Vivemos em um estado de alerta permanente. A cada novo dia, a democracia brasileira parece ser testada, colocada à prova não por um único e grandioso ato de ruptura, mas por uma sucessão de abalos que corroem suas fundações. A expressão que melhor captura essa febre contínua é a do jurista Lenio Streck: o Brasil vive um “estado de coisas golpistas”. Não se trata de um golpe clássico, com tanques nas ruas, mas de um golpismo cotidiano, ruidoso e, o mais alarmante, vindo de onde menos se esperava historicamente: o Poder Legislativo. Streck argumenta que o Brasil é um “cisne negro” na América Latina. Enquanto a tradição regional via o golpismo emanar do Poder Executivo, aqui as oligarquias se encastelaram no Congresso Nacional. É de lá que parte a ofensiva para subverter a lógica do presidencialismo de coalizão, transformando-o em um parlamentarismo informal e predatório, onde o controle do orçamento se torna a principal ferramenta de poder. O Executivo, refém das “emendas de relator” e do chamado “orçamento secreto”, perde sua capacidade de governar, enquanto o Judiciário, ao tentar impor limites constitucionais a essa captura, torna-se alvo de retaliações constantes.