso, estudo e à ascensão profissional.

Essa desigualdade de tempo não afeta todas as mulheres da mesma forma. As pretas, pobres e chefes de família estão entre as mais vulnerabilizadas, pois enfrentam, além do machismo estrutural, racismo e barreiras da desigualdade socioeconômica.

Desde 2018, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda políticas de tempo de trabalho mais flexíveis e justas. Já o conceito de “economia do cuidado”, defendido por organismos como ONU Mulheres e CEPAL, indica que o trabalho não remunerado de mulheres sustenta o funcionamento da sociedade e precisa ser reconhecido e redistribuído.

No Brasil, 19 empresas participaram de experimento internacional promovido pela organização 4 Day Week Global, adotando jornada de quatro dias de trabalho semanais. Após um ano, elas observaram um aumento médio de 15% na produtividade e melhorias no bem-estar dos funcionários. A maioria decidiu manter o modelo, evidenciando que jornadas reduzidas podem ser benéficas para trabalhadores e empregadores.

Uma pesquisa realizada pelo Dieese revelou que a redução da jornada de trabalho pode abrir vagas de emprego para cerca de três milhões de trabalhadores. É hora de olhar para o tempo como um direito. O direito de viver — e não apenas de sobreviver. O tempo livre precisa ser tratado como valor coletivo, não como privilégio.

Se queremos um país mais justo, é preciso construir um pacto no qual o cuidado seja dividido, o trabalho reconhecido e a dignidade respeitada. A luta por escalas mais humanas é a luta por um futuro mais igualitário. Com coragem, compromisso e escuta, vamos avançar, porque cuidar das mulheres é cuidar de toda a sociedade.

Adriana Accorsi, deputada federal (PT)

Tempo é dignidade

Adriana Accorsi

Há momentos em que a vida se expande, principalmente diante dos fenômenos da natureza. Somos tomados por um assombro antigo: algo imenso, que não sabemos nomear, se move dentro de nós. Sentimos a nossa pequenez, mas também algo vasto, infinito, pulsante. O corpo percebe. A alma reconhece.

A poeta Hilda Hilst frequentemente falava sobre a pequenez humana diante da imensidão do céu, do divino, do mistério e, ao mesmo tempo, sobre como essa vastidão cabe dentro de nós. Somos atravessados por desejos infinitos, por um anseio incessante de muitas vivências, de sentido, de beleza.

“Somos tão pequenos e queremos tanto. E há tanto, mas somos tão pequenos para receber tanto”. Em obras como Do Desejo e Da Morte. Odes Mínimas, Hilda expressa essa tensão entre o corpo frágil e a alma vasta. Para ela, contemplar o céu ou o absoluto era reconhecer que, embora limitados, carregamos a possibilidade do infinito dentro.

Diante das maravilhas da natureza, reconectamo-nos com a vida. Para cada aventura é preciso saúde, pernas fortes, fôlego. Ao mesmo tempo, a finitude é sentida na carne. Talvez por isso haja tanto prazer quando mergulhamos no mar ou lavamos a alma numa cachoeira. A pele, nosso maior órgão e fronteira com o mundo, capta uma explosão de sentidos, e milhares de conexões avisam nossa mente de que, sim, estamos vivos.

Somos medrosos diante da força de uma onda, mas corajosos ao atravessá-la. Somos surpreendidos pelo voo de uma borboleta azul e encantados com a beleza da vegetação. Longe de romantizar a natureza, que pode ser hostil e até fatal, a fauna e a flora nos convidam a uma experiência estética única, profunda e reveladora.

Uma vivência que, às vezes, nos arrasta para algo que o psicanalista Sigmund Freud chamou de sentimento oceânico: a sensação de pertencimento ilimitado ao mundo, uma memória emocional anterior à divisão entre o eu e o outro, como se fôssemos um só com o universo.

Mas, como a primavera que passa, a transitoriedade logo se impõe. A juventude passa, e nunca banhamos no mesmo rio. Em seu ensaio “Sobre a Transitoriedade”, Freud escreveu que é justamente essa consciência da finitude que intensifica o valor das coisas belas. Nada dura e é por isso que tudo importa. A beleza, a força, a entrega… tudo é precioso porque está prestes a desaparecer.

A natureza nos ensina que a criação e a transformação exigem tempo e entrega. Que não somos feitos para reter, para controlar, mas para criar. Hilda Hilst tantas vezes escreveu: “mesmo com a fragilidade do corpo, a alma sabe conter o infinito.” Cora Coralina dizia conter todas as idades.

Talvez o adoecimento mental seja, em parte, a recusa de reconhecer o quanto é vital viver desejos, experimentar pequenos sonhos, aceitar nossas fragilidades e excessos. Não somos máquinas, embora correntes ideológicas nos queiram programados, disciplinados, domesticados dentro de uma rotina moralista que serve apenas à lógica da produtividade e do consumo.

Somos também crianças brincantes, corpos desejantes, almas inquietas, carentes de amor, de cuidado e confiança. E talvez não há nada mais humano e honesto do que possamos fazer seja permitir que, em nós, o infinito continue a respirar.

Maysa Balduino, psicanalista clínica, membro associada da SBP Goiânia e professora de Teoria Freudiana